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O FATO GERADOR E A REGRA DE COMPETÊNCIA PREVISTA NA

2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O DIREITO TRIBUTÁRIO

3.2 O FATO GERADOR E A REGRA DE COMPETÊNCIA PREVISTA NA

Como visto (capítulo 3.1), na hipótese normativa que define o fato gerador da obrigação tributária há um fator determinante, o aspecto material que, conforme abalizada doutrina, possui suma importância para a definição do tributo e descreve substancialmente o suporte da hipótese de incidência.109

Também foi referido anteriormente que a Constituição Federal autoriza a instituição de tributos por meio das regras de competência (capítulo 2.3.2). Ao permitir que a União possa instituir tributos sobre a renda, propriedade rural, importação, exportação (art. 153), faturamento, lucro, folha de salários (art. 195), etc., que os Municípios possam instituir tributos sobre os serviços, propriedade,

108 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2000, págs. 106/107

109 A terminologia de Geraldo Ataliba é a mais generalizada pela doutrina, de sorte que será referida no decorrer do trabalho. A propósito: DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 193.

transmissão de bens imóveis (art. 156), custeio da iluminação pública (art. 149-A) e custeio da previdência (art. 149, § 1º), que os Estados possam instituir tributos sobre operações de circulação de mercadorias e serviços, transmissão causa mortis ou doação, propriedade de veículos automotores (art. 155), e custeio da previdência (art. 149, § 1º), o Texto Constitucional confere à pessoa política respectiva os poderes para tributar aquelas situações previstas.

Mas o que são tais situações? Ora, são os aspectos materiais da hipótese de incidência da regra que suporta a relação jurídica tributária. É definindo os aspectos materiais da hipótese de incidência da regra jurídica tributária que a Constituição atribui as competências para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A matéria já foi adiantada em tópico anterior (capítulo 2.3.3) quando se tratou da interpretação das regras de competência constitucionais. Por exemplo, no Recurso Extraordinário n.º 390.840, que versava sobre a contribuição social sobre o faturamento, o Supremo Tribunal Federal, para chegar àquela conclusão (no sentido de que a tributação seria sobre o faturamento, e não sobre a receita bruta) considerou que a Constituição Federal indica o aspecto material da hipótese de incidência do tributo (como se observa no voto do Min. Cezar Peluso no julgado referido).110 Outro não foi o raciocínio do Tribunal para, no também já referido Recurso Extraordinário n.º 116.121, declarar a inconstitucionalidade da locação de bens imóveis, porquanto tal situação não estava contida na hipótese de incidência do ISS.111

110 “Essas são as razões por que a competência tributária prevista na Constituição indica desde logo o fato gerador (hipótese de incidência) e a base de cálculo possíveis para instituição dos tributos, chegando a Constituição a dispor de forma expressa, no art. 145, § 2º, que “as taxas não poderão

ter base de cálculo própria de impostos”. (...)

Consoante observação de GERALDO ATALIBA e CLEBER GIARDINO, o constituinte originário apontou para a base de cálculo da contribuição e fixou-lhe, indiretamente, o aspecto material da hipótese de incidência, de tal modo que o montante sobre o qual incidirá o tributo será o valor do

faturamento, e o fato gerador serão as operações que o produzam:

“Sempre, pois, que a linguagem da lei – frequentemente imprecisa, inadequada, superficial, reduzida – aludir a uma suposta incidência sobre essa medida econômica do fato gravado, não se iludirá nem se confundirá o intérprete: entenderá – isto sem dificuldade – que, aí, o que se tributa é o próprio fato, por cuja realização se manifesta essa grandeza numérica”. (...)

Ao outorgar a União competência para instituir contribuição social sobre o faturamento, o constituinte originário indicou-lhe desde logo, de modo expresso, o fato gerador (hipótese de incidência) e a base de cálculo possíveis, interditando ipso facto à lei subalterna alargar ou burlar tais limites mediante subterfúgios linguísticos ou conceituais, como, p. ex., alteração dos significados normativos incorporados pela Constituição”. (RE 390.840-5/MG, STF, Tribunal Pleno, Voto Min. Cezar Peluso, D.J. 15 ago 2006, págs. 390/391 e 410).

111 “Creio que aí se trata de locação pura e simples, desacompanhada, destarte, da prestação de serviços. Se houvesse o contrato para essa prestação, concluiria pela incidência do tributo.

Sem dúvida alguma, o fato gerador da obrigação tributária, vale dizer, a situação que autoriza a cobrança do tributo (hipótese de incidência tributária), está, e nem poderia ser diferente, estabelecido na Constituição Federal.

É da interpretação do Texto Constitucional que se retira o aspecto material da hipótese de incidência de um determinado tributo. Como visto, a Carta Magna estabeleceu por meio de regras de competência, as circunstâncias que podem ser sujeitas à tributação e estas são plenamente identificáveis por meio do estudo do aspecto material da hipótese de incidência.

Geraldo Ataliba é categórico ao afirmar que o aspecto material, o mais importante da hipótese de incidência, se extrai da Constituição Federal. Para o autor, a Constituição, quando autoriza tributar operações de circulação de mercadoria, indica o aspecto material que pressupõe a troca da sua titularidade.112 Da mesma

forma, quando a Constituição define a possibilidade de tributação sobre a renda e proventos de qualquer natureza (art. 153, III), está na verdade determinando o aspecto material da hipótese de incidência do imposto de renda. No mesmo sentido, quando concede aos Municípios a possibilidade de tributação sobre serviços de qualquer natureza (art. 156, III), está, em outras palavras, apontando o aspecto material da hipótese de incidência do imposto em questão.

De fato, como ensina Roque Carrazza, da partilha constitucional prevista nas suas regras de competência é que se extrai o aspecto material de cada hipótese de incidência tributária:

Em face do texto da Constituição Federal e da legislação complementar de regência, não tenho como assentar a incidência do tributo, porque falta o núcleo dessa incidência, que são os serviços.” (RE 116.121-3/SP, STF, Tribunal Pleno, Voto Min. Marco Aurélio, D.J. 25 maio 2001, p. 702). 112 “A identificação do tipo de imposto depende da rigorosa e criteriosa análise dos termos

empregados pelo legislador – primeiramente o constituinte – para estruturar a h.i. no seu aspecto mais decisivo: o material. Tomemos como exemplo o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias), imposto sobre operações mercantis e certos serviços.

58.7 A consistência material da h.i. é dada de forma bastante restritiva pelo próprio texto constitucional (art. 155, I, “b”). Cingir-nos-emos à materialidade da operação mercantil (já que o ICMS é a combinação de dois impostos de naturezas diversas, não combináveis entre si).

É: a) prática (não por qualquer um); b) por quem exerce atividade mercantil; c) de operação jurídica (não qualquer uma); d) mercantil (regida pelo direito comercial); e) que (cuja operação) importa, impede, causa, provoca e desencadeia; f) circulação (juridicamente entendida como modificação de titularidade, transferência de mão, relevante para o direito privado); g) de mercadoria (juridicamente entendida como objeto da mercancia).

Tentando síntese, pode-se enunciar esta h.i. como consistindo na “prática de operação mercantil, que importa transmissão da titularidade de direito de disposição sobre mercadoria” (Cleber Giardino).” (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2000., págs. 144/145).

Podemos facilmente notar que a partilha, entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, das competências para criar impostos (competências impositivas) foi levada a cabo de acordo com um critério

material. O Constituinte, neste passo, descreveu objetivamente fatos,

que podem ser validamente colocados pelos legisladores ordinários (federais, estaduais, municipais ou distritais) nas hipóteses de

incidência (fatos geradores in abstracto) dos impostos de suas pessoas

políticas. Melhor explicitando, os mencionados arts. 147, 153, 154, I, 155 e 156 do Código dos Códigos autorizam cada uma das pessoas políticas a instituir impostos sobre os fatos neles apontados genericamente (e.g., o fato de alguém auferir rendimentos, o fato de alguém industrializar produto, o fato de alguém praticar uma operação de seguro, o fato de alguém ser proprietário de imóvel urbano, o fato de alguém prestar serviço de qualquer natureza, etc.)113

Vê-se, pois, que a autorização constitucional para tributar tem o condão de definir os aspectos materiais das hipóteses de incidência tributárias. Mas tal definição nem sempre é suficiente. O fato de estar (ou não) previsto na Constituição não encerra o debate, tendo em vista que nem sempre é fácil extrair o aspecto material da hipótese de incidência tributária. Pode existir divergência quanto ao critério interpretativo, conceitual, imprecisão do Texto Constitucional, dentre outras situações que poderiam, eventualmente, contribuir negativamente para extrair de forma segura o aspecto material de cada hipótese de incidência.

Cumpre, assim, indagar o seguinte: há critério para determinar, seguramente, o aspecto material (ou núcleo) da hipótese de incidência tributária? A resposta é afirmativa. Se por meio do aspecto material se extrai uma base de cálculo, esta servirá, por um raciocínio inverso, para confirmar o conteúdo do aspecto material da hipótese de incidência.