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2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O DIREITO TRIBUTÁRIO

3.4.2 Aspecto Material do ISS

3.4.2.3 O serviço: fato

Feita a discussão inicial de que o ISS pressupõe uma atividade humana, uma obrigação de fazer tecnicamente considerada, importa mencionar e enfatizar que a incidência do imposto se dá sobre o fato de prestar serviço, o facere, e não sobre um ato jurídico.

Isto porque considerando o aspecto material da hipótese como uma atividade, como uma obrigação precípua de fazer, conforme critério estabelecido no capítulo anterior, baseado na doutrina e jurisprudência referidas, o núcleo da incidência está no ato material, ou seja, na concretização da prestação do serviço, e não em um contrato de prestação de serviço ou em algum ato jurídico. Nesse sentido corrobora a manifestação de Aires Barreto:

Há ainda aspecto a merecer advertência: aos Municípios não foi conferida competência para tributar contratos de prestação de serviços, mas, sim, para instituir imposto sobre o fato “prestar serviços”. O ISS não é um tributo sobre atos jurídicos, mas sobre fatos, sobre o facere que alguém (o prestador) tenha desenvolvido em favor de terceiro (o tomador). Contratado o fato “A” e prestado o fato “A”, obviamente o imposto incide sobre “A”, mas, contratado o fato “A” e prestado o fato “B”, o imposto incide sobre “B” e não sobre “A”. À guisa de exemplo: se for celebrado um contrato para a prestação de serviços de planejamento, mas, concretamente, houver execução de obras, tributáveis serão os serviços de construção civil (fato) e não os de planejamento (constantes de contrato).163

Ao encontro disso vai a lição de Cleber Giardino:

163 BARRETO, Aires F.. Revista Dialética de Direito Tributário nº 162. ISS – por não constituir Serviço, a Garantia de Crédito (ou Prestação de Garantia) não pode ser incluída na Base de Cálculo. São Paulo: Dialética, março 2009. p. 81.

Não há, no caso, imposto do tipo ‘documental’ ou seja (na classificação exposta por Amílcar Falcão) incidente sobre o título expressivo da relação (jurídica) ‘de serviços’ estabelecida. Tampouco imposto sobre ato negocial: o fato da realização ou consumação do contrato de serviços. Na verdade, quando a Constituição alude a serviços de qualquer natureza, refere-se ao próprio ato material ou prestação concreta, especificamente o evento representativo da execução do contrato de serviços que, embora só se verifique sob o pressuposto da antecedente contratação, com ela em rigor não se confunde.164

O ISS, pois, tem o seu aspecto material consubstanciado no fato de prestar um serviço. É um imposto sobre fatos jurídicos e não sobre atos jurídicos, como nos ensina Roque Carrazza:

Notamos, pois, com facilidade, que, por meio de ISS, só há de tributar-se a prestação do serviço, e não a relação jurídica (contrato) que a ela subjaz (isto é, que se instaura entre o prestador e o tomador do serviço). Queremos significar, com esta afirmação, que o imposto em exame deve necessariamente incidir sobre o fato material da prestação de uma utilidade. (...)

Temos, portanto, que o ISS, por sua própria natureza – constitucionalmente estabelecida -, só pode alcançar o fato jurídico da prestação de serviços, e não o ato jurídico (ou os atos jurídicos) que a viabiliza. Invocando AMÍLCAR DE ARAÚJO FALCÃO, podemos dizer que o ISS é um imposto sobre fatos

jurídicos, e não sobre atos jurídicos.165

A constatação de que o fato de prestar serviço está sujeito ao ISS (e não o contrato ou um ato jurídico) é muito importante para não só compreender o aspecto material da hipótese de incidência do aludido imposto mas também porque, consequentemente, constrói-se um importante critério de parametrização da base de cálculo.

Na expressão de José Souto Maior Borges, a hipótese de incidência do ISS é um estado de fato, qual seja, a prestação efetiva de serviços. Por tal motivo, o imposto não pode ser cobrado sobre o contrato de prestação ou sobre o serviço em potencial, mas somente sobre a atividade realmente levada a efeito:

164 GIARDINO, Cleber. Competência Municipal. RDT 32/219, São Paulo: RT, 1985.

165 CARRAZA, Roque Antonio. Interesse Público nº 3. Caderno de Direito Municipal. Porto Alegre: Notadez, 1999. p. 76.

Metáforas desafortunadas, como a de que o ISS gravaria a “venda de bens imateriais”, assim considerados os próprios serviços, em analogia com o ICM, que gravaria a “venda de bens materiais” (as mercadorias), somente servem para desviar e distanciar cada vez mais a análise jurídica do seu objeto de conhecimento, o art. 24, II da CF. Essa linguagem figurada induz à conclusão equivocada de que o ISS seria, também ele, um imposto sobre atos jurídicos. E somente se fora dessa espécie, o ISS poderia gravar as prestações potenciais de serviços. Porque aí contrato de prestação futura de serviços seria em si mesmo eventualmente tributado. E isso caracterizaria precisamente a incidência do ISS sobre as prestações meramente potenciais de serviços. É dizer o mesmo: a incidência do tributo sobre atos jurídicos. Não será por outra razão que o ISS, à luz de uma exegese que privilegie o momento em que surge a obrigação tributária, somente deve levar em consideração a época de concretização da prestação de serviço: aqui e agora, nunca futuro (potencial).

3.7 O ISS não é, ao contrário do ICM e do IOF, p. ex., um imposto incidente sobre atos jurídicos. Sua hipótese de incidência é um estado de fato: a prestação efetiva de serviços não configuráveis como públicos e não enquadráveis na competência impositiva da União e dos Estados-membros. Tanto isso é verdade que, se há contrato de prestação de serviços e esta por qualquer motivo não se realiza, o ISS pura e simplesmente não incide. Se fora um imposto incidente sobre atos jurídicos, a conclusão seria exatamente inversa.166

Marçal Justen Filho afirma que a materialidade do ISS diz respeito a um fato:

Em suma, não se tributa, através de ISS, um estado (de fato ou de direito). Como já visto, no núcleo da hipótese de incidência da norma criadora do ISS está um fato (ato) jurídico. O ISS não incide sobre uma sequência de situações homogêneas verificadas durante um espaço de tempo – sua incidência recai sobre cada ato jurídico qualificável como execução de obrigação de fazer. Bem por isso, só é cabível a tributação tendo em visa cada evento assim caracterizável, com profundas e evidentes repercussões no campo da determinação do valor da prestação tributária.167

Hugo de Brito Machado, ao analisar a questão que envolve a tributação pelo ISS de contratos de subempreitada, conclui que o tributo incide exclusivamente sobre o fato econômico de prestação do serviço, e não sobre a relação ou negócio jurídico:

166 BORGES, Souto Maior. Inconstitucionalidade e Ilegalidade da cobrança do ISS Sobre Contratos de Assistência Médico Hospitalar. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, outubro-dezembro 1986. págs. 169/170.

O preço do serviço, que constitui base de cálculo do ISS, pode ser um dos elementos do contrato, mas o contrato não é essencial para a configuração do fato gerador do imposto. Em outras palavras, não é da natureza ou da espécie de contrato que decorre a obrigação tributária, e sim do fato econômico, no caso de que se cuida, da prestação do serviço como fato econômico.

Assim, pode-se afirmar com segurança que o negócio jurídico é irrelevante. A celebração de negócio jurídico a respeito da prestação de serviço não interfere no elemento nuclear do fato gerador da obrigação tributária. Esse fato gerador é o serviço como fato de relevância econômica. Não o ato ou negócio jurídico. Nem a relação jurídica que, em virtude de um ou do outro, se instaura.

(...)

A empreitada não constitui fato gerador do ISS. Nem a subempreitada. Esses contratos não compõem o suporte fático da incidência desse imposto. Como simples atos ou negócios jurídicos em si mesmos considerados são irrelevantes do ponto de vista tributário. O que é relevante quer na empreitada, quer na subempreitada, é a prestação do serviço. 168

Com efeito, a base de incidência se dá sobre a prestação do serviço (e não sobre um contrato, tampouco sobre um ato jurídico), o que leva à conclusão de que o ISS é um imposto que não pode incidir de forma múltipla sobre um mesmo fato (questão a seguir abordada no capítulo 5.2.2.2).

Logo, não se pode afirmar que está contido no aspecto material da hipótese de incidência um contrato de prestação de serviço, ou um serviço potencialmente prestado. Ao contrário, só a atividade efetivamente realizada é que preenche o requisito material do tributo em liça. Por isso, a base de cálculo necessariamente terá que parametrizar o fato de prestar serviço, vale dizer, o esforço humano efetivamente empreendido em prol do tomador (consumidor) do serviço.

Se, numa situação hipotética, for tomado em consideração o valor de um contrato ou o valor de uma operação para fins de estruturação de base de cálculo, certamente não se estará cobrando imposto sobre serviços, mas sim outro imposto sobre contratos, talvez sujeito ao IOF ou ao ICMS. É que, em não sendo base de incidência sobre prestação de serviço, vale dizer, sobre o fato de prestar um serviço a outrem, não se pode afirmar que o tributo cobrado, nessa situação, é o ISS.

Mais uma vez confirma-se o que já foi aludido no curso do trabalho: a base de cálculo se extrai a partir do aspecto material da hipótese de incidência constitucionalmente prevista. Logo, deve ser considerado o serviço prestado (estado

168 MACHADO. Hugo de Brito. Revista Dialética de Direito Tributário nº 108. A base de Cálculo do Iss e as subempreitadas. São Paulo: Dialética, setembro 2004. págs. 72/73 e 74.

de fato) como aspecto material para definição da base de cálculo do imposto sobre serviços.