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Síntese acerca da impossibilidade de múltipla incidência

2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O DIREITO TRIBUTÁRIO

5.2 SOLUÇÃO PELA APLICAÇÃO DA RAZOABILIDADE, CAPACIDADE

5.2.2 Receitas não decorrentes da prestação do serviço: não inclusão na base

5.2.2.2 Valores já tributados: impossibilidade de múltipla incidência

5.2.2.2.3 Síntese acerca da impossibilidade de múltipla incidência

Das lições doutrinárias e jurisprudenciais se extrai o seguinte: evidentemente, o bis in idem deve ser repudiado. Se não for deduzido o valor dos serviços-meio já tributados pelo imposto, seja subempreitadas, seja serviços prestados por médicos, Nesta particular, entendo que a tese da recorrente, ora embargante, merece acolhida.

Na hipótese dos autos as operações aptas a ensejar a cobrança de ISS são divididas em duas etapas, sendo a primeira a contraprestação e recebimento pela empresa dos valores contratados pelo segurado, e a segunda a efetivação da prestação de serviços propriamente ditos na ocorrência de sinistro.

Ao impor a cobrança do ISS tendo como base o valor pago pelo segurado e igualmente os valores recebidos pelos profissionais da saúde, hospitais e laboratórios, a Fazenda Municipal estará impondo sobre uma mesma base imponível uma dupla tributação.

Nesse passo, faz-se necessária a exclusão dos valores que foram repassados pela empresa de seguro-saúde aos terceiros acima referidos, garantindo que a base de cálculo reflita a parte que ficou como receita para a recorrente.

Observe que tal situação não irá gerar para o Município qualquer prejuízo, uma vez que a quantia não tributada em desfavor da seguradora será incluída quando do cálculo do ISS devidos pelos profissionais da saúde, hospitais e laboratórios. (...)

A mesma solução deve ser empregada na hipótese dos autos, entendendo que o ISS não deve ser tributado com base no valor bruto entregue à empresa que intermedeia a transação, mas sim pela comissão, ou seja, pela receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para os terceiros, efetivamente os prestadores de serviços.” (REsp nº 1.002.704/DF, STJ, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, D.J. 15 setembro 2008, págs. 9/10).

375 “A simples leitura do dispositivo revela que o ISS não admite dedução de parcelas de sua base de cálculo, a não ser nos casos expressamente previstos (art. 9º, § 2º, do DL 406/68, por exemplo). O hospital cobra de seus clientes determinado preço. A destinação que dará a esses recursos

(pagamento de funcionários, compra de equipamentos, pagamento de autônomos etc.) é irrelevante para a relação tributária. Tampouco é relevante a formatação empresarial pela qual o hospital presta esses serviços (com seus empregados, equipamentos próprios, clínicas ou autônomos etc.). O que é relevante para o fato gerador do ISS e para o cálculo deste tributo é a prestação do serviço

ao cliente e o preço dele cobrado.” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, AgRg no Agravo de Instrumento nº 976.937/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, D.J. 19 dezembro 2008, págs. 2/3).

seja qualquer outro tipo de serviço terceirizado, etc., estaria permitido ao sujeito ativo da relação jurídica tributária cobrar tributo duplamente por uma única atividade, daí insistir na tese de que o ISS incide sobre o fato de prestar serviço e não sobre os contratos. Uma vez permitida a incidência do ISS sobre os contratos, está legitimado o bis in idem, a múltipla incidência sobre um mesmo fato, o que é inconcebível.

Exemplifica-se. Se, num serviço de construção civil, com valor total de R$ 100.000,00, efetuado por uma empresa A, que não detém tecnologia para fundação e para a montagem das esquadrias, resolve ela, então, subcontratar duas outras, a empresa B para a fundação (valor de R$ 20.000) e a empresa C para a montagem das esquadrias (valor de R$ 20.000,00). Como se dá a tributação pelo ISS numa alíquota de 5%? A empresa B recolhe R$ 1.000,00 (5% sobre R$ 20.000,00), a empresa C recolhe R$ 1.000,00 (5% sobre R$ 20.000,00) e a empresa A, obviamente, recolhe R$ 3.000,00, que é 5% sobre o valor de R$ 60.000,00, deduzidos os valores da subcontratação das empresas B e C, já tributados a título de ISS. Vale dizer, os contribuintes pelos serviços de fundação e montagem de esquadrias são as empresas B e C, e não a empresa A que apenas subcontratou- os, daí porque, no que diz respeito aos valores deduzidos, aquelas empresas devem recolher o ISS, e não a empresa A. Logo, a base de incidência do imposto em relação à empresa A é de, tão-só, R$ 60.000,00, sob pena de autorizar o enriquecimento indevido do município.

Cabe salientar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o fato de ser o ISS um tributo que não incide de forma múltipla sobre um serviço, ainda que inexista disposição expressa, sendo permitida a dedução do imposto pago por serviço terceirizado (RE n.º 95.584).376

376 “TRIBUTÁRIO. Imposto sobre Serviços. Serviço de que o prestador encarrega uma parte a terceiro. Dedutibilidade do ISS pago a este. Interpretação inferida do sistema, que não ofende o art. 24, II, da Constituição Federal. (...)

O SENHOR MINISTRO DECIO MIRANDA (RELATOR) – Dizendo a Constituição, no art. 24, II, competir aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência da União ou dos Estados, todavia não estabeleceu expressamente a regra da inacumulabilidade, na hipótese de serem os serviços prestados, em fases distintas, por mais de uma pessoa. Esta regra, porém, é princípio cardial do vigente sistema tributário brasileiro e não há razão lógica para que não prevaleça, também, e, relação ao Imposto sobre Serviços. Razoável a solução dada pelo acórdão recorrido, a ela o Município recorrente opõe a invocação de regras de ordem constitucional e legal que, se não autorizam expressamente, também não proíbem a dedução do ISS pago na operação anterior.

Pondere-se que não há regra impeditiva de que o último prestador de serviços desconte, de sua fatura, o preço dos serviços parciais prestados por outrem, com o respectivo imposto agregado, assim obtendo diretamente a recuperação do imposto pago na operação anterior. Simplificada que seja a operação, mediante faturamento englobado do preço total do serviço, próprio e alheiro, nada

O que deve ficar bem esclarecido é o seguinte: não é a questão de ser o tributo não-cumulativo na cadeia circulatória, mas sim que, conforme o seu conceito constitucional e a relação de razoabilidade com a base de incidência, o tributo é decorrente de um fato de prestar serviço, o que impede a múltipla incidência sobre a mesma atividade.

Logo, a base de cálculo necessariamente deve refletir este aspecto material da hipótese de incidência, de maneira a autorizar a exclusão da base de incidência dos montantes já gravados pelo ônus do ISS, sob pena de desvirtuar a regra de competência constitucional e permitir o bis in idem que, em outras palavras, é o enriquecimento sem causa do sujeito ativo. Se autorizada a exação de forma cumulativa sobre uma única prestação de serviço, além de subverter a espécie tributária, transformando o ISS num imposto sobre contratos, e não sobre o serviço, estar-se-ia legitimando a dupla tributação sobre um único fato.

Os critérios da capacidade contributiva e da proibição de confisco suportam tal conclusão. Afinal, a capacidade econômica do sujeito passivo em recolher tributo resta violada, porque é cobrado o imposto além da hipótese tributária constitucionalmente autorizada. Eventualmente, este bis in idem pode ocasionar o cerceamento da atividade, ou seja, confisco.

Conclui-se, pois, neste tópico, que o ISS não comporta múltipla incidência sobre a mesma atividade, de sorte que, uma vez tributada parte do serviço, seja ele serviço-meio, contrato, ou terceirizado, deve obrigatoriamente tal montante ser excluído da base de cálculo. Isso se aplica inclusive às subempreitadas, inobstante a LC 116/03 não preveja expressamente tal dedução.