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CAPÍTULO III RE-CONTANDO A HISTÓRIA DA APEART

3.1 Primeiro Ato: A Gênese do Fenômeno e da Experiência de Educação (1988 –

3.1.1 O fenômeno dos assalariados rurais temporários no Paraná

A origem da atuação da APEART – Associação Projeto Educação do Assalariado Rural Temporário se faz em meio à difícil e contraditória realidade dos assalariados rurais no estado do Paraná. Portadora de muitas bandeiras de lutas, palco de muitas articulações e livro onde muitos sujeitos registraram letras, sonhos e projetos, a APEART, ainda projeto, nasce da preocupação em estar ao lado dos

assalariados rurais, principalmente dos bóias-frias, no sentido de possibilitar sua formação e organização política.

A APEART ainda não existia quando sua principal protagonista, porque não, progenitora, a Comissão Pastoral da Terra do Paraná, no final dos anos 80, provoca o estudo e a discussão em torno da situação dos assalariados rurais no estado do Paraná. Renovando seu compromisso original (desde sua criação no Brasil, em 1975) em se fazer presente na luta dos trabalhadores do e no campo, a CPT, organismo religioso vinculado à CNBB, no final dos anos 80, constata a realidade vivenciada pelos assalariados rurais do Paraná e inicia um processo de articulação focando e buscando compreender este fenômeno, resultado das determinações do capitalismo ofensivo no campo, afirmando a presença sobrevivente do proletário rural.

Articulada às discussões e definições das assembléias nacionais, a CPT-PR, neste mesmo período, redefine sua proposta de atuação estadual, revendo seu papel de mediação entre os trabalhadores do campo e as demais organizações governamentais, não-governamentais e demais movimentos sociais, para uma ação mais direta junto às bases, às comunidades, no sentido de potencializá-los enquanto sujeitos no processo de negociação e conquista dos seus direitos.

a CPT no final da década de 80, ela faz a sua reestruturação na sua ação política, isto é, até o momento ela assumia um papel estritamente de mediação. Os trabalhadores tinham a suas necessidades e a CPT fazia uma mediação junto ao Estado, junto aos organismos [...] a Comissão Pastoral da Terra refez a sua política e tirou o princípio orientador que seria a volta às bases, isto é, a Comissão Pastoral da Terra não faria mais o papel de articulação meramente dos movimentos, ela iria então ir às bases, mobilizar as bases que seria onde os próprios trabalhadores estavam desenvolvendo os seus movimentos e a partir dali, a partir de um convívio que foi denominado ação direta nas bases, a partir das necessidades daqueles grupos que então ela iria proporcionar uma mediação para a organização desses trabalhadores, não com base nos princípios da instituição que era a Comissão Pastoral da Terra, mas com base nas necessidades e nas demandas de forma que os próprios trabalhadores pudessem ter a suas necessidades e as suas formas de encaminhamento contempladas e viabilizadas. [...] de forma que os agentes da CPT não fossem estritamente um que iria direcionar, conduzir as ações dos trabalhadores, mas uma pessoa que seria meramente um suporte para que eles mesmos fossem sujeitos de suas ações (J.P.L31

.)

31 Joaquim Pacheco de Lima (J.P.L.) é sócio-fundador e assessor pedagógico da APEART, ex-seminarista, desenvolveu trabalhos junto às comunidades eclesiais de base (CEBs) e pastoral da juventude na arquidiocese, assumindo a coordenação regional da CPT-PR (região norte do Paraná ) no período de 1984 à 1994. Atualmente

Buscando mergulhar na realidade do campo com um novo olhar e com novas estratégias, no início da década de 90, a CPT-PR identifica regionalmente suas prioridades, remapeando assim o estado do Paraná em programas que contemplarão ações e resultados diretamente vinculados a um segmento específico, sejam os assalariados rurais temporários, os agricultores familiares, as populações atingidas por barragens, os posseiros, dentre outros, contando com uma equipe de agentes de pastoral remunerados (ou "liberados") ou militantes, assessores e um(a) coordenador(a) regional.

Com essa avaliação então a CPT tenta redimensionar os seus passos, retomar o seu trabalho, mas voltado aos trabalhadores. E cada agente então deveria fazer nesse período que tinha o papel dos agentes liberados, eles deveriam eleger uma experiência, um espaço para dali beber, dali e sentir o que poderia a partir desse local, recolocar a CPT no debate, na base. (J.P.L.)

Na região norte do Paraná, a prioridade definida pela CPT-PR foi a atuação junto aos trabalhadores assalariados rurais temporários através do Programa do Assalariado Rural (PAR), impulsionado e coordenado a partir deste período pelo agente de pastoral Joaquim Pacheco de Lima, o Pio, dentre outras pessoas as quais foram progressivamente constituindo a equipe regional.

Os assalariados rurais temporários, também chamados de: bóias- frias, paus-de-arara, avulsos, pilões, trabalhadores volantes, birolos, clandestinos, catingueiros, changueiros, com outras denominações variando de região para região, representavam neste período, no estado do Paraná, um contingente de cerca de aproximadamente 300 mil trabalhadores. Seu intenso aparecimento, constituindo- se já num fenômeno, está vinculado a múltiplas determinações históricas tendo como a principal, o avanço do capitalismo no campo. Nakagawara (1986) caracteriza esse processo apresentando as grandes transformações agrárias ocorridas no Paraná a partir da década de 60, citando entre elas:

• a depredação contínua e indiscriminada dos recursos naturais;

• o esgotamento das terras virgens e/ou cultiváveis;

• as intensas geadas de 1953 e 1955;

• a gradativa mudança no uso do solo;

• a erradicação de cafeeiros, financiada pelo governo, de 1962 a 1963;

• a implantação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963;

• a intensa mecanização e uso de insumos modernos;

• o aumento da produção de soja (de cerca de 20.000 toneladas em 1963, atingiu 4.500.000 toneladas em 1976);

• o aumento da área de pastagens (de 1.060.497 hectares em 1961, para 2.369.590 hectares em 1971);

• o aumento dos trabalhadores temporários.

Neste contexto é que a presença dos trabalhadores assalariados rurais temporários no estado do Paraná (principalmente nas regiões norte e noroeste) vai constituindo-se num fenômeno social, bem como uma questão social, a ser compreendida, caracterizada e acompanhada. Podemos encontrar vários estudos sobre esta população no Brasil, apresentando tipologias e conceitos sobre este trabalhador em seus aspectos demográficos, culturais, sociais, políticos, econômicos, sua relação com a terra, com o trabalho, sua condição rururbana, sazonal, dentre outros, num acúmulo teórico que está intimamente vinculado com as questões da estrutura agrária no país, com a profunda desigualdade de renda, com a inserção ofensiva do capitalismo no campo, constituindo-se estas como causas evidentes do desenfreado êxodo rural e do desequilibrado inchaço das grandes cidades, nas décadas de 70 e 80 neste país. (D'INCAO, 1975; IANNI, 1979; GRAZIANO NETO, 1982; BROIETTI, 1999)

Constata-se que as principais dificuldades evidenciadas pelos assalariados rurais temporários enquanto categoria – além das precárias condições

de vida como: moradia irregular, na maioria dos casos32

, em barracos de lona, plástico e/ou madeiras em favelas e assentamentos urbanos das grandes e médias cidades (Londrina, Maringá, Umuarama), alimentação deficitária, alto índice de violência nos locais onde residem, analfabetismo da população adulta e evasão escolar das crianças e adolescentes – referem-se às condições de trabalho como: baixa remuneração (com variáveis próprias à região e/ou à cultura agrícola que buscarão trabalhar), constantes acidentes de trabalho, precárias condições de trajeto (neste período realizado em carroceria de caminhões sem utilização de toldos) aumentando os riscos de mortes, trabalho escravo em outros estados brasileiros, ausência de oportunidades e alternativas de trabalho e renda nos períodos de entre-safra agrícola, trabalho precoce das crianças e adolescentes que passam a aumentar a renda familiar, a informalidade nas relações de trabalho caracterizada pela falta de registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (indefinindo piso salarial e não garantindo benefícios futuros no sistema previdenciário), baixo nível de escolaridade, ausência política do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e organização política inconsistente enquanto categoria assalariada, explicitando as represálias sofridas pelos fiscais das usinas canavieiras e pelos “gatos”33 quando do surgimento de uma liderança ou nos momentos de

negociação coletiva. Este quadro de realidade pode ser melhor apreendido com o relato dos entrevistados.

o que era mais gritante a nível de estado, vários acidentes ocorreram na região de Santa Fé, e também não sei precisar mas, mais de 30 trabalhadores ficaram feridos, tiveram 3 mortes, foram a partir daí também, é que estouraram greves na região e a CPT então começa a acompanhar essas questões. Esse acidente também que foi o indicador, pra nós mais localmente, também tivemos outro acidente feio aqui na região de Janiópolis, 2 morreram e aqui em Tamarana. (D.L.F.34

)

No período de 91, houve todo um período de recessão econômica, houve também um período de seca e de ausência de trabalho e com isso a

32 Não encontramos estatísticas referentes aos dados de moradia destes trabalhadores neste período. 33 Segundo D’INCAO, “o ‘gato’ é um elemento de confiança do proprietário ou empresário da terra, que ganha, via de regra, apenas para arregimentar e fiscalizar o trabalho do volante. [...] Aproveita então, a grande disponibilidade de mão-de-obra, para cobrar uma taxa a mais de cada elemento que leva para trabalhar. Por esta razão, sobretudo, a figura do ‘gato’ é mal vista pelos bóias -frias” (D’INCAO, 1981)

34 Dirceu Luíz Fumagalli é membro da diretoria executiva da APEART sendo atualmente seu vice-presidente. É padre, filho de agricultores, já assessorou as pastorais: da juventude, universitária, operária, sendo atualmente assessor da CPT-PR. É sócio-fundador da APEART, sendo seu presidente no período de 1995-1996 e 1997- 1998, e membro da assessoria tecnico-política no período de 1999-2000. Foi representante da APEART na Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos no período de 1996-1997. É mestrando em liturgia, atualmente dividindo residência em Londrina (onde é pároco numa comunidade da periferia urbana) e em São Paulo, onde é gerente financeiro na Secretaria Nacional de Formação da CUT. Entrevista realizada em 28/01/2002.

população exigia frentes de trabalho. Havia muita fome e organizou-se então um movimento forte para exigir que o Governo cedesse frentes de trabalho, mas o Governo não negociou. (J.P.L.35)

Diante da realidade de trabalho e de vida a que são submetidos, observaremos a reação dos trabalhadores assalariados rurais temporários, através de inúmeras greves e demais manifestações coletivas, principalmente no final da década de 80, nas regiões norte e noroeste do Paraná.

O contexto na década de 90 que é com a Constituição Federal de 88, houve toda uma divulgação dos direitos dos trabalhadores e esses direitos dos trabalhadores fez com que os assalariados rurais percebessem que eles também tinham direito e isso impulsionou no norte do Paraná um conjunto de ações dos bóias-frias requerendo seus direitos e por isso houve uma mobilização social grande nesse sentido de greves, várias greves e a Comissão Pastoral da Terra com seus militantes esteve sempre presente, conduzindo, orientando esse processo de greve [...] os trabalhadores começaram a exigir outros direitos, direitos trabalhistas na medida do corte da cana, etc, porque houve nesse momento uma divulgação sobre os trabalhadores no corte da cana de São Paulo. Eles, em um momento específico que estavam aqui como há um processo migratório e em São Paulo percebiam que o que estavam recebendo aqui era diferente do que recebiam em São Paulo, porque em São Paulo havia uma organização sindical melhor dos assalariados rurais, havia uma federação específica de assalariado rural e aí então essa divulgação de informações entre os assalariados, fez com que eles pleiteassem os seus direitos e aí foi desenvolvida toda uma ação culminando na necessidade de organizar sindicatos de assalariados rurais. (J.P.L.)

3.1.2 A INSERÇÃO DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DO PARANÁ