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3 MERCHANDISING SOCIAL EM TELENOVELAS: ENTRE O

3.2 UMA OUTRA CONSCIÊNCIA SOCIAL

Sob a condição de protagonistas da sociedade, as organizações privadas passam, então, a buscar mecanismos para a sua legitimação social e subsídios para o exercício de uma nova ética corporativa. Ambas as tarefas estão intimamente ligadas aos processos e práticas comunicativos. É dessa intersecção entre objetivos corporativos e centralidade da comunicação que surge e se expande a ideia de responsabilidade social.

Trata-se de um conceito interdisciplinar e multidimensionado que define uma prática corporativa, de origem norte-americana, cujo principal objetivo é demonstrar o engajamento da empresa em causas da esfera pública que se traduzam no bem-estar social da comunidade na qual a organização está inserida.

Baseada em estudos e planejamentos, ações aplicativas pontuais, mas sistemáticas, e instrumentos de aferição de resultados, tal prática apresenta uma ligação intrínseca com o campo da comunicação, seja pelo uso dos meios massivos que as divulgam, seja pelo trabalho dos profissionais da comunicação empresarial, que idealizam, planejam e praticam essas ações (Bertrand, 2009; Kunsch, 2003;

Rocha Loures, 2009).

A responsabilidade social é um tema relativamente novo no Brasil. Ainda que alguns estudos precursores datem de 1967, as primeiras manifestações de ações socialmente responsáveis, em âmbito nacional, ganham força somente na década de 1990. Uma das iniciativas mais importantes nesse sentido é a criação, em 1996, do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundado por Herbert de Souza, o Betinho. Com o apoio do jornal Gazeta Mercantil, a entidade lançou uma campanha que pedia maior engajamento social ao empresariado nacional e sugeria a elaboração e publicação do Balanço Social Brasileiro (Passador, 2002).

De lá para cá, a responsabilidade social corporativa tornou-se uma prática crescente no país. A classe empresarial passou a adotar uma postura de atenção à situação social nacional, expressa, sobretudo, na forma de patrocínio a campanhas sociais próprias ou de parceiros, modalidade de ação social mais comum entre as empresas do país. Já organizações como o Instituto Ethos vêm se encarregando, desde 1998, de ―mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável‖ (INSTITUTO ETHOS, 2010).

Todo esse esforço é tomado no sentido de que as organizações modernas não podem limitar-se à divulgação dos seus produtos ou serviços, mas devem agregar um valor ao negócio e contribuir para criar um diferencial no imaginário do público (Nicolosi, 2009). Para tanto, contam com as estratégias do marketing social, por meio das quais podem trabalhar a imagem de empresa socialmente responsável.

A respeito desta imagem, Kunsch esclarece:

A imagem da empresa é a representação mental, no imaginário coletivo, de um conjunto de atributos e valores que funcionam como um estereótipo e determinam a conduta e opiniões desta coletividade. (...) a imagem de empresa é um efeito de causas diversas: percepções e deduções, projeções, experiências, sensações, emoções e vivências dos indivíduos associadas entre si e com a empresa que é seu elemento capitalizador. (...) A identidade corporativa reflete e projeta a real personalidade da organização. É a manifestação tangível, o autoretrato da organização ou a soma total de seus atributos, sua comunicação, expressões etc. (KUNSCH, 2003, p. 170-172).

O crescimento da importância da comunicação empresarial associada à presença constante dos meios de comunicação de massa, que permeiam o cenário social trissetorial acena para um papel central da comunicação enquanto prática social, a qual, além de transmitir, deve praticar os novos valores sociais. Uma das formas de desempenhar esse novo papel é a promoção de ações de merchandising social em espaços midiáticos.

Dessa forma, se a iniciativa privada assume o protagonismo da sociedade, a comunicação que se produz dentro das empresas torna-se igualmente central ao funcionamento da nova engrenagem social. Uma das primeiras consequências desse crescimento em importância é destacada por Kunsch (1997). Segundo a autora, diante da nova realidade social, a comunicação empresarial deve não só prezar e transmitir os valores que atestam o compromisso assumido pela empresa com o novo espaço público, mais que isso, essa área estratégica precisa atuar no sentido da produção desses valores. Por isso, os seus profissionais ―devem pautar-se, mais do que nunca, pela estratégia, pela ética e pela responsabilidade‖

(KUNSCH, 1997, p. 17).

Para Bertrand, os valores difundidos por meio do discurso e das práticas de responsabilidade social devem perpassar toda a política de comunicação da empresa. Uma vez inscrita na missão, na filosofia e nos demais elementos da comunicação institucional da organização, a conduta de responsabilidade social deve estar presente no trabalho de comunicação interna; ou seja, da ―ação comunicativa que transcorre no interior da organização‖ (BERTRAND, 2009, p. 135), pois é fundamental difundir a nova conduta buscada pela empresa entre seus colaboradores.

Afinal, segundo Rocha Loures (2009), a mudança por parte da organização como um todo só é possível se cada dos indivíduos que a compõem também mudarem. Além disso, o público interno é multiplicador e atua como um porta-voz da organização, difundindo os princípios caros a esta entre seu círculo de relações familiares e sociais.

No que tange à comunicação externa, o compromisso social assumido pela empresa deve orientar o relacionamento entre esta e seu público. Para tanto, é preciso que essa relação seja viabilizada por meio de uma prática comunicativa simétrica e de mão dupla. Em termos práticos, esse compromisso pode ser aludido e fortalecido por meio de diferentes projetos de promoção social, que podem ser dirigidos à comunidade local e realizados em parceria com os poderes públicos ou com a sociedade civil (Kunsch, 2003).

Já no que se refere à comunicação mercadológica, ainda que esta diga respeito diretamente ao setor de marketing, também precisa levar em conta os valores que norteiam a empresa. Uma das principais ferramentas usadas nesse trabalho é o marketing social, que pode desdobrar-se em diferentes formas:

a) marketing de filantropia: fundamenta-se na doação feita pela empresa a uma entidade que será beneficiada;

b) marketing de campanhas sociais: significa veicular mensagens de interesse público através de embalagens de produtos, organizar uma força de vendas para determinado percentual ou dia de vendas ser destinado a entidades, ou veicular em mídia televisiva, como em telenovelas;

c) marketing de patrocínio dos projetos sociais: o patrocínio pode ser a terceiros, com as empresas atuando em parceria com os governos no financiamento de suas ações sociais, [...] e também o patrocínio próprio, em que as empresas, através de seus institutos e fundações, criam seus projetos e os implementam com recursos próprios;

d) marketing de relacionamento com base em ações sociais: utiliza o pessoal de vendas da empresa para orientar os clientes como usuários de serviços sociais;

e) marketing de promoção social do produto e da marca: a empresa utiliza o nome de uma entidade ou logotipo de uma campanha, agregando valor ao seu negócio e gerando aumento de vendas. (MEDEVEK et al, 2002, pp. 21-2)

A menção às campanhas sociais em telenovela no conjunto das estratégias de marketing social aponta para a prática das ações de merchandising social inseridas no enredo das histórias de ficção, conforme se discutirá a seguir.