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O reconhecimento das peculiaridades dos fenômenos sociais e educativos, isto é, de que esses fenômenos têm em sua natureza o caráter do

inacabamento dado o seu processo histórico de constituição e compreensão, revelando sua dimensão criativa e autoformadora e abertura à mudança intencional (GOMÉZ, 2000), permitiu o avanço das teorias e dos modelos investigativos no campo educacional. Nesse processo, as pesquisas nesse campo, especialmente sobre a prática docente, vêm procurando superar os enfoques metodológicos do tipo processo-produto predominantes até a década de 1960, de modo que outros paradigmas de pesquisa inspirados, principalmente, na etnometodologia e nas ciências cognitivas têm fundamentado as pesquisas sobre o ensino na atualidade.

Nesse contexto, a pesquisa colaborativa indica a necessidade de imprimir ao fenômeno educativo uma dimensão política e emancipatória e de buscar superar o distanciamento entre teoria e prática, entre os práticos e investigadores. Desse modo, a colaboração vem se firmando como uma importante metodologia de trabalho, investigação e formação da prática docente. Estudiosos de várias nacionalidades vêm adotando essa perspectiva, tais como: Desgagné (1998, 2007); Caetano (2003); Boavida e Ponte (2002); Veiga et al. (2009); Magalhães (2004, 2007); Ibiapina (2005a, 2005b, 2008); Fidalgo e Shimoura (2007); Ferreira (2005) e Ferreira (2007).

Apesar de ser consenso a necessidade de se adotar um novo paradigma investigativo para os fenômenos educativos, especialmente quanto aos problemas relacionados à prática e à formação docente, não há concordância sobre o que se entende por colaboração, por isso, é preciso considerar diversas perspectivas e contextos colaborativos, expressos em alguns trabalhos dos autores acima citados.

Boavida e Ponte (2002) partem da compreensão da colaboração como importante estratégia para a realização de projetos educativos. Para esses autores, embora a colaboração possua a potencialidade de juntar pessoas com capacidade para interagir, dialogar e refletir, a verdade é que nem sempre é fácil instituir e manter em funcionamento um grupo colaborativo. Para eles, o fato de diversas pessoas estarem trabalhando em conjunto não significa necessariamente que se esteja diante de uma situação de colaboração. Desse modo, consideram que “a utilização do termo colaboração é adequada nos casos em que os diversos intervenientes trabalham conjuntamente, não numa relação hierárquica, mas numa base de igualdade de modo a haver ajuda mútua e a atingirem objetivos que a todos beneficiem”. (BOAVIDA; PONTE, 2002, p. 3). A posição desses autores é referendada pela diferença que estabelecem entre os significados de laborare

(trabalhar) e operare (operar), os quais, juntamente com o prefixo co, entram na formulação das palavras co-laborar e co-operar. Nesse sentido, a partir da contribuição do pensamento de Wagner e Day, para Boavida e Ponte (2002) há uma diferença de alcance entre trabalhar e operar, sendo esta última a realização de uma operação, em muitos casos, relativamente simples; é produzir determinado efeito, funcionar ou fazer funcionar um plano ou sistema.

Caetano (2003), no desenvolvimento de uma investigação sobre os processos de mudança na escola, adotou uma perspectiva da colaboração em sentido amplo, considerando também a acepção da cooperação. Nesse trabalho, a autora aborda as posições que fazem distinções entre os conceitos de colaboração, partilha e cooperação, como as de Askew e Carnell (1988), consideradas por ela como restritivas porque se aplicam a interações circunscritas, uma vez que dentro de um mesmo grupo podem produzir-se situações de cooperação e de partilha. O que a autora vai considerar nas situações interacionais são os processos críticos de confronto sociocognitivo e de conflito relacional-emocional, processos top down de liderança e modelagem, bem como processos socioemocionais positivos de reforço, de explicitação de compromissos e de manifestação de afetividade.

A posição de Askew e Carnell à qual se refere Caetano (2003) é que os processos colaborativos e cooperativos se distinguem quando há ou não comprometimento com objetivos comuns. Essa posição é muito semelhante à que temos encontrado entre alguns pesquisadores brasileiros, nomeadamente Magalhães (2003, 2007), Ferreira (2007) e Ibiapina (2008).

Para Magalhães (2007), assentada nos estudos de Cole e Knowles (1993), o conceito de colaboração não deve ser entendido como cooperação, nem com base na igualdade de participação, mas sim fundamentada na possibilidade de negociação de responsabilidade para todos. Nessa concepção, o princípio da negociação demarca a fronteira entre esses dois conceitos, pois não basta participar, a colaboração exige processos de negociação e a concordância permanentes entre os parceiros.

Embora a investigação colaborativa abra várias possibilidades para o campo investigativo e formativo, faz-se necessário considerarmos também as dificuldades e os limites que envolvem e envolveram esse processo, o que certamente o faremos ao longo da descrição e análise do percurso investigativo construído durante este trabalho. Dentre os problemas, destacam-se: a dificuldade

de obter a adesão e o reconhecimento do projeto entre os partícipes e a comunidade escolar, bem como de se estabelecer as fronteiras entre a pesquisa e a formação e possíveis atitudes de resistência à mudança; a burocratização do sistema de ensino; e a existência de uma estrutura autoritária e hierarquizada da escola. As dificuldades do processo e os desafios a serem superados estabelecem os limites da pesquisa naquilo a que se propõe, a saber, a investigação, a formação e a mudança. Esses desafios podem ser sintetizados pela capacidade de investigadores e investigados de construírem relações interpessoais seguras, com compromisso mútuo de confiabilidade, e de promoverem o rompimento das barreiras que inibam a negociação.

Em que pesem algumas limitações e divergências no entendimento da colaboração, uma perspectiva comum a esses diversos trabalhos é a dupla dimensão que essa abordagem abrange, a saber, as dimensões da investigação e da formação, fundamentadas pelos princípios da reflexão e da colaboração. Há outros aspectos que nos chamam a atenção nessa abordagem, um deles diz respeito à posição dos pesquisadores e pesquisados no contexto da investigação; outro à questão da ética na pesquisa. No âmbito das investigações qualitativas, esses aspectos têm sido objeto de interesse de investigadores das ciências sociais em geral.

Nessa abordagem, o pesquisador desempenha dois papéis distintos que se complementam entre si, o de pesquisador e o de formador. No primeiro, os professores participam como parceiros, fornecendo dados que giram em torno do objeto de estudo investigado, os quais serão analisados visando à produção de conhecimentos. No segundo, oferece aos parceiros um processo de reflexão sobre sua prática pedagógica, procurando, em ação compartilhada, contribuir para a profissionalização docente, de forma que investigador e investigados, a partir de uma perspectiva dialógica, tenham por objetivo relacionar a teoria e a prática analiticamente. Nesse sentido, o professor não é visto apenas como objeto do estudo, mas também como parte integrante das decisões sobre sua condução. Dentro dessa visão, o papel do pesquisador não é o de um observador passivo que procura entender o outro, tampouco é papel do outro ser entendido pelo pesquisador. Ambos são vistos como coparticipantes ativos e sujeitos no processo de construção do conhecimento.

[...] o enquadramento ético das condições de pesquisa sobre ensino e aprendizagem, pois traz subjacente o princípio da sensibilidade, como atitude do pesquisador, e o pressuposto da implicação dialética, como ética de pesquisa. Partindo da autorreflexão mútua de pesquisadores e participantes, como condição para o desenvolvimento da empatia e da alteridade, amadurecendo a compreensão e a interação, a intersubjetividade dará significado e sentido para a reflexão-ação.

Assim, ao tomarmos os saberes docentes sobre a organização do ensino- aprendizagem como foco de nossa investigação, estamos considerando nesta discussão a necessária reflexão tanto por parte do investigador como dos investigados. Dessa maneira, nossas análises pretendem, também, demonstrar os limites, desafios, avanços e recuos que essa abordagem nos colocou, pois, ao se dar no movimento das interações e das práticas sociais, o pesquisar colaborativamente envolve uma série de atitudes que pesquisador e pesquisados necessitam construir conjuntamente, tais como a capacidade de escuta, o respeito ao outro e a humildade, o que torna essa abordagem muito complexa.

O sentido de colaboração que adotamos em nosso processo investigativo recebeu, em muito, a contribuição de pesquisadores brasileiros que fundamentam a colaboração e a reflexão em uma perspectiva crítica. Assim, entendemos a colaboração como o processo de coconstrução de saberes pelo exercício sociointerativo da reflexão, de forma a possibilitar aos partícipes envolvidos a crítica aos contextos macro e micro nos quais podem ser estabelecidas as relações com os saberes mobilizados na organização do processo de ensinar e aprender.