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O Estudo Exploratório, o Tempo e a Inserção no Campo da Investigação:

CAPÍTULO 3 CAMINHOS POR ONDE ANDAMOS: NOSSA TRAJETÓRIA DE

3.5 As Experiências Cotidianas Escolares: A Rede Municipal de Ensino do

3.5.1 O Estudo Exploratório, o Tempo e a Inserção no Campo da Investigação:

No processo de delimitação do nosso objeto de pesquisa, procedeu-se a um estudo de natureza exploratória que objetivou o contato direto com o campo e proporcionou a relação entre a teorização educacional e a prática escolar. Esse estudo exploratório ofereceu elementos para a tomada de decisões em relação à escolha dos procedimentos metodológicos e as escolhas das técnicas de pesquisa.

O estudo exploratório foi importante pelo fato de representar a primeira aproximação com as práticas cotidianas, além do levantamento e catalogação dos documentos que serviram de análise ao nosso trabalho de pesquisa. Também ajudou a entender o movimento curricular que a rede viveu nos últimos tempos e que fez parte dos nossos dados no momento da qualificação. O tempo dedicado ao estudo exploratório foi de aproximadamente quatro meses.

Naquele momento, realizamos entrevistas com os membros da equipe pedagógica e aplicamos questionários aos membros do GTERÊ, além de realizarmos observações em duas escolas da Rede Municipal do Recife. Na ocasião, tínhamos o entendimento de que iríamos fazer o estudo em duas escolas. No entanto, por motivos de compatibilidade com o tempo da pesquisa, resolvemos fazer o estudo na segunda escola observada, por ser a que mais se aproximou da caracterização necessária à realização da investigação.

Destacamos que realizar observações não constitui tarefa fácil em qualquer que seja o espaço uma vez que requer clareza sobre aquilo que deverá ser observado, bem como sobre os objetivos da investigação e, no nosso caso, o objeto de estudo eram as práticas curriculares e nestas a educação das relações étnico- raciais. Ademais, quando a pesquisa está voltada para o estudo do e no cotidiano escolar, apreender os fazeres e dizeres das experiências cotidianas requer certa preparação por parte do pesquisador e pesquisadoras42.

O cotidiano tem suas ciladas, seus “truques” e, muitas vezes, não sabemos como vamos apreendê-lo. Quando estudamos a escola, temos dificuldade de entender que caminhos seguiremos, pois, nesse ambiente, acontecem muitas coisas ao mesmo tempo.

As práticas cotidianas, ao contrário do mundo da ciência moderna em que quase sempre as coisas são selecionadas, ordenadas e classificadas, apresentam, para além da sua organização, quantificação e classificação, circunstâncias complexas através de palavras, situações, formas discursivas marcadas pelo modo de ser e de pensar das pessoas que estão construindo suas histórias (OLIVEIRA, 2005).

Na vida cotidiana ocorrem atos, usos, práticas, regras, significados. Constituem-se acordos, desacordos em conjunturas plurais. Os opostos se cruzam, se aproximam, se afastam e convivem. Cria-se um movimento difícil de ser percebido, acompanhado, apreendido, interpretado, compreendido e vivido. O cotidiano não é apenas rotina do dia a dia, não é repetição, nem apenas o lugar do senso comum. É um lugar/espaço em que se constroem saberes, táticas e estratégias para sobreviver. Enfim, o cotidiano é entendido como espaço em que as práticas curriculares se definem, são ressignificadas e redefinidas.

A escolha pelo estudo do cotidiano se deu pelo caminho percorrido na elaboração do nosso objeto. Oportunamente, nosso trabalho consiste em compreender as “artes de fazer” dos que estão na escola no que se refere às práticas curriculares referentes às relações étnico-raciais. Nesse sentido indagamos: quais as saídas e desafios vividos por esses “sujeitos ordinários” (CERTEAU, 1994), consumidores que criam e recriam os espaços vividos utilizando “taticamente” os

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produtos que lhes são oferecidos no sentido de resolver questões cotidianas da escola?

Nessa perspectiva, almejamos responder com essa investigação de que forma as práticas curriculares em uma escola da Rede Municipal de Ensino do Recife estariam vivenciando a educação das relações étnico-raciais? Para isso, o tempo no campo correspondeu a duas fases, como já anunciamos anteriormente. A primeira exploratória e a segunda com estudos mais aprofundados de outubro de 2009 a outubro de 2010. Assim, nossa permanência no campo empírico foi guiada por dois objetivos elaborados a partir dos objetivos da nossa pesquisa: a) analisar as práticas curriculares no tocante à implementação da Lei nº 10.639/2003 e b) descrever as táticas e estratégias utilizadas pelos sujeitos/professores/as/educadores nas suas práticas.

O nosso trabalho esteve apoiado na realização de observações na escola como um todo e também em salas de aulas, nas conversas informais com professores, estudantes, coordenadores e outros atores que atuam na escola, no registro de situações em caderno de campo, na análise de documentos, na realização de entrevista com professores e estudantes e na aplicação de questionário à coordenadora da escola, como já foi dito anteriormente.

Apesar de termos definido inicialmente o tempo de seis meses para permanência na escola, compreendemos a necessidade de permanecer um tempo maior. O trabalho de pesquisa no campo teve a duração de um ano, prolongando-se de outubro de 2009 a outubro de 2010. No geral, as observações foram realizadas duas vezes por semana em turnos alternados de três a quatro horas diárias. Quando percebemos que os dados estavam se repetindo e entrando na fase de s aturação em relação às relações étnico-raciais que estavam sendo observadas, decidimos pela finalização do nosso tempo na escola. Assim, a saturação dos dados foi o que definiu o término das atividades de coleta de campo.

No diário de campo, tentamos descrever as situações das ocorrências, impressões e sentimentos, notas para futuras informações e ideias analíticas e inferenciais sobre a presença ou não nas práticas curriculares da educação das relações étnico-raciais.

As observações realizadas no cotidiano da escola estudada tinham o intuito de estabelecer um contato pessoal e estreito da pesquisadora com o fenômeno estudado. Nosso intuito foi tentar apreender situações do/no cotidiano que nos

ajudassem a solucionar o nosso problema de pesquisa. Nesse sentido, destacamos que não foi tarefa fácil chegar às respostas para a nossa questão. Não acreditamos na existência de um único caminho e nem de uma única possibilidade de interpretação. Como já foi mencionado anteriormente, a escola encontra-se numa encruzilhada e desvendá-la não é um processo simples. Contudo, observar as tensões nesse cotidiano também não foi algo tão difícil, pois são visíveis os entraves e as contradições que atravessam as práticas curriculares cotidianas. Assim, se na atualidade a escola enfrenta muitos desafios e todos ao mesmo tempo, não podemos desconsiderar que há também muitas possibilidades.

Queremos enfatizar também que embora os relatos e análises contidas no capítulo 5 tenham uma sequência, os fatos narrados necessariamente não correspondem a uma ordem cronológica. O estudo do cotidiano é muito complexo porque muitos acontecimentos se dão ao mesmo tempo, porém, as situações observadas suscitaram certo ordenamento para torná-las inteligíveis.

É importante registrar que a observação ocorreu uma ou duas vezes por semana durante dozes meses. Em cada observação, o tempo variou de três a quatro horas diárias. Procuramos nos revezar nos três turnos em que a escola funciona, embora no último turno (o horário da noite) tenham sido realizadas poucas observações, pois nesse momento a escola funciona com turmas de Educação de Jovens e Adultos, que não se constituíam foco da nossa observação.43

Confessamos que tivemos muito medo da nossa entrada no campo. Não sabíamos muito bem como agir. Entretanto, a entrada na escola se deu de forma tranquila. Quando chegamos à referida instituição, fomos bem recebidas por uma professora que nos deu um abraço caloroso, pois em tempos passados já havíamos trabalhado na escola. Esperamos o diretor que estava circulando pela escola para ver se estava tudo bem e fomos conversar com ele. Falamos sobre o nosso objetivo de pesquisa e a escolha da escola como campo de investigação.

Após o diálogo com a direção, fomos conversar com a professora que atua como apoio administrativo no turno da manhã. Apresentamos a pesquisa que pretendíamos realizar e a partir daí iniciamos o estudo na escola. Imediatamente o gestor se colocou à nossa disposição.

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Há quatro anos a escola tinha uma quantidade enorme de turmas à noite, inclusive turmas sem serem de jovens e adultos. Hoje ela não passa de 4 turmas de jovens e adultos nesse período. Uma professora comentou que até no turno da tarde tem turma com poucos estudantes, pois estes têm desistido.