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3 MERCHANDISING SOCIAL EM TELENOVELAS: ENTRE O

3.3 MERCHANDISING: DO COMERCIAL AO SOCIAL

3.3.1 O merchandising social na telenovela brasileira

A intensificação das ações de merchandising social nas telenovelas, por seu turno, verifica-se, sobretudo, a partir da década de 1990, quando o gênero investe

no tom naturalista de contar histórias fictícias (Lopes, 2009). Essas ações, segundo Crivelaro (2011), transpõem para a ficção os mesmos elementos norteadores do merchandising social em outros contextos. Assim, podem ser de natureza:

– informativa: quando a obra de ficção compartilha informações com os telespectadores porque pretende que eles formem opinião a respeito de determinado assunto, o qual eles devem repercutir em suas agendas interpessoais;

– comportamental: ao divulgar conceitos e valores para que sejam transpostos, efetivamente, para a vida do público receptor. Este tem a atenção mobilizada no sentido de que se torne agente da ideia ou causa aludida;

– estratégica: aquele que tem por objetivo gerar uma mobilização funcional.

Conta com integrantes que cumprem funções técnicas e obedece a etapas de pesquisa;

– afetiva: quando reforça o exercício de sentimentos e práticas que melhorem as relações interpessoais entre os integrantes da audiência.

Ao centrar o foco no merchandising social em telenovela, tem-se uma percepção mais clara quanto às suas potencialidades e seus limites. Para tanto, deve-se ter uma noção clara do fenômeno em questão. De acordo com Lopes:

O merchandising social [em telenovela] pode ser definido como um recurso comunicativo que consiste na veiculação, nas tramas e enredos das produções de teledramaturgia, de mensagens socioeducativas explícitas, de conteúdo ficcional ou real, entendendo-se por "mensagens socioeducativas"

tanto as elaboradas de forma intencional, sistematizadas e com propósitos definidos, como aquelas assim percebidas pela audiência – que, a partir das situações dramatúrgicas, extrai ensinamentos e reflexões capazes de mudar positivamente seus conhecimentos, valores, atitudes e práticas (2009, p.19).

Ao pesquisar as inserções de ações de merchandising social nas telenovelas da Rede Globo, Nicolosi (2009) observou duas formas principais de apresentação, uma inserida dentro do texto ficcional e outra que lhe é exterior.

Internamente, destaca a conceitualização e discussão sobre temáticas sociais inserida nas falas das personagens fictícias ou de fontes autorizadas, como médicos, advogados e demais especialistas (interpretados por atores profissionais ou presentes, em um contexto híbrido de ficção e realidade, enquanto atores sociais reais).

Nessa perspectiva, vislumbram-se duas tendências distintas de abordagem.

De acordo com a autora, há as ações de merchandising social simétricas, nas quais

os conhecimentos e pontos de vista são complementares e se cruzam na forma da conversação. Assim, todos ―sabem‖ e ―ensinam‖, quem ‖aprende‖ é o telespectador.

Em outra direção, tem-se as ações assimétricas, por meio das quais um personagem que sabe socializa seus conhecimentos sobre o assunto tratado com outro, que o desconhece. Nessa situação, o último representa o telespectador, e suas falas e indagações carregam marcas dos questionamentos da audiência.

Externamente ao texto ficcional, emergem as ações de merchandising social situadas fora dos capítulos das telenovelas. A forma mais comum dessa modalidade é o depoimento de pessoas, anônimas ou não. Nele,

O tema social aparece ―personalizado‖ com depoimentos, seres humanos narram sua experiência acerca de como encararam seus problemas, os esforços realizados, os fracassos, os caminhos trilhados para atingir o sucesso. Essa forma testemunhal permite às audiências um aprendizado experiencial sobre a temática tratada, em situações concretas e cotidianas (FUENZALIDA, 2005, p.75).

Conforme destacado no capítulo anterior desta dissertação, esse recurso ganhou força nas telenovelas da Rede Globo nos últimos anos, especialmente naquelas de autoria de Manoel Carlos, em especial Páginas da Vida (2006-2007) e Viver a Vida (2009-2010), que destacaram histórias pessoais de superação.

Nesses termos, uma primeira prerrogativa dessa prática, a ser destacada, é sua legitimidade social e acadêmica. Schiavo (2002, p.2) afirma que o merchandising social é uma ―estratégia de socioeducação‖ (resultado educativo de uma ação de pedagogia social20) reconhecida, por especialistas em âmbito nacional, como uma das mais poderosas ferramentas de pedagogia social.

Outro atributo a ser destacado é a amplitude. A telenovela é apontada, por pesquisas, como o programa de televisão mais consumido e apreciado pelos brasileiros. As mesmas pesquisas demonstram que ela atinge todas as classes sociais do país. No caso específico da Rede Globo, que se destaca tanto quantitativa quanto qualitativamente na produção de novelas de televisão, sua trama de horário nobre, veiculada na faixa entre 21 e 22 horas, é assistida, diariamente, por uma média de quase 33 milhões de pessoas (Lopes, 2009). É esse o universo

20 Pedagogia social é a alternativa de educação nos espaços não escolares, visando incluir socialmente todos que a educação formal não alcança. Trata-se de uma das ciências da educação inserida na ordem da prática, dos fenômenos e dos processos.

de receptores alcançado pela ação de merchandising social exibida em um capítulo do programa.

Apesar da expressividade dos números, é grande também a quantidade de fatores que podem limitar a eficiência dessa prática. Schiavo (1995) esclarece que o merchandising social é uma ferramenta utilizada para alcançar, como finalidade principal, a manutenção ou o aumento dos índices de audiência da telenovela; o que explicaria, por exemplo, a crescente abordagem de assuntos polêmicos, uma vez que despertam grande atenção na audiência e pautam as discussões em sociedade.

Por outro lado, o autor lembra que o sucesso desse tipo de iniciativa também depende da aceitação da obra de teleficção no qual ele se insere.

Em seguida, Schiavo (1995) aponta o imperativo da contemporaneidade. De acordo com o autor, para surtirem efeito, as práticas de merchandising social em telenovelas devem se encontrar em conformidade com os valores, problemas e expectativas vigentes. Para tanto, explica que o autor da trama pode escolher entre dar ênfase a determinada conduta sobre a qual tenha interesse pessoal específico (caso dos dramaturgos de televisão Aguinaldo Silva e Gilberto Braga que, assumidamente homossexuais, abordam em suas obras temas como a adoção homoafetiva e a criminalização da homofobia, dentre outros); ou se valer de pesquisas que apontem temas de relevância para a população, sem jamais contar, no entanto, com investimentos de clientes (como costuma fazer o novelista Manoel Carlos, conforme visto no capítulo anterior).

Ainda no que concerne aos limites do merchandising social em telenovelas, Crivelaro (2011, p. 122) ressalta que o discurso propagado na ação deve ter correspondência no comportamento da emissora que exibe a história fictícia.

Segundo ele, ―não adianta defender determinada atitude e não agir de modo coerente à ação praticada‖. O autor assinala também que inserções isoladas ao longo de capítulos podem não surtir resultados consistentes devido à falta de uma abordagem planejada e sistemática. Além disso, ele lembra que os temas são perecíveis e, raramente, continuam em evidência após o fim da telenovela que o abordou.

Klagsbrunn (1993), por sua vez, lembra que as abordagens de questões socialmente relevantes, pela ficção, é feita de maneira superficial. Conforme a autora, os conflitos resultantes dessas temáticas são secundários e, assim, apenas

abrem caminhos para discussões posteriores em outros meios e contextos. É por essa razão que Lopes (2009) chama a atenção para a exigência de efetividade.

Segundo ela, para ser considerado merchandising social, um ato comunicativo deve, necessariamente, fazer referências, por exemplo, a medidas preventivas, reparadoras ou punitivas com relação a um dado comportamento; alertar para causas e consequências de determinado fenômeno; e contemplar diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto. Dessa forma, a simples menção, em âmbito temático, de uma causa social não configura o recurso de promoção social aqui abordado.

Outro limitador é a dificuldade de se mensurar o impacto das ações de merchandising social em telenovelas, visto que seus efeitos são subjetivos e, logo, não podem ser medidos de forma quantitativa. Além dele, aparece uma questão concernente à linguagem: a repetição. Própria do gênero telenovela, essa característica de redundância funciona, no caso estrito da ação de merchandising social, como uma forma de fixar a informação, dado o caráter efêmero e informal desse tipo de mensagem televisiva.

3.3. 2 O caso da Rede Globo

Essa gama de limites e possibilidades é experimentada pela Rede Globo, que também se destaca por promover assuntos de interesse público em suas obras de ficção, a partir da Diretoria de Responsabilidade Social e Relações Públicas. A estrutura organizacional reforça o pensamento de Kunsch (1997) sobre a importância das áreas de comunicação empresarial nesse processo.

Sobre aquela Nicolosi (2009, 151), explica que

Perto do final do ano de 2003, a Rede Globo distribui entre os seus autores de telenovela um documento batizado ―Política para o merchandising social – Sistematização do Projeto‖ . Segundo informa o jornal, esse documento é dividido em três tópicos: 1) Definição, Premissas e Objetivos; 2) Processo e 3) Sinergias e Resultados, funcionando como manual de procedimentos que orienta os teledramaturgos a priorizar as ações promovidas pela emissora

O trabalho foi encampado pela Diretoria de Responsabilidade Social e Relações Públicas, o que evidencia que, para a emissora, a promoção de ações de merchandising social em telenovelas representa uma ―estratégia corporativa de

comunicação‖ (Nicolosi, 2009, 151), ligada ao ideal de responsabilidade social, conforme assinala Kunsch (2003).

Em entrevista a este pesquisador (Anexo 3), o gerente desse setor na emissora de televisão em questão, Raphael Vandystadt (2012), declara que o principal objetivo dessa prática que, na empresa, é denominada ―temas de responsabilidade social‖ consiste em ―aproveitar ao máximo o poder de mobilização das novelas para expor temas de responsabilidade social, observando, contudo, os limites do formato de teledramaturgia, liberdade de expressão autoral e cadência/estrutura da trama‖. Quanto às formas para viabilizar a proposta, o profissional explica se opera de dois modos distintos: conforme a política da empresa, assim que a sinopse de uma telenovela é aprovada pela direção artística da emissora, a área de responsabilidade social faz a leitura do material no intuito de identificar possibilidades de abordagem social, o que recebe o nome de

―levantamento de oportunidades‖ (Oliveira apud Nicolosi, 2009). Em seguida, sugere temáticas potenciais ao autor, que pode recusá-la. Se a sugestão é acatada pelo dramaturgo, o departamento oferece a ele indicações de referências e parcerias para o trabalho. Em outra perspectiva, trabalha-se com a sugestão espontânea dos dramaturgos de tratar de questões específicas. Nesse caso, os profissionais da área social oferecem o suporte necessário.

Ao assumir o protagonismo no que tange às práticas de responsabilidade social em telenovelas, a Rede Globo parece atestar a ocorrência do hiperdimensionamento da iniciativa privada denunciado por Barbosa (2001). A partir de 3 de outubro de 2011, a emissora passou a exibir ao fim de todos os seus programas, exceto os jornalísticos, a seguinte mensagem visual: ―Esta é uma obra de ficção coletiva baseada na livre criação artística e sem compromisso com a realidade‖.

A medida, que oficialmente pretende reforçar a liberdade de expressão, parece ter sido tomada após a Secretaria Especial de Políticas para a Mulher enviar uma nota à Rede Globo pedindo que a emissora promovesse alterações na trama sobre violência doméstica da então novela exibida às 21 horas, Fina Estampa. Na história, Celeste (Dira Paes) era sistematicamente agredida pelo marido, Baltazar (Alexandre Nero), mas não o denunciava, o que contrariou o órgão governamental.

A Globo considerou a postura da SEPM invasiva e decidiu reforçar o conceito de

ficção e entretenimento de seus programas (Castro, 2011).

Outro ponto de confluência a ser destacado, entre o que versa a teoria e o que se observa na promoção dos chamados temas de responsabilidade social pelas telenovelas da Rede Globo diz respeito à natureza das ações de merchandising social descritas por Crivellaro e às apresentadas pelas tramas de ficção da emissora carioca. A partir de um levantamento, realizado por Jakubazsko (2007), das temáticas sociais presentes nas telenovelas brasileiras, é possível notar que, no caso das telenovelas de horário nobre da Rede Globo, prevalecem as ações de merchandising social de natureza informativa e comportamental (Crivelaro, 2011). O exame dos títulos exibidos a partir de 1990, quando a prática das abordagens sociais ganha força e sistematização, denota a prevalência de conteúdos ligados à saúde, como: a doação de órgãos (De Corpo e Alma; Laços de Família); os riscos do uso de drogas lícitas e ilícitas (Por Amor; O Clone, Mulheres Apaixonadas;

Páginas da Vida; Duas Caras); e os distúrbios alimentares (Viver a Vida; Páginas da Vida). Sempre concernente a tramas secundárias, essas abordagens visavam a informar os telespectadores para tomadas de ação quanto às formas de prevenção, tratamento e conscientização.

Em outra perspectiva, temas como o desaparecimento de crianças (Explode Coração); a violência contra a mulher (Por Amor; Mulheres Apaixonadas; Senhora do Destino; A Favorita; Fina Estampa); a diversidade sexual (Por Amor; Mulheres Apaixonadas; Senhora do Destino; Duas Caras; Insensato Coração); a Síndrome de Down (Páginas da Vida); a deficiência física (Viver a Vida); e a esquizofrenia (Caminho das Índias) ganharam destaque no enredo das histórias de ficção ao conjugar esclarecimento com o discurso da tolerância às minorias sociais.