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2 A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O DIREITO TRIBUTÁRIO

5.2 SOLUÇÃO PELA APLICAÇÃO DA RAZOABILIDADE, CAPACIDADE

5.2.2 Receitas não decorrentes da prestação do serviço: não inclusão na base

5.2.2.2 Valores já tributados: impossibilidade de múltipla incidência

5.2.2.2.1 Subempreitadas

No que diz respeito às subempreitadas já tributadas, certamente tal valor deve ser deduzido da base de cálculo do serviço de empreitada. De fato, o Dec.Lei 406/68 permitia sua dedução da base de cálculo do serviço de construção civil, pois, neste caso, tal valor estaria na base de incidência da prestação de serviço levada a efeito pela subempreiteira. Sequer haveria necessidade de estar prevista tal

362 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. Hipótese de Imposição do ISS e do ICMS – Hospitais devem pagar ISS apenas sobre os serviços hospitalares e não sobre medicamentos, refeições e honorários médicos já incididos pelo ISS – Parecer. São Paulo: Ed. Jurid Vellenich Ltda., mar/abr 1999. p. 151.

dedução, dado que, constitucionalmente falando, o ISS é um imposto sobre fato (capítulo 3.4.2.3), de forma que obviamente não pode incidir num contrato de subempreitada, mas somente sobre o serviço prestado pela subempreiteira, pelo qual ela deverá recolher o imposto.

A LC 116/03, porém, não previu expressamente tal dedução.363 Mas nem precisaria prever, como nos referiu o eminente tributarista Hugo de Brito Machado:

E mais, entendemos que o valor de qualquer subempreitada deve ser excluído do valor da empreitada a que se vincula, mesmo que não exista disposição expressa a esse respeito, pois não se trata de excluir algo da base de cálculo do imposto, mas de não incluir nesta o que na verdade não pode se incluído.364

Ou seja, a questão não é analisar qual dedução é ou não permitida pela legislação infraconstitucional, mas sim o que pode ser incluído na base de cálculo do ISS à luz dos critérios constitucionais.

A regra de competência constitucional aliada aos demais critérios já seria suficiente para solucionar a questão. Porém, a omissão da LC 116/03 levou o Superior Tribunal de Justiça a uma interpretação rasa,365 pois, sistematicamente, em inúmeros precedentes,366 o Tribunal tem referido que as subempreitadas (meros contratos) se incluem na base de cálculo do ISS (que tem como aspecto material um fato). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça merece revisão. Precisa aplicar os critérios constitucionais, principalmente o aspecto material da hipótese de incidência do imposto e sua relação com a base de incidência. Sob este enfoque, certamente reconheceria que o ISS incide sobre um fato de prestar serviço, ou seja,

363 Na verdade o texto original previa (art. 7º, § 2º, II, da LC 116/03), mas o dispositivo foi vetado pelo Presidente da República. (Mensagem de veto nº 362, de 31 de julho de 2003).

364 MACHADO, Hugo de Brito. Revista Dialética de Direito Tributário nº 108. A Base de Cálculo do ISS e as Subempreitadas. São Paulo: Dialética, setembro 2004. págs. 67/68.

365 TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - MANDADO DE SEGURANÇA - DECADÊNCIA - COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA - CUNHO PREVENTIVO - NÃO-OCORRÊNCIA - ISSQN - BASE DE CÁLCULO - VALOR DE MATERIAIS EMPREGADOS EM OBRA E REFERENTES À SUBEMPREITADAS - SUJEIÇÃO. 1. O mandado de segurança é via adequada à declaração do direito à compensação de tributo. Súmula 213/STJ. 2. Inexiste decadência à impetração se o ato coator expressa relação jurídica sucessiva. 3. Descabido falar em decadência da impetração que veicula pretensão declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária e cujo caráter preventivo é reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas e da 3ª. Seção. 4. Os valores referentes à aquisição de materiais aplicados em obra de construção civil, bem como os alusivos às subempreitadas compõem a base de cálculo do ISSQN. Precedentes. 5. Recurso especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça, Resp. 1.108.515/RS, rel Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 09/06/2009, DJ 25/06/2009).

sobre uma prestação de serviço, não podendo ser tributada uma única atividade de forma múltipla.

Aliás, quanto à subempreitada, merece consideração ainda o fato de haver bis in idem, o que também não é sopesado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (mas deveria ser).

A propósito, Hugo de Brito Machado manifestou-se no artigo referido no sentido de que a sua inclusão na base de cálculo do ISS importa em dupla incidência do ISS sobre o mesmo fato, o que é inadmissível. Efetivamente, como demonstra o eminente tributarista, se permitida a múltipla incidência do ISS sobre um serviço, abre-se possibilidade de dupla tributação:

Assim, se alguém celebrar um contrato em virtude do qual se obriga a prestar um serviço, mas através de outro contrato repassa a outrem esse dever, e o serviço é a final executado por essa outra pessoa, o valor da prestação não pode ser tributado em razão do primeiro contrato. Se há incidência do ISS nesse primeiro contrato por envolver o mesmo outra prestação de serviço além daquela que foi transferida através do outro contrato. Se o serviço é um só não pode duas incidências de imposto.367

José Cassiano Borges e Maria Lúcia Reis demonstram exemplificamente a abusividade da eventual tributação pelo ISS sobre os contratos de subempreitada:

Uma determinada empreiteira é contratada para realizar obra de edificação de um prédio comercial. Na contratação firma-se o contrato global do valor da obra. Na execução dos trabalhos essa empreiteira firma contrato de subempreitada com outra empresa, passando essa a executar parte da obra contratada. Essa subempreiteira, em respeito à lei de regência do ISSQN irá recolher a sua quota-parte correspondente ao serviço realizado e por sua vez a empreiteira irá recolher a parte que lhe cabe. A somatória dos valores pagos pela subempreiteira e pela empreiteira totalizará o ISSQN que seria devido pela realização do serviço (S + S1 = ISS – onde S = Empreiteira e S1 = Subempreiteira). (...)

O contrato jamais pode ser admitido como base de cálculo do ISS, pois o seu fato gerador é a prestação do serviço. (...)

No exemplo acima, imaginemos que o valor do ISS sobre o serviço prestado pelo empreiteiro seja de R$ 100.000,00 e que o subempreiteiro já tenha recolhido o correspondente a R$ 30.000,00. O empreiteiro terá como dever legal recolher aos cofres municipais o valor de R$ 70.000,00, que é a

367 MACHADO, Hugo de Brito. Revista Dialética de Direito Tributário nº 108. A Base de Cálculo do ISS

diferença entre o ISS já recolhido e o ISS global sobre a prestação do serviço.368

Logo, não há como admitir múltipla incidência do ISS sobre uma única prestação de serviço. Se houvesse análise da questão sob este enfoque talvez a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fosse outra. Assim, ousa-se afirmar que o entendimento deve ser revisado.

Por fim, apenas para constar, muitas vezes a legalidade é suficiente para resolver a questão. A Lei Município de Porto alegre, por exemplo, expressamente exclui a subempreitada já tributada da base de cálculo do ISS.369

Portanto, valores atinentes à subempreitadas já tributadas não podem ser incluídos na base de cálculo do ISS relativo ao serviço prestado pela empreiteira.