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TIPO TEXTUAL OU GÊNERO TEXTUAL: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO DE

Diante da constatação de que a língua é uma ação social, interativa e dialógica, tal como temos advertido ao longo das discussões empreendidas no capítulo, é possível afirmar que há impossibilidade de um único modelo de texto ser capaz de atender às diferentes situações comunicativas que os sujeitos lidam ao longo de suas vidas. Isso decorre do fato de que, para cada situação interativa, um determinado formato de texto vai se configurando. Em outras palavras, há uma variedade de textos, moldada pela situação comunicativa. Diante desta afirmação, a crítica que tem sido feita à redação escolar é o fato de seu ensino ser pautado em um único modelo de texto. Diante deste cenário, partimos da afirmação de que tal problemática emerge do fato de a escrita no contexto escolar estar atrelada ao conceito de tipologia textual e não ao de gênero textual, o que estaria relacionado à concepção de língua adotada.

Partindo dessas considerações, a distinção clara dos conceitos de gênero textual e tipo textual, de acordo com Mendes (2008), é um fator preponderante para

que o trabalho com o texto em sala de aula ocorra de forma coerente. Como expõe a autora (2008, p. 174),

[...] a questão crucial, no entanto, é estabelecer a distinção entre os significados de gênero textual e tipo textual, principalmente pelo emaranhado de definições e confusões terminológicas que cercam os termos na literatura sobre o tema.

Mendes (2008) adverte, ainda, que seria necessário compreender o significado desses conceitos devido à forma como o ensino da escrita tem sido tratado nas escolas, pautado na perspectiva tipológica em detrimento dos gêneros textuais, na contramão do que propõem as pesquisas atuais sobre a questão.

Nesse sentido, o claro entendimento dos conceitos de gênero textual e tipo textual são vistos como sendo importantes para a condução do ensino da escrita na escola com vistas às exigências do mundo contemporâneo, no qual o aluno deve ser capaz de transitar por diversificadas instâncias discursivas. Entretanto, o entendimento equivocado dos conceitos de gêneros textuais e tipos textuais tem licenciado práticas de escrita em sala de aula que não concebem o texto como uma atividade social, haja vista ocorrer o ensino sob a perspectiva tipológica. No entanto, no momento em que os conceitos, tanto de gênero textual, quanto de tipo textual, forem utilizados seguindo as recentes orientações, estes podem se constituir como sendo aliados na sala de aula. Brait (2000, p. 16), por exemplo, afirma que “[...] os conceitos de gêneros discursivos e tipologias textuais, feitas as devidas diferenças e observando o diálogo constitutivo que os une, contribuem para um trabalho efetivo com a língua”.

Nesse sentido, Oliveira (2010) define tipo textual como sendo os aspectos gramaticais e lexicais subjacentes aos textos. São sequências linguísticas conhecidas como: argumentação, injunção, descrição, narração e exposição. Já os gêneros textuais são textos empíricos que circulam socialmente, tais textos são materializados em situações comunicativas recorrentes. Partindo desses conceitos, podemos visualizar que as práticas de leitura e escrita são baseadas em uma classificação tipológica tradicional, representada pela narração, descrição e

dissertação, sem incorporação da noção de gênero textual como instrumento de

análise e valorização da capacidade humana de interagir através da linguagem (MENDES, 2008). Por esse motivo, a “[...] noção de texto na escola tem sido

reduzida à estrutura linguística, e não vista, como seria desejável, como resultado da ação humana de produzir sentidos através da linguagem” (MENDES, 2008, p. 171).

Assim, o que é visto como um texto não passa de uma sequência tipológica que dá forma ao texto, tal como tem argumentado Marcuschi (2008), ao tratar das diferenças entre tipo textual e gênero textual. Nesse sentido, o fato de o aluno produzir dissertações não o tornaria apto a lidar com diferentes situações de uso da linguagem.

Marcuschi (2008) exemplifica, através da carta pessoal, a diferença existente entre gênero textual e tipo textual. Para este autor, a carta é um gênero textual composto de uma série de sequências tipológicas – narração, descrição e argumentação – embora o que caracteriza este gênero seja o padrão narrativo. Nesta mesma linha, temos outros gêneros textuais, como artigo de opinião, carta ao leitor, crônica e assim por diante. Todos estes gêneros textuais, a depender da forma como forem elaborados, poderão apresentar sequências tipológicas diferenciadas, mas em todos os casos uma determinada sequência tipológica irá se sobressair. A depender do gênero estudado, o grau de argumentação poderá ser maior ou menor, por exemplo.

Diante das questões apresentadas, a redação, texto típico do ambiente escolar, tem sido alvo de constantes críticas por não estar pautada na noção de gêneros textuais, mas sim, da tipologia textual, haja vista que os alunos são sempre orientados a produzir dissertações.

Partindo dessas considerações. Beth Marcuschi (2005, p. 143) afirma que

[...] historicamente, a redação tem sido requerida do aluno sem um planejamento adequado, como tão bem já o demonstraram Geraldi (1995); Possenti (1994); Koch (1997), Soares (1999), entre outros. Foi o que também pudemos constatar em entrevistas realizadas com trinta e três professores de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental (quinta a oitava série), em 2002. Solicitados a indicar os critérios por eles utilizados na organização do trabalho com o texto, grande parte destacou, em primeiro lugar, a seleção e o tratamento de temas como o aspecto predominante na definição do currículo abordado na aula de redação. Em segundo lugar, a maioria dos docentes mencionou o trabalho com os tipos textuais (BETH MASCUSCHI, 2005, p. 143).

Como fica evidenciado a partir da citação de Beth Marcuschi (2005), o trabalho com o texto sob a perspectiva da tipologia textual ainda é uma recorrência

na prática docente. Acrescentamos, ainda, que, no cenário educacional, ocorre o predomínio de um gênero escolar, cuja tipologia dominante é a exposição, e não a argumentação, como seria de se esperar.

Entretanto, é preciso que sejam levadas em consideração tanto as condições histórico-culturais que determinam os processos de produção, circulação e compreensão do discurso, como o jogo interlocutivo e o intuito discursivo do sujeito (BRASIL, 2000), em outras palavras, a função que determinado texto exerce na sociedade. Assim, apesar de ser importante a forma do texto para o reconhecimento do gênero textual, esta não pode ser tomada de forma individual, haja vista ser a função deste determinante para o reconhecimento do gênero textual. Marcuschi (2008, p. 150), por exemplo, afirma que “[...] os gêneros têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma”. Partindo desse pressuposto, é possível compreender que o ensino da escrita privilegiando a forma é tido como uma prática incoerente, uma vez que a classificação do gênero se dá por sua função no contexto social. O artigo de opinião, por exemplo, pode vir na forma de receita e continuar sendo um artigo de opinião.

A prática de ensino de produção textual sob a perspectiva tipológica, e não de gêneros como tem sido argumentado por pesquisadores da área dos Estudos da Linguagem e da Linguística Aplicada, tem feito com que as práticas textuais difundidas nas escolas não sejam o reflexo dos textos que circulam na sociedade. Por esse motivo, tem sido recorrente a reprodução de modelos uniformes, os quais não refletem a língua em uso. Tal como tem advertido Mendes (2008, p. 178), as práticas textuais difundidas nas escolas resumem-se à

[...] elaboração de modelos enrijecidos de textos, cuja estrutura composicional, modo de organização do conteúdo e estilo repetem- se, independentemente da especificidade do contexto da produção ou de sua função sócio-comunicativa.

Essa prática de ensino anula a escrita como sendo uma prática social e que atende a determinada função, por conseguinte demanda tipos de textos diferentes, consoante a necessidade comunicativa.

Schneuwly e Dolz, (1999, p. 6) fazendo uso das palavras de Bronckart (1996), afirmam que as atividades de linguagem

[...] podem ser decompostas em ações, ou estruturas de comportamento não diretamente articuladas aos motivos, mas orientadas por objetivos intermediários que advém da vontade consciente e que implicam uma representação de seu efeito no âmbito da cooperação e da interação sociais. É o julgamento social que delimita as ações. Neste sentido, a atividade pode ser definida como um sistema de ações.

Podemos vislumbrar através da citação trazida por Schneuwly e Dolz (1999) a questão funcional da linguagem, visto que toda atividade linguística tem subjacente uma função, por meio da qual o texto ganhará forma. Mais adiante, Schneuwly e Dolz (1999, p. 6) afirmam que

[...] toda ação de linguagem implica, por outro lado, diversas capacidades da parte do sujeito: adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidade de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidade linguístico- discursivas).

Da citação de Schneuwly e Dolz (1999) depreendemos três questões que devem ser consideradas no momento de elaboração do texto, as quais vão de encontro à construção textual pautada na perspectiva tipológica, a saber: adequação do texto às características do contexto, domínio das operações psicolinguísticas, bem como das unidades, e a mobilização de modelos recorrentes disponíveis ao sujeito.

Bonini (1998, p. 6), ao tratar de questões referentes ao ensino de produção escrita nas escolas, afirma ser um dos resultados emergentes desta prática de ensino sustentada na tipologia o fato de que ”[...] o estudante passa a caracterizar a sequência como gênero, dentro do seu contexto de produção, a escola” Dessa forma, os textos são tratados fora de um contexto social de produção da linguagem, vistos como fórmulas imutáveis. Por conseguinte, os aprendizes não trabalham com os diferentes textos que circulam socialmente, estudando somente o texto institucionalizado pela escola. Como expõe Mendes (2012, p. 100 - 101),

[...] de modo geral, esses alunos trazem experiências de escolarização cujas práticas de leitura e de escrita resumiam-se às institucionalizadas pela escola, as quais, via de regra, não os preparam para fazer uso da linguagem de modo competente e diversificado, nos diferentes contextos e situações sócio-discursivas

[...] ler e escrever na escola têm sido sempre atividades mecânicas, sem qualquer significados para os estudantes; atividades que são realizadas sem que eles percebam o seu propósito ou significado na vida cotidiana deles.

As palavras de Mendes (2012) exemplificam como a escrita é tratada em nossas escolas e demonstram também que não há o trabalho a partir da inserção de diferentes textos, pois ainda ocorre a eleição de um único modelo, sendo que este não permite a atuação crítica do indivíduo. Ao lidarem com o texto em situações comunicativas reais, os alunos se dão conta de que o modelo aprendido na escola, além de artificial, está restrito a esta realidade. Assim sendo, ainda não ocorre em nossas escolas o trabalho sob a perspectiva do gênero textual, pois só há repetição de um único modelo, a dissertação escolar.

Na seção 2.2, ao analisarmos os PCN, observamos que no próprio documento há uma crítica à eleição de um único modelo como sendo suficiente para a aprendizagem no contexto escolar, sendo recomendado o uso de diferentes gêneros.

Conforme as orientações presentes neste documento,

[...] o aluno deve ser considerado como produtor de textos, aquele que pode ser entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem é visto como um texto que constrói textos (BRASIL, 2000, p. 18).

Assim, faz-se necessário que seja incorporada na sala de aula a defesa pelo uso do texto, em vistas ao desenvolvimento da competência crítica do aluno.

Como defende Mendes (2008, p. 59), o aluno deve ser capaz de “[...] desenvolver competências para ser e agir em sua própria língua, de modo crítico, autônomo e criativo, em diferentes contextos de comunicação e interação”, em outras palavras, possibilitar ao aluno o trânsito em diferentes esferas discursivas, pois é através da linguagem que o indivíduo atua e interage socialmente. Através das palavras de Bakhtin (2002 apud Mendes, 2008. p. 69), é possível compreender que qualquer método de ensino de línguas deve sempre familiarizar o aprendiz com as suas formas em contextos reais de uso. Daí a importância da concepção de língua como um elemento norteador das ações em sala de aula.

Conforme tem defendido Geraldi (2013), é imprescindível que a produção textual dos alunos desenvolvidas no contexto escolar tenha um interlocutor ativo. Entretanto, o que observamos em nosso cenário educacional é a total ausência de um interlocutor a quem o estudante possa dirigir a sua voz. O que verificamos é a produção de um texto que só serve como instrumento de avaliação. Dessa forma, devido à ausência de interlocutor e de um contexto real de circulação, as escritas realizadas neste âmbito se mostram artificiais, pois são limitadas ao propósito de avaliação. Apesar de sabermos que nem sempre é possível no contexto da sala de aula que haja um interlocutor ativo para as produções textuais dos alunos, é possível propor atividades em que o aluno exponha o seu posicionamento para toda a turma, a exemplo de debates em sala de aula, compartilhamento de artigos de opinião, dentre outros. Nessas situações, a atividade continuará sendo avaliada, mas não será o propósito final.

Tendo como referência a concepção de língua interacionista, Geraldi (2013) afirma que todo e qualquer texto produzido deve ter subjacente determinada função, pois tudo que se escreve deve possuir uma intencionalidade, atendendo, portanto, a um propósito comunicativo. Diante da consideração de que toda atividade verbal se dá por meio de textos, Geraldi (2013, p. 137) elenca alguns critérios, os quais devem servir de norte para o professor no momento de conduzir as aulas de produção textual. Em suas palavras, ao escrever um texto é preciso que:

1 se tenha o que dizer;

2 se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer; 3 se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;

4 o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que diz para quem diz (ou, na imagem wittgensteiniana, seja um jogador no jogo); 5 se escolham as estratégias para realizar (a), (b), (c) e (d).

As questões propostas por Geraldi (2013) são cruciais por determinarem qual gênero será produzido e a predominância do tipo textual. Assim sendo, estas decisões estão estritamente relacionadas ao objetivo da comunicação. Notamos, portanto, que a redação produzida na escola não atende aos propósitos sinalizados por Geraldi (2013), visto que a função social do texto é anulada, pois é um texto que só circula no ambiente escolar e o professor que lê o texto não exerce a função de interlocutor, nos termos propostos por Geraldi, pois não há diálogo entre o aluno e o professor, tampouco com outros leitores, haja vista que nem mesmo os colegas de

classe participam do processo de interação. Assim, a escrita cumpre apenas com a função de o aluno exercitar a escrita.

Após discutirmos as diferenças entre gêneros textuais e tipos textuais e as implicações de seus conceitos para o ensino de língua materna, abordaremos na próxima seção as principais características dos gêneros textuais, apontando os benefícios dessa teoria para o ensino de escrita.