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CAPÍTULO 4: PESQUISA DE CAMPO: VIVÊNCIA E ENTREVISTAS

4.6 Reflexão - a aula como desafio

Para Fabíola, a reflexão na aula é o mais fundamental, destacando que sua maior preocupação como educadora é levar os alunos a um lugar onde eles possam pensar por si mesmos. Nas nossas conversas, Fabíola sempre relata sua preocupação em colocar os alunos para pensar e deixá-los digerindo informações aos poucos.

Dessa forma, ao explicar um conceito, a responder uma pergunta, sua resposta raramente é objetiva e definidora. Para os alunos entrevistados, fica claro como a reflexão na aula da Fabíola acontece e a destacam como uma experiência desafiadora.

A aula da Fabíola é uma das aulas mais cansativas… mentalmente falando. É cansativa porque é imediata. Ela propõe alguma coisa pra gente e ela quer que a gente fale sobre isso em uma hora, meia hora. [...] isso

obriga a gente a fazer um percurso dentro do nosso pensamento bem maior do que a gente faz em outras matérias. [...] um cansaço que não é estressante… que tem um peso dentro da gente e te esgota. É um cansaço que te traz um alívio [...] alívio de ter elaborado uma questão e ter buscado na sua memória referências e coisas que você ouviu por aí, alívio de compartilhar (Gabriela).

Às vezes surge uma ideia no meio que não tem a ver com o que ela queria e aí ela para e fala: “Preciso pensar uns 5 minutinhos” a aí ela repensa a

aula dela e coloca para debate (Luana).

A aula da Fabíola é desafiadora. Você precisa estar ciente do que ela está falando, os termos que ela usa, conceitos para montar o quebra cabeça e montar a aula por completo. [...] Considero as melhores aulas. Se eu não entendia um termo, eu podia perguntar e ela explica a filosofia por trás de tudo e no final consegue fechar. [...] É desafiador quando a gente precisa passar para além do que já sabe. Quando percebemos: “Ah! Tá aparecendo coisa nova [...] Tá aparecendo conceito que não sei do que se trata.” Aí parte do aluno: se desprender da aula e ir embora ou se manter

na aula para entender o que está acontecendo, essa coisa nova (João).

A fala dos alunos me relembrou uma afirmação de Paulo Freire, em que ele destaca o processo educativo, em que há reflexão crítica por parte de educador e educando, como aquele em que o professor suscita a curiosidade dos alunos. Ao falar sobre determinado assunto, estimula-se a pergunta ao invés da passividade

[...] o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma “cantiga de ninar”. Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas (1996, p. 86).

Interessante também perceber como João destaca o papel ativo do aluno no processo: o aluno precisa estar disposto a “se manter” na aula e “montar o quebra-cabeça” da aula por completo. Paulo Freire destaca que o diálogo entre ensinar e aprender, no processo de compreensão do objeto tema da aula, tem a ver com o empenho de ambos aluno e professor, de forma crítica, como sujeitos da aprendizagem. Nesse empenho ativo, a opinião vai se tornando conscientização. Quanto mais reflete, mais crítica se torna essa reflexão (Fig. 17).

Figura 17: Esquema da conscientização de Paulo Freire.

Fonte: Autora

Nigel Cross (2006) destaca que a criação em design é em si, reflexiva, devido ao exercício de síntese necessária à atividade de projeto. É necessário que o designer tenha a capacidade de organização de um todo abstrato, fazendo uma síntese de necessidades individuais, organizacionais e sociais para chegar em um padrão coeso, que guiará a ação projetual. O autor também destaca que, para o professor, é indispensável que consiga articular os detalhes daquilo que está ensinando, para embasar o conteúdo e o método de sua aula.

Para os alunos, talvez esse aspecto reflexivo do design não fique tão claro, devido a uma cultura de separação de disciplinas. Luana afirma que não percebe tanta oportunidade para reflexão nas aulas onde a metodologia de projeto é o foco. João também consegue perceber uma atividade reflexiva maior em aulas teóricas, mas no exercício de responder à pergunta, conseguiu perceber como acontece durante a ação projetual. Gabriela compreende que a reflexão faz parte de um todo que também inclui a vivência fora da universidade, e que essa vivência também alimenta a sua apreensão das aulas e sua atuação como designer. Ela também afirma que consegue perceber um exercício de reflexão em todas as aulas, embora nas disciplinas teóricas esse processo fique mais claro.

Eu compreendo reflexão como um momento, um período que a gente precisa pensar sobre o que a gente está fazendo, a situação e a matéria

que a gente está absorvendo. Como isso acontece no dia a dia e como isso afeta outras pessoas. Porque no curso de Design a gente trabalha

para as pessoas então a gente precisa refletir muito sobre como cada

aprendizado pode ajudar a gente nisso. Vejo mais reflexão nas aulas teóricas porque a gente tem mais conteúdo para absorver, mas coisa para ler e acaba escrevendo também, o que me faz refletir mais e aprofundar nos termos. Já nas aulas práticas, a gente vê pouco conteúdo teórico [...] e com a correria do prazo você acaba esquecendo de refletir. [...] Não sei se nas aulas práticas existe reflexão (Luana).

Em disciplina teórica, é mais fácil de observar porque a gente tem que [...] buscar a teoria o tempo todo, que vai funcionar no dia a dia. Pegar os conceitos abstratos, refletir sobre eles e como eles funcionam na realidade. [...] Na prática, já não sei como funciona a reflexão. Talvez no teste… refletir sobre o projeto em forma de experiência, para saber de

que forma a teoria está funcionando na realidade (João).

Reflexão é um estado de observação sobre algo, algum assunto, objeto, algo que está sendo dito em determinado momento e você se doa durante aquele período àquilo. [...] Desde o momento que saio da minha casa até chegar à faculdade, já me causa reflexão. O caminho que eu faço

define como a aula vai começar (Gabriela).

Fabíola destaca ser importante que o aluno não perca contato com a sua forma de aprendizado, desenvolvendo um senso crítico sobre sua própria profissão:

Eu acho importante o aluno entrar em contato com conteúdos de Design, mas nunca perder o contato com o modo de aprendizado, como aquele aprendizado está sendo construído. Exercício tal está sendo feito para provocar o quê? Atravessando as habilidades e competências, mas… é mais amplo que isso, eu acho. O que eu procuro dar é uma noção mais universal a respeito do que significa você aprender, [...] você todo dia tem que desenvolver desde a paciência até a humildade, o olhar, a pertinência, até o autoconhecimento, de entender qual é o seu lugar no mundo. [...] Esse senso crítico a respeito… do seu estar no mundo. Faz parte de estar no mundo uma profissão e essa profissão, no caso do designer, tem uma forma de intervenção muito ampla. Então o profissional de Design tem que ter um senso crítico em relação a isso [...] quando a gente trabalha em sala de aula juntos na modelagem de um exercício, muda o rumo do exercício e consegue justificar o porquê, entrando em consensos também, simulando muito o trabalho em equipe [...] eu acredito que a

gente está trabalhando esse aspecto aí do desenvolvimento (Fabíola).

Durante a entrevista, Fabíola faz aquilo que ela chama de “anatomia” da sua percepção sobre a reflexão que acontece dentro da sala de aula:

O primeiro passo é o engajamento, chamar a atenção, colocar a pessoa dentro da atenção mais plena. [...] porque uma massa de estudantes distanciada daquilo que você está propondo não é capaz de fazer reflexão alguma. E a partir daí, trabalhar com ela já engajada, prestando atenção no objeto, seja lá o que for, rodear esse objeto de observações e de olhares, oferecer um ponto de vista, oferecer outro ponto de vista, até que a pessoa consiga compreender que o ponto de vista dela é válido. Quando ela tem essa coragem de fazer um pensamento próprio, eu acho que aí tá

iniciado o processo de reflexão (Fabíola).

Fabíola também destaca o que existe de subjetivo, a incerteza própria desse processo, pois quando lida com uma sala cheia de alunos, existem vários níveis de atenção e de capacidade de lidar com muitas variáveis ao mesmo tempo. Além disso, destaca que é atribuição do professor coletar aquilo que vem dos alunos, como um todo coletivo, a respeito do assunto, uma reflexão coletiva.

Mas isso também acho que é atribuição do professor, ir trazendo de cada coisa que vai emergindo dos alunos, aspectos que vão compor o que seria uma reflexão coletiva naquele grupo a respeito daquele assunto. Traduzindo: devolver para eles mesmos o que juntos eles estão conseguindo pensar a respeito de algo, a partir do entendimento de que

não tem nada nesse mundo que já está totalmente pensado (Fabíola).