• Nenhum resultado encontrado

2 A EXECUÇÃO PROVISÓRIA COMO INSTITUTO

2.1 O momento da eficácia das decisões: cognição e execução

segundo Kazuo Watanabe, é, prevalentemente, um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, ou seja, as questões de fato e as de direito que são deduzidas em um processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do

judicium, do julgamento do objeto litigioso deste processo.80

Assim, a cognição é um importante núcleo para o estudo do direito processual, juntamente com o procedimento e o conceito de tutela jurisdicional. Como bem lembra Fredie Didier, a noção que se tem de cada espécie de processo – conhecimento, cautelar e execução – “estrutura-se a partir do grau de cognição judicial que se estabelece em cada um deles”. Dessa forma, para este autor, a análise da cognição é o “exame da técnica pela qual o magistrado tem acesso e resolve as questões que lhe são postas para apreciação”, ou seja, tais questões se constituem em objeto da cognição. Logo, não é uma atividade solitária do órgão jurisdicional, mas se realiza em um procedimento estruturado no contraditório, organizado segundo um modelo cooperativo.81

80 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000,

pp. 58-59.

81 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito

Processual Civil e Processo de Conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 319.

Importa ressaltar que, em um primeiro momento, entende-se por questão, qualquer ponto de fato ou de direito controvertido, de que dependa o pronunciamento judicial, questão esta que não será objeto do julgamento, mas uma vez resolvida, constituir-se-á em fundamento da decisão. Mas também pode a “questão” ser entendida como o próprio tema a ser decidido, ou seja, assemelha-se a pedido ou questão principal ou objeto do processo. Sobre ambas haverá cognição, mas somente sobre as últimas haverá decisão. Isto é, as primeiras são as resolvidas “incidenter tantum”, não acobertadas pela coisa julgada (artigo 469 do Código de Processo Civil), e, as segundas, “principaliter tantum”, compondo o objeto do juízo e abrangidas pela coisa julgada.

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 320.

Ademais, Kazuo Watanabe trata do direito à cognição adequada, afirmando que a justiça precisa ser condizente com a realidade social. Sendo que essa aderência à vida apenas se consegue com o aguçamento da “sensibilidade humanística e social dos juízes”, o que necessariamente requer preparação e atualização. Desse modo, para que se tenha a cognição adequada a cada caso, o que é pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade mencionada é um elemento indispensável. Chegando a aduzir, ainda que com cautela, que o direito à cognição adequada faz parte do conceito menos abstrato do princípio do juiz natural.82 Assim, sob à luz da efetividade da tutela do direito e da instrumentalidade do processo, analisadas no capítulo anterior, a cognição deve ser considerada como técnica de adequação do processo à natureza do direito. Isto é: por meio da cognição, pode-se tutelar diversas situações jurídicas.83

A cognição, enquanto técnica processual, pode ser vista em dois planos distintos: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade). No primeiro plano, a cognição pode ser plena/ limitada/ parcial. No plano vertical, a cognição, segundo o grau de sua profundidade, pode ser exauriente/ completa e sumária/ incompleta.84

82 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

64.

83 Nesse sentido, é a posição de André Osório Gondinho:

“Neste particular, dentro da ótica da efetividade da tutela do direito e da instrumentalidade do processo, a cognição deve ser estudada como um meio de integração entre o direito e o processo. Ela é uma importante técnica de adequação à natureza do direito ou à peculiaridade da pretensão a ser tutelada. É através da cognição que se pode estruturar e manejar diferentes formas de procedimentos judiciais, garantindo tutela às várias situações jurídicas carentes de proteção. A construção de tutelas jurisdicionais diferenciadas é, como veremos ao longo deste trabalho, possível através da combinação dos vários tipos de técnicas cognitivas. Mas não é somente na construção de tutelas jurisdicionais diferenciadas que a cognição pode ser utilizada como técnica de desenvolvimento de um processo efetivo. A cognição também se relaciona com a efetividade processual no tocante ao monopólio estatal da Justiça, ao princípio do juiz natural e da motivação das decisões judiciais.”

GONDINHO, André Osório. Técnicas de cognição e efetividade do processo. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista08/Revista08_99.pdf. Acesso em: 12.04.2014, p. 3.

84 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000,

Com a combinação dessas modalidades de cognição, o legislador está capacitado a conceber procedimentos diferenciados e adaptados às várias especificidades dos direitos, interesses e pretensões materiais85:

a) Cognição plena e exauriente: é o procedimento comum do processo de conhecimento, seja ordinário ou sumário, ou, ainda, o procedimento dos juizados especiais cíveis, uma vez que estes dois últimos são caracterizados apenas pela abreviação do iter procedimental, em nada interferindo com a cognição;86

b) Cognição parcial e exauriente: a característica dessa modalidade de cognição está na limitação no tocante à amplitude, mas ilimitada quanto à profundidade da cognição voltada ao objeto cognoscível. Vale dizer, quanto aos pontos e questões que podem ser conhecidos e resolvidos, a cognição é exauriente, de sorte que a sentença é dotada de aptidão suficiente para produzir coisa julgada material. Exemplos: o processo de conversão da separação judicial em divórcio (Lei n. 6.515/77, artigo 36, parágrafo único); processo de embargos de terceiro (artigo 1.054 do Código de Processo Civil); processo de busca e apreensão da lei de alienação fiduciária (Dec.-lei n. 911/69, artigo 3º, § 2º); embargos do executado nas execuções de título judicial (artigo 741 do Código de Processo Civil);87

c) Cognição plena e exauriente secundum eventum probationis. Como exemplo, tem-se o processo de inventário, com a questão prejudicial surgida com a disputa sobre a qualidade de herdeiro será decidida se o magistrado dispuser de elementos bastantes para o estabelecimento do juízo de certeza. A falta de suporte probatório suficiente para o convencimento, fica configurada

85 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

113.

86 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

115.

87 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000,

matéria de alta indagação, devendo o juiz remeter a parte para os meios ordinários (artigo 1000 do Código de Processo Civil);88

d) Cognição eventual, plena, ou limitada e exauriente: o contraditório será eventual, com possibilidade de supressão de toda uma fase tipicamente jurisdicional pelo só comportamento do réu, independentemente de sentença. Como exemplo, tem-se a ação de prestação de contas (artigo 915 do Código de Processo Civil); e o processo monitório (artigos 1102a. e ss do Código de Processo Civil);89

e) Cognição sumária ou superficial: está presente nas ações sumárias cautelares ou não-cautelares; ou a cognição que o juiz realiza para a concessão de liminares em geral, como na antecipação de tutela.90

Segundo Kazuo Watanabe, é por meio do procedimento que se faz a adoção das várias combinações de cognição considerada nos dois planos mencionados, criando-se, por essa forma, tipos diferenciados de processo que, consubstanciando um procedimento adequado, atendam às exigências das pretensões materiais quanto à sua natureza, à urgência da tutela, à definitividade da solução e a outros aspectos, além de atender às opções técnicas e políticas do legislador. Considerando que os limites para a concepção dessas várias formas são os estabelecidos pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e pelos princípios que compõem a cláusula do devido processo legal.91

Especificamente quanto à cognição sumária, urge lembrar que esta é uma cognição superficial, menos aprofundada no sentido vertical. Desse modo, a técnica da cognição sumária é utilizada nos processos sumários em geral, de

88 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

118.

89 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

120.

90 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

121.

91 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

que as espécies os processos cautelares, na antecipação de tutela e, igualmente, na fase inicial de toda e qualquer ação quanto aos requisitos gerais ou especiais que a lei estabelece e também quanto à aferição das condições da ação.92

Nesse contexto, vale ressaltar que, anteriormente, só havia execução com a imutabilidade dos efeitos da decisão, ou seja, com a coisa julgada material, que só ocorria após cognição plena e exauriente. Hodiernamente, há a execução provisória da sentença, prevista no artigo 475-O, do Código de Processo Civil, ou seja, tem-se a execução de uma decisão proferida em sede de cognição exauriente, pendente, entretanto, o julgamento de eventual recurso interposto e recebido apenas no efeito devolutivo. Ademais, conforme se verificará com o estudo da tutela antecipada (item 2.5), também as decisões proferidas nesse âmbito, em sede de cognição não exauriente, são executadas provisoriamente.

Isto é, com as recentes reformas realizadas no sistema processual, chegou-se à execução das decisões proferias em sede de cognição não- exauriente ou sumária, capazes de adquirir natureza executiva para atender os atuais propósitos de realização da justiça.93

Outrossim, há que se sublinhar a necessidade de maior valorização das decisões proferidas em sede de cognição exauriente. Assim como se permite a efetivação da tutela antecipada (uma vez presentes os seus requisitos autorizadores), deve-se priorizar a execução provisória da sentença, que é concedida em sede de cognição exauriente, defendendo-se, inclusive, que a sua execução provisória deveria ser a regra.

Nas esclarecedoras palavras de Eduardo Melo de Mesquita:

92 WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p.

125; pp. 122-133.

93 MESQUITA, Eduardo Melo de. Efeito suspensivo e execução provisória, uma visão atual.

In: NERY, Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis, v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 236.

Outrossim, urge que vençamos uma aporia constante na permissão da antecipação de efeitos práticos, em outras palavras, a execução provisória ou incompleta das tutelas arrimadas em cognição sumária e não permissão em caso de tutela concedida com base em cognição exauriente que põe em relevo alguns dispositivos do nosso Código de Processo Civil, a saber: os arts. 273, 520, 558, e 588 e outros.94

Supera-se o paradoxo de dar-se mais relevo à uma decisão obtida mediante sumária cognição em detrimento daquela submetida à cognição exauriente.

Inafastável a possibilidade de o juiz mediante critérios a serem por ele observados, em cada caso deferir efeito suspensivo ou, reexaminando a causa, modifica-lo. Em síntese, busca-se a erosão da regra do duplo efeito.95

Acresce-se as palavras de Cândido Rangel Dinamarco96:

Se o empenho de agilização leva o legislador a autorizar até mesmo a antecipação da tutela especifica mediante decisões interlocutórias a serem concedidas antes da sentença e efetivadas imediatamente (art. 461,§ 3º),seria incoerente negar a provisória exequibilidade da sentença proferida depois de uma instrução completa.

Desse modo, reconhece-se que, para a antecipação dos efeitos da tutela, devem estar presentes os seus requisitos autorizadores (artigo 273 do Código de Processo Civil), entretanto, também se deve valorizar a sentença, que é proferida em sede de cognição exauriente. Se o autor é vencedor na demanda, deve o réu sofrer a execução provisória da sentença, e deveria o seu recurso, assim, em regra, ser recebido apenas no efeito devolutivo, como já ocorre no sistema italiano, conforme se preceituou nas notas introdutórias.

Por fim, merece acolhida o esclarecimento realizado por Rita Quartieri, no sentido de que o título executivo não é decorrência da cognição definitiva ou da existência do direito, “mas do desejo de permitir que o direito tenha

94 MESQUITA, Eduardo Melo de. Efeito suspensivo e execução provisória, uma visão atual. In:

NERY, Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis, v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 237.

95 MESQUITA, Eduardo Melo de. Efeito suspensivo e execução provisória, uma visão atual. In:

NERY, Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis, v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 261.

96 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, IV. São Paulo:

realização prática”. 97 Isto é, independentemente da cognição realizada, prevalece a efetividade do direito, que também engloba a celeridade, tão buscada e desejada pelos jurisdicionados e operadores do Direito.