• Nenhum resultado encontrado

O lugar de origem como contexto inicial da formação e constituição de

3.1 O QUE AS PARTÍCIPES DIZEM SOBRE SI

3.1.1 O lugar de origem como contexto inicial da formação e constituição de

Em nossos relatos, foi possível encontrar várias histórias que foram tecendo o nosso ser social e individual. Identificamos logo de início uma gênese, ou seja, uma história de vida em que falamos das pessoas e dos lugares que nos deram origem. Damo-nos a conhecer o mundo enunciando: primeiramente, o lugar onde nascemos e ocupamos na genealogia familiar – “Nasci na pequena comunidade Torrões, zona rural a 04 (quatro) quilômetros da sede do município de Pau dos Ferros/Rio Grande do Norte, onde moro até hoje junto com meus pais, sendo a 5a (quinta) filha do casal” (professora Rita) –; quem foram os nossos progenitores – “Minha mãe alfabetizada, mas sempre exerceu a função de doméstica, ajudava meu pai na colheita de legumes no período do inverno” (professora Alice) –; os traços que herdamos de cada um – “Do meu pai herdei a capacidade de dialogar, a perseverança e a coragem de lutar, sempre. Da minha mãe, a lealdade, a solidariedade e a capacidade de me indignar com as injustiças” (professora Débora). Identificamos, pois, um universo de vozes que nos ajudam a compreender que o eu só existe em uma relação com o outro e, nesse sentido, “os

processos cognitivos provenientes de livros e do discurso dos outros e os que se desenvolvem em minha mente pertencem à mesma esfera da realidade” (BAKHTIN, 2002, p. 58), isto é, “o indivíduo enquanto detentor dos conteúdos de sua consciência, [...] enquanto personalidade responsável por seus pensamentos e por seus desejos, apresenta-se como um fenômeno puramente socioideológico”. (BAKHTIN, 2002, p. 58). Nesse sentido, nossa individualidade é, por consequência, forjada nessas relações sociais.

Nesse entrelaçar do eu com o outro no mundo, identificamos ainda uma história que fala das vivências na infância. Trata-se de um contexto que não nos é ignorado, porque é constitutivo da nossa cultura e da nossa identidade. As lembranças da infância circunscrevem-se em um tempo com suas características próprias. Seja através das brincadeiras, seja das relações com o ambiente natural e social, cada um revela o sentido da infância, a partir do que vivenciou:

Vivi toda minha infância nos referidos Sítios, juntamente com meus 5 irmãos, não tínhamos acesso aos melhores brinquedos, mas não reclamávamos, porque sabíamos que nossos pais não tinham condições, mas éramos felizes, tínhamos liberdade de correr, tomar banhos de açude, fazer guisados embaixo das árvores, brincar de casinha com as simples bonecas de pano, de sabugo de milho e outras, assim passávamos os domingos brincando junto com os colegas da localidade. (Dizeres do Memorial de Alice).

Tive uma infância alegre, uma educação restritiva, na família e na escola, onde a criança não tinha muito espaço para se expressar, acho que essa educação, de certa maneira, trouxe uma “certa dureza” e reserva ao meu modo de ser [...]. (Dizeres do Memorial de Débora).

Compreendemos que nesses dizeres há toda uma expressão de sentimentos, valores construídos por cada um a partir desses contextos, que se constituem em espaços de aprendizagem pelo potencial valor educativo que deles emanam. A esse respeito, Dominicé (1988) já apontava que nos construímos a partir desse material relacional familiar, que de alguma maneira pode influenciar o nosso modo de ser no mundo e na profissão. Encontramos em Tardif (2002) também o reconhecimento dessas vivências familiares como uma fonte de influência não só na escolha da profissão, mas também na orientação das práticas pedagógicas atuais dos professores.

Além dos valores morais e éticos aprendidos nesse contexto da socialização primária, observamos que nessas relações circula um saber

intergeracional (LANI-BAYLE, 2008), na medida em que percebemos que as raízes da educação – como valor cultural, social e mesmo de ascensão econômica – foram demonstradas a partir do comprometimento dos pais para com a educação dos filhos. Isso se expressa quando as partícipes mencionam: “Meus pais, agricultores alfabetizados, pessoas fortes e corajosas que enfrentaram baixos e altos em suas existências, mas sempre se preocuparam com a educação dos filhos, colocando na escola” (professora Rita); “Não tive tudo, mas não me faltou o suficiente para ter como herança – o que dizia o meu pai – o estudo” (professora Débora); “E, portanto, sendo o meu pai analfabeto teve poucas oportunidades, mas sempre nos deu o necessário [...]” (professora Alice). Nesse sentido, observamos que os pais foram pessoas fundamentais para a construção de uma base sólida a partir da qual nos construímos e nos desenvolvemos.

Por fim, esses aspectos observados nos levam a entender que os saberes da trajetória familiar não se constituem apenas em um “auto-informe- confissão” (BAKHTIN, 2003), há um outro que dialoga conosco, e, como diz Bakhtin (2003, p. 140), “em nossas lembranças habituais do nosso passado, o frequentemente ativo é esse outro, em cujos tons axiológicos recordamos a nós mesmos (nas lembranças da infância é a mãe encarnada em nós)”. Assim, ao trazermos elementos como pessoas e contextos significativos, essas formas de “percepção axiológica dos outros se transferem para mim onde sou solidário com eles”. (BAKHTIN, 2003, p. 141). Enfim, nesse contexto, os saberes da trajetória familiar podem ser compreendidos enquanto uma relação com os saberes que expressam uma forma de conscientização, uma relação dialógica, axiológica, em que acontecimentos, lugares e pessoas significativas relacionados às experiências familiares vão constituindo o eu para mim e o eu para o outro.

Na continuidade da leitura dos relatos, percebemos, ainda, enunciações sobre a escola, os professores e os métodos de ensino nos primeiros anos de escola que nos aproximam dos sentidos e significados construídos pelas professoras partícipes sobre o modo de ser e agir docente ao longo do desenvolvimento pessoal e profissional. As reflexões sobre esses aspectos serão desenvolvidas nos itens seguintes.

3.1.2 As imagens sobre a escola, os professores e os métodos de ensino no