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3 O SISTEMA DAS TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS NO

3.2 As funções das transferências intergovernamentais

3.2.3 O incentivo ao accountability e à responsabilidade fiscal

Algumas transferências intergovernamentais do sistema também podem incentivar o accountability e /ou a responsabilidade fiscal dos entes receptores.

O termo accountability surge a partir da segunda metade da década de 1980 nos países anglo-saxões, quando os mesmos passam a buscar mecanismos que promovam a responsabilidade e a eficiência na gestão pública financeira, dando ênfase ao planejamento, ao controle e à transparência.

Há definições variadas a respeito do termo accountability na literatura brasileira. Cada autor brasileiro define o termo destacando alguns aspectos específicos. Assim, alguns definem como o “dever de prestar contas”, em que todo aquele que use, guarde e administre dinheiro público passa a ter o dever de prestar contas sobre o mesmo; outros como “o dever de eficiência ou da economicidade”, ao assegurar uma gestão financeira e orçamentária que busque o menor custo e o máximo de benefícios; há também quem identifique com o “dever de transparência”, ao exigir que a gestão pública seja acessível, mediante instrumentos de transparência fiscal à sociedade para que a mesma possa realizar o seu controle, tendo em vista o interesse público. A doutrina também enfatiza, ainda, a necessidade de assegurar o aspecto democrático na gestão pública, criando instrumentos para facilitar a participação direta da sociedade nas decisões políticas importantes do Estado, a exemplo do orçamento participativo (PASCOAL, 2006, p. 8).

Logo, o termo accountability se assemelha muito ao movimento de responsabilidade fiscal do Estado, pois as definições na doutrina pátria destacam alguns dos aspectos estabelecidos no conceito de responsabilidade fiscal, quais sejam: planejamento, transparência, prestação de contas, controle e/ou sanção da gestão pública.

A responsabilidade fiscal, segundo Mileski (2003), é uma função inerente ao Administrador Público, que está assentada em adotar instrumentos e princípios norteadores a uma gestão fiscal pública responsável, sendo pautada em quatro pilares básicos: planejamento, transparência, controle e sanção; a qual pode ser incentivada mediante o instrumento transferência intergovernamental.

Mileski (2003, p. 62-153) dispõe que a responsabilidade fiscal é uma preocupação recente no âmbito das finanças públicas, sendo três fatores mundiais marcantes para influenciar o Brasil na tomada de mediadas em prol da responsabilidade fiscal do Estado, quais sejam: (i) Tratado de Masstricht e alguns protocolos, os quais adotaram padrões e instrumentos de ajustes fiscais, limites de déficit e dívida; (ii) O ato editado pelo Congresso dos Estados Unidos da América,

Budget Enforcement Act, que estabeleceu metas fiscais plurianuais e limites de

gastos orçamentários por função (se obrigatórias ou discricionárias); e (iii) O ato editado na Nova Zelândia, Fiscal Responsability Act, o que deu ênfase ao aspecto

do controle social e da transparência da gestão fiscal, além de estipular metas fiscais.

Já no Brasil, por volta da década de 90, diante da crise fiscal por consequência da inflação, foi editado um Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, o qual estipulava medidas de superação da crise, obtendo aspectos em prol de uma gestão responsável, determinando o ajuste fiscal juntamente com reformas econômicas, assim, logo após foi implementado um Programa de Estabilidade Fiscal que resultou em um projeto de Lei Complementar (LC n. 18, de 13.04.1999) que previa medidas de gestão fiscal responsável, o qual depois de longo debate no Congresso Nacional foi realizado um projeto substitutivo, com normas de transparências, de controle ede limites de gastos, inclusive, de participação e controle social, de limites para renúncia de receitas, de equilíbrio orçamentário, de esforço fiscal etc., que resultou na LC n. 101, de 04.05.2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

Cosio, Mendes e Miranda (2008, p. 11), com base em Seabright (1996), defende que o accountability é assegurado em um país quando a sociedade possui instrumentos para controle da gestão pública, desse modo, tais autores diferenciaram accountability da responsabilidade fiscal, pois restringiu a definição do conceito do primeiro à participação e ao atendimento das demandas da população pelo governo, ou seja, mais forte o accountability de um país quanto mais forem atendidas as prioridades dos eleitores de determinado país, em que a população exerça de fato o controle sobre os seus governantes. Já a responsabilidade fiscal seria assegurada em um Estado quando o mesmo passa a adotar atitudes fiscais responsáveis, a exemplo, de exercer amplamente a sua competência tributária, ampliando sua arrecadação tributária ou utilizando de forma eficiente os seus recursos.

Assim, as transferências intergovernamentais do sistema brasileiro podem incentivar ou reduzir a atitude de atendimento das demandas sociais. Por exemplo, as transferências voluntárias com contrapartida financeira, em regra, ocorrem para complementar uma política social específica, a exemplo da educação, estas como exigem uma contribuição financeira do ente político receptor, geralmente, promove uma aplicação da receita transferida de acordo com o interesse público e de forma mais responsável, diante das exigências para continuar recebendo a transferência que não é obrigatória, mas voluntária, fruto de um acordo entre os entes federativos.

Desse modo, são exemplos de tipo de transferências que podem incentivar o

accountability e a responsabilidade fiscal dos entes federativos receptores.

No entanto, cumpre deixar claro que as transferências intergovernamentais podem ser instrumentos que promovam o accountability e/ou a responsabilidade fiscal (conforme a corrente teórica), mas, por outro lado, podem gerar efeitos negativos com base em outro aspecto essencial do sistema. Conforme o exemplo descrito acima, as transferências voluntárias com contrapartida podem incentivar o

accountability e/ou a responsabilidade fiscal, mas são mais sujeitas à “barganha

política”, ou seja, pode haver maior interferência política na realização dos acordos (convênios, contratos ou termos de adesão) entre as entidades federativas ou esferas governamentais, conforme o partido político. Logo, um tipo de transferência pode promover o accountability ou a responsabilidade fiscal, entretanto, pode não colaborar com a autonomia política.

O inverso também pode ser verdadeiro, como o caso das transferências legais, obrigatórias e livres, ou seja, receitas transferidas repassadas continuamente pelo ente federativo por haver previsão na Constituição ou na lei e que não possui condições ou restrições para aplicação da receita localmente. Estas receitas transferidas, em regra, fortalecem a autonomia política das entidades federativas receptoras, visto que proporcionam aos entes subnacionais pleno poder político para decidir sobre a aplicação da receita e, por conseguinte, realizar o gasto social; por outro lado, estas transferências podem levar a uma aplicação inadequada da receita na perspectiva das prioridades da população local, reduzindo o aspecto do

accountability, bem como pode gerar uma comodidade financeira, diante do repasse

obrigatório e automático da receita transferida, e ocasionar uma redução do esforço fiscal, ou seja, pode diminuir a vontade política do ente federativo em aumentar a sua arrecadação tributária, não adotando medidas para exercer amplamente a sua competência tributária ou para tornar eficiente a fiscalização e a cobrança dos tributos, ou seja, reduzindo os aspectos da responsabilidade fiscal e da melhoria do sistema tributário.