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Valor excedente à intermediação

2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O DIREITO TRIBUTÁRIO

5.2 SOLUÇÃO PELA APLICAÇÃO DA RAZOABILIDADE, CAPACIDADE

5.2.2 Receitas não decorrentes da prestação do serviço: não inclusão na base

5.2.2.1 Valor excedente à intermediação

A problemática que envolve a intermediação é solucionada a partir do critério que prioriza a regra de competência constitucional e a relação entre o seu aspecto material e a base de incidência tributária.

Como já se referiu no trabalho, as regras de competência se interpretam priorizando-se os elementos linguísticos e o conceito consagrado na legislação infraconstitucional por ocasião da promulgação da CF, não havendo espaço para a ponderação e a interpretação econômica (capítulo 2.3.3) e que, ademais, o aspecto material da hipótese de incidência da norma tributária a partir da Carta Magna se extrai, sendo a base de cálculo dela decorrente (capítulo 3.3). Uma vez definido tal aspecto material a partir da CF, o ISS pode ser cobrado sobre a prestação de serviço, atividade humana, fato, obrigação precípua de fazer (atividade- fim) e, por via de consequência, a base de cálculo necessariamente deverá mensurar este facere prestado para terceiros, o que é confirmado pela capacidade contributiva e pela proibição de confisco.

O fato de ser uma obrigação precípua de fazer que constitua uma atividade- fim do prestador do serviço fornece um elemento de grande importância para elencar determinada atividade como intermediação. E, uma vez constatada tal atividade, o preço do serviço é a receita decorrente da intermediação. E tão-só. Não pode ser confundida com a receita bruta, pois esta inclui valores que serão repassados a terceiros, de sorte que devem ser excluídas do serviço de intermediação as receitas de terceiros, devendo a base de incidência recair fielmente sobre o preço da intermediação.

Por exemplo, no agenciamento de cargas, a prestação do serviço é a intermediação e, por isso, não pode abranger na sua base de cálculo o valor repassado à empresa que realiza o transporte. Se cobrado o ISS sobre o valor total da receita, há majoração do tributo sem lei e, pior, cobrança de outra espécie tributária não constitucionalmente prevista na competência dos Municípios, violação da capacidade contributiva e, conforme a situação do caso concreto, efeito confiscatório.

Da mesma forma, em se tratando de agenciamento de mão-de-obra, o que é diferente do fornecimento de mão-de-obra, a natureza da atividade revela intermediação, motivo pelo qual devem ser excluídos da base de cálculo o valor repassado aos trabalhadores. Ainda que tais valores transitem no caixa da agenciadora, não são receitas decorrentes da prestação do serviço, mas sim receita de terceiros (trabalhadores). Logo, não se incluem na base de cálculo do imposto.

O Superior Tribunal de Justiça também já afastou o valor referente às despesas junto ao INPI no caso de prestação de serviço levado a efeito por agente de propriedade industrial (Resp. 1.094.948),355 pois, neste caso, o montante repassado a terceiro (INPI) não integra o serviço de agenciamento. O Tribunal

355 “Cuida-se de recurso especial, interposto pelo MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, em face do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado (fl. 584): “ISS – AGENTES DE

PROPRIEDADE INDUSTRIAL – REEMBOLSO DE DESPESAS JUNTO AO INPI – BASE DE CÁLCULO. Nas prestações de serviços que envolvam os agentes de propriedade industrial a base de cálculo é o preço do serviço, nele deduzidas as despesas pertinentes ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI – e aos órgãos administrativos correlatos, eis que estas constituem meras entradas a serem repassadas a terceiros, máxime quando destacadas nas respectivas notas fiscais.”(...)

Das razões acima expendidas, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, de modo que se aplica, à espécie, o enunciado da Súmula 83/STJ,

verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.” (...) Ante o exposto, com fundamento no artigo 557, caput, do Código de processo Civil, não conheço do recurso especial.” (REsp. nº. 1.094.948/MG,

afastou também da base de cálculo do ISS o valor repassado à produtora cinematográfica no caso de distribuição356 (intermediação) de filmes (Resp. 259.339)357 por entender que tal montante não se relaciona à prestação do serviço.

Na intermediação entre o cidadão e o Departamento de trânsito (DETRAN), deve ser excluído da base de incidência o valor atinente às taxas recolhidas pelo prestador do serviço, mas cujo contribuinte é o tomador do serviço, sendo a base de cálculo tão-só o valor da intermediação (apelação cível n.º 70026804500).358

Da jurisprudência pode-se extrair o seguinte: tributos recolhidos pelo prestador de serviço, cujo contribuinte seja o tomador do serviço, como é o caso da taxa para expedição de CNH e da taxas do INPI, conforme exemplos citados, não podem ser incluídos na base de cálculo do ISS, porque tais valores não integram a prestação do serviço, representando mero reembolso.

356 Na exibição de filmes cinematográficos a base de cálculo abrange todos os custos referentes à prestação do serviço, conforme Resp. 1.139.610, infra referido, o que é diferente da distribuição de filmes, que é mera intermediação.

357 “Discute-se a dedução dos valores repassados ao produtor, da base de cálculo do ISS sobre serviços de distribuição de filmes cinematográficos. (...)

Esta orientação foi demonstrada de forma clara e precisa no voto condutor do acórdão mencionado. Eis o teor do voto: “A questão é saber se unicamente a exata base de cálculo do ISS incidente sobre o serviço previsto no item 63 da Lista de Serviços a que se refere o art. 8º do Decreto-Lei n.º 406/68, de 31.12.68, com a redação determinada pelo Decreto-Lei n,º 834, de 08.09.69. Isto e, a base de cálculo do ISS incidente sobre a distribuição de filmes cinematográficos e de vídeo-tapes é a importância global paga pelos exibidores aos distribuidores e redistribuidores, incluída a participação dos produtores, ou simplesmente o que os distribuidores e redistribuidores percebem, efetivamente a título de comissão por intermediar a cessão de direito à exploração econômica de filmes cinematográficos e vídeo-tapes? Eis a questão! Bernardo Ribeiro de Moraes, no seu já clássico “Doutrina e Prática do Imposto Sobre os Serviços’ (1ª edição, 2ª Tiragem, RT – São Paulo – a978, pág. 392), leciona em definitivo: ‘A distribuição de filmes cinematográficos consiste, pois, na intermediação realizada entre o titular de direitos da exploração econômica de filmes e a empresa exibidora, mediante pagamento. Pelo contrário de distribuição de filme cinematográfico, as empresas recebem o filme respectivo e o encaminha, mediante remuneração à empresa exibidora, autorizando-a a explorar economicamente o mesmo. A distribuidora presta serviços ao titular de direitos do filme cinematográfico, auferindo comissões. Este último, todavia, tem direito a receber determinada importância (preço) da empresa exibidora, pela cessão do direito de exploração econômica do filme, seja uma importância fixa (royalty), ou seja, uma participação da receita de bilheteria (livre de certas despesas: imposto, direitos autorais, etc). Portanto, sem mais delongas, decidindo o julgador que a base de cálculo do ISS, na hipótese em apreço, são as importâncias recebidas em decorrência dos serviços prestados aos produtores de filmes, andou em excelente e inatacável companhia: da legislação pertinente (art. 8º e 9º do DL 406/68 e item 63 da Lista de Serviços), da doutrina (ob. Cit.) e da jurisprudência, especialmente a citada no próprio decisum recorrido, oriunda do saudoso Estado da Guanabara”. (REsp 196.187/Delgado, fl. 3 do voto).” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 259.339/SP, 1ª Turma, Recorrente: Município de São Paulo, Recorrido: Warner Bross South, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, D.J. 02 outubro 2000, p. 2/3)..

358 APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. ISS. ATIVIDADE DE CFC (CENTRO DE FORMAÇÃO DE CONDUTORES). BASE DE CÁLCULO. DECADÊNCIA. 1. (...). Tampouco poderia ser incluído na base de cálculo do ISS para os CFCs os valores atinentes às taxas repassadas ao Estado. Base de cálculo do ISS que deve quantificar a obrigação de fazer. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (Apelação Cível Nº 70026804500, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Roberto Lofego Canibal, Julgado em 11/11/2009).

Nestes casos, o serviço, tanto do Centro de Formação de Condutores, como do agente de propriedade industrial, representado pelo aspecto material da hipótese de incidência é o agenciamento, de sorte que a base de cálculo deverá obrigatoriamente confirmar monetariamente a atividade. Uma vez constatado que se trata de agenciamento, a base de incidência, observada a razoabilidade- equivalência com a regra de competência constitucional, deve ser atribuída sobre o agenciamento e, consequentemente, valores atinentes às taxas são excluídos da base de cálculo, porque não são exteriorizadores de capacidade contributiva deste serviço.

Enfim, em qualquer tipo de intermediação, quando se diz que é dedutível determinado valor, quer-se dizer que o serviço é mera intermediação e, consequentemente, a base de cálculo deverá refletir este valor, e tão-só. O problema está em definir quando a atividade é efetivamente uma intermediação. A interpretação das regras constitucionais de competência fornecem elementos para tanto.

Por meio do critério da regra de competência constitucional, identifica-se o aspecto material e, a partir daí, a base de cálculo do tributo. Alia-se a este critério a capacidade contributiva na sua dimensão de princípio que estabelece a tributação de forma a parametrizar o aspecto material (a intermediação). É um critério complementar e confirmador do primeiro. Em alguns casos, a proibição de efeito confiscatório pode revelar que a cobrança do imposto sobre montante além da intermediação acarreta o cerceamento da atividade.

Logo, deve ser excluída da receita tributável qualquer valor que não diga respeito exclusivamente à atividade de intermediação.