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O Ensino de Semiótica em um Curso de Design - problematização do tema

CAPÍTULO 2: PEDAGOGIA DO DESIGN NO BRASIL - REFLEXÕES E

2.4 O Ensino de Semiótica em um Curso de Design - problematização do tema

O segundo artigo, de Cayley Guimarães (2018), apresenta a aplicação da Metodologia de Problematização em uma disciplina de Semiótica do curso de Design de uma Universidade Federal, tendo como tema pessoas em situação de rua, fazendo uma conexão entre o conhecimento de mundo e a prática do design. Discutindo o tema dentro de sala, a professora exercitou a construção da imagem que a sociedade tem sobre pessoas em situação de rua, dentro da construção teórica da semiótica.

“Os aprendizes foram convidados a considerar o tema “moradores em situação de rua”. Seguiram-se os passos da metodologia: observação da realidade, pontos-chave, teorização, construção de hipóteses de solução e aplicação à realidade prática (p. 12).

O conhecimento da semiótica dentro da abordagem pedagógica foi a base sobre a qual os alunos construíram instalações artísticas ao redor do tema, exercitando novos olhares sobre a problemática, convidando as pessoas da comunidade universitária a refletirem sobre a questão.

A professora relata que a metodologia de problematização primeiramente convida os alunos a analisar o problema através dos signos já existentes, discutindo o papel dos mesmos na construção do senso comum sobre pessoas em situação de rua. Como exemplo, através de rodas de discussões, os alunos analisaram a solução de design da Arquitetura Hostil, que normalmente é apresentada como benéfica, mas que se caracteriza pela limitação do espaço público a determinados usuários, excluindo outros no processo. Analisando através da semiótica, os alunos refletiram sobre as mensagens passadas por esse tipo de solução de design e como essa mensagem era recebida pelos grupos que interagiam com esse espaço. A autora informa que, como consenso das discussões, o uso do design nos casos apresentados foi percebido como pernicioso, evidenciando a necessidade da participação cidadã nos processos de design.

A análise do tema dentro do contexto específico do design permitiu uma percepção do contexto social, percebendo as contradições e incertezas próprias de um projeto de design, capaz de criar preconceitos e reforçar os já existentes, trazendo para dentro de sala um tema estigmatizado. Essa análise figurou o primeiro passo da metodologia: observação da realidade, promoção de reflexão e problematização do tema, levantamento de questões sobre como promover um debate mais aprofundado através do design.

A definição dos pontos-chave acerca do conhecimento do problema configura o segundo passo da metodologia, esquematizado pela professora: a semiótica e seu papel na percepção e criação de signos; o design e sua função comunicativa, criando sentidos e disseminando conceitos; percepções

hegemônicas a respeito do tema e a construção de novas percepções que aprofundam-se nos motivos que levam as pessoas à situação de rua.

Na etapa de teorização, buscou-se entender os mecanismos que levam as pessoas a essa situação. Traz também uma reflexão, dentro do campo da semiótica, pela observação dos mecanismos simbólicos que levam a perpetuação da situação precária de pessoas em situação de rua, levantando a questão: “Como deve ser o design de instalação para passar uma mensagem diferente, de ação; como fazer o interpretador receber esta mensagem?”

A etapa de aplicação consistiu na elaboração e exposição das instalações, percebendo também a repercussão delas na comunidade do campus da universidade. O objetivo das instalações foi a proposição de novos signos que também possibilitassem novas formas de perceber as pessoas em situação de rua.

Na terceira sessão do artigo, a autora detalha as instalações dos alunos e expõe um pouco da dinâmica entre educador e educando, relatando que a proposta de instalação foi “entusiasticamente aceita” pelo grupo. A escolha da estética de rua, no entanto, foi recebida com relutância pelo grupo, trazendo o seguinte questionamento: Como fazer uma campanha de design para representar algo que é “feio”? Dessa forma, houve um grande uso de papelão pelos alunos, sendo este um material esteticamente relacionado a pessoas em situação de rua. Aquilo que os alunos compreendiam como design foi ressignificado, já que houve a compreensão de que o design que busca um estranhamento tem a liberdade de fugir de uma estética hegemônica (Fig. 6).

Figura 6: Alguns resultados do trabalho dos alunos, “Lar Doze Lar” e “Eu durmo aqui”.

Fonte: GUIMARÃES, 2018

A disciplina também contou com uma etapa avaliativa, divulgando um questionário sobre a apreensão das instalações pela comunidade do campus. A pesquisa posterior à instalação permitiu que os alunos recebessem as opiniões do público sobre o resultado do seu trabalho. Houve também observação da reação das pessoas ao perceber a instalação e entrevista presencial sobre as experiências e sentimentos em relação à obra.

O relato dos respondentes da pesquisa online, assim como a entrevista presencial, mostra que as instalações causaram surpresa, chocantes em alguns casos e que, o fato de não haver explicação para as obras, fez com que as pessoas buscassem suas próprias interpretações. Além disso, os resultados confirmam a hipótese de que a instalação permitiu a ressignificação da realidade de pessoas em situação de rua e foram base de conversas e discussões para quem as viu.

A segunda parte da atividade se tornou a construção visual da campanha de doações, buscando criar signos que convidassem as pessoas a doarem, sem os elementos visuais comuns que apelam para o sentimento de piedade e caridade. A experiência da criação da instalação oportunizou uma ressignificação da percepção sobre pessoas em situação de rua por parte dos alunos, repercutindo na estética das peças da campanha (Fig. 7).

Figura 7: Alguns resultados dos trabalhos dos alunos.

Fonte: GUIMARÃES, 2018.

Nesse artigo, pode-se perceber que houve uma decisão, por parte da professora, de trazer uma problemática social para a sala de aula em uma disciplina cujo foco é a aprendizagem da Semiótica, oportunizando a reflexão sobre um tema carregado de estereótipos. Essa estratégia permitiu a união entre reflexão e ação, através da elaboração da instalação sobre o tema dentro do campus universitário e da campanha de doações.

O conhecimento sobre os aspectos comunicativos no design e a elaboração de mensagens e significados nos artefatos de design, de forma deliberada, é uma das habilidades mais importantes que o designer precisa ter. Essa habilidade é desenvolvida somente através da prática constante, aliada à teoria. A decisão pedagógica da professora enfatiza essa necessidade, quando, ao conduzir a aula, não coloca nem a prática nem a teoria como mais importantes e nem separadas, mas como um processo que acontece de forma conjunta, destacando a etapa de compreensão do problema para além daquilo que é percebido superficialmente. A professora também traz os exemplos de projetos específicos de design que buscam “solucionar” o problema, mas que trazem uma compreensão do espaço público restrito a determinadas pessoas, em que se ignora as contradições sociais que levam as pessoas a estarem em situação de rua.

Essa abordagem permite uma reflexão sobre a natureza política do design. No momento em que um novo artefato é inserido no espaço, altera-se a dinâmica, podendo repercutir em novos significados ou reforçar conceitos preexistentes. O diálogo, neste trabalho, é evidenciado na produção dos alunos, que foram bem sucedidos ao sintetizar a problemática discutida em sala, na estética de suas instalações, como apurado pela pesquisa feita com as pessoas do campus. Também está presente diretamente na metodologia utilizada, que busca a problematização do tema que faz parte do cotidiano dos alunos, mas é permeado por um imaginário que invisibiliza pessoas em situação de rua.