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TEXTUAIS QUESTIONÁRIOS 335

3.6 O OBSTÁCULO DIDÁTICO

No ano de 1976, Brousseau apresenta o trabalho “Les obstacles épistémologiques et les problèmes en mathématiques“, no XXVIII

encontro do CIEAEM –

Commission Internationale pour l'Étude et l'Amélioration de l' Enseignement des Mathématiques –, realizado na Bélgica. Na ocasião, comparou o obstáculo epistemológico, na concepção de Bachelard, com a resistência de um saber mal adaptado. Brousseau analisa o obstáculo como um meio de interpretar alguns dos erros recorrentes e não aleatórios cometidos pelos estudantes (BROUSSEAU, 1976). O erro não deve ser visto como o efeito da ignorância, da incerteza, do acaso mas, sim, o efeito de um conhecimento anterior que teve importância em um determinado contexto e sucessos, mas que no contexto atual se revela falso, ou mal adaptado.

Um conhecimento, assim como um obstáculo, é sempre o resultado

de uma interação do sujeito com seu meio ambiente e, mais precisamente,

com uma situação que torna o conhecimento "interessante" em um determinado domínio, definido pelas características "informacionais" desse conhecimento (BROUSSEAU, 1976).

Um obstáculo manifesta-se por erros, mas esses erros não são devido ao acaso, são fugazes, instáveis, são reprodutíveis e persistentes (BROUSSEAU, 1976, p.105).

Igliori (2002, p.113) observa que “a noção de obstáculo epistemológico pode ser estudada tanto para analisar a evolução histórica de um conhecimento, como em situações de aprendizagem ou na evolução espontânea de síntese de um conceito”.

A releitura feita por Brousseau sugere uma definição mais ampla. O obstáculo epistemológico é visto como um conhecimento que, apesar de ter resultados corretos em um determinado contexto, mostra resultados inadequados em um contexto diferente ou mais amplo. Nessa situação, o novo conhecimento sobre um contexto novo ou mais amplo apresenta-se em oposição ao anterior (BROUSSEAU, 2008).

Obstáculos didáticos são conhecimentos usados no processo de ensino-aprendizagem e que produzem respostas simplificadas aos problemas e que, muitas vezes, produzem erros em diversos outros problemas, produzindo resistências à modificação ou mesmo à transformação.

Para Pais (2002), os obstáculos didáticos são conhecimentos que se encontram relativamente estabilizados no plano intelectual e que podem dificultar a evolução da aprendizagem do saber escolar. No que se refere ao estudo dos obstáculos didáticos, permanece o interesse de estabelecer os limites do paralelismo possível entre o plano histórico do desenvolvimento das ciências e o plano cognitivo da aprendizagem escolar.

Na sala de aula, o obstáculo se insinua como um bloqueio na ação de ensinar, em uma situação na qual o docente não consegue conduzir o processo de forma a contribuir com a aprendizagem do aluno.

[...] é conveniente admitir a flexibilização de que os obstáculos não dizem respeito somente às dificuldades históricas e externas ao plano da aprendizagem (PAIS, 2002, p.44).

O obstáculo didático acontece quando o professor não consegue conduzir uma situação de ensino coerente de forma a contribuir para a aprendizagem do aluno. Ilustrando essa situação, pode-se imaginar um professor que solicita, durante uma aula do ensino fundamental, que esses alunos façam uma pesquisa na internet sobre “a teoria da evolução”. Os alunos terão 30 minutos para realizar a pesquisa e posteriormente produzir um resumo sobre o assunto. Não são oferecidas orientações adicionais ao aluno. Inicia-se aí um impasse, pois a internet é um repositório extenso de informações.

A informação é um elemento presente no mundo objetivo, exterior ao indivíduo, é um dado inteligível de qualquer natureza. A maior e mais controversa qualidade da internet é a democrática possibilidade de, qualquer indivíduo especialista ou não, postar informações de um determinado assunto.

Essa informação, no entanto, pode ser de qualidade questionável. Pode variar seu grau de profundidade, em função do consulente, sendo extremamente complexa para uma turma de sétima série ou banal para o aprofundamento proposto pelo professor.

Quando a ferramenta de busca retorna para o aluno um conjunto de informações que para ele não são significativas, não haverá

aprendizagem. O conhecimento surge a partir da experiência pessoal do indivíduo com a informação.

[…] nasce das experiências e atividades individuais de cada pessoa em relação ao objeto de conhecimento (LUIZ, 2009, p. 1097).

Ao inserir a TIC em sua aula, na situação relatada, o professor entende a internet como um repositório de informações. Aqui se tem um obstáculo didático, pois a integração dessa à sua prática sem uma estratégia didática apropriada não aconteceu.

O uso da TIC exige uma ação docente de orientação ao aluno, uma postura em que deve estar disposto a participar de um processo de intercâmbio de conhecimentos. A atitude do professor de “detentor do conhecimento” é ampliada para uma atitude de orientador, colaborador e validador.

A superação do obstáculo didático representa uma quebra de continuidade no conhecimento superficial. Para que ocorra essa ruptura, é necessário o uso de estratégias didáticas, que irão auxiliar na formação de um novo conhecimento.

O erro no processo de ensino-aprendizagem, quando se utilizam as TIC como estratégia, manifesta-se de várias formas, como a escolha inadequada do método de ensino, a opinião de que somente o conhecimento técnico é suficiente para seu uso na docência, o uso de linguagem inapropriada, dentre outros. Para conseguir ultrapassar esses obstáculos, é necessário o uso de atos epistemológicos, ou seja, rupturas com os conhecimentos existentes seguidos por reestruturação (BACHELARD,1938).

Brousseau classifica os obstáculos didáticos como ontogênicos, didáticos, epistemológicos e culturais:

• obstáculos didáticos de origem ontogênica “são aqueles que ocorrem a partir das limitações (incluindo a neurofisiológica) do sujeito em um momento de seu desenvolvimento: ele desenvolve o conhecimento de forma apropriado a seus meios e objetivos” (BROUSSEAU, 1976, p.108). O sujeito memoriza ou domina a técnica, mas não apresenta compreensão sobre a mesma;

• obstáculos didáticos de origem didática são aqueles que não dependem de uma escolha ou de um projeto de sistema educativo. Surgem por meio de estratégias de ensino equivocadas, formando-se por um erro na aprendizagem ou por uma aprendizagem incompleta;

• obstáculos didáticos de origem epistemológica são identificados por Brosseau (1976) como aqueles que não podem, nem devem escapar ao próprio fato de seu papel constitutivo do conhecimento;

• obstáculos de origem cultural se apresentam a partir de situações nas quais o professor reage a situações de ensino, fazendo uso de suas crenças, de respostas do senso comum, simplistas, baseadas em experiências não científicas.

Brousseau (1976) sugere que a gênese de um obstáculo didático ocorre a partir da escolha de estratégias de ensino que deflagram conhecimentos incompletos ou incorretos e que, ao longo do tempo, tornam-se obstáculos para o desenvolvimento de um conceito.

Tais obstáculos podem ser criados pelo próprio professor ao escolher uma determinada estratégia de ensino que não favorece plenamente a construção do conhecimento científico. Ao estudar a noção do obstáculo, é possível identificar a origem de fatores que levam a aprendizagem a uma situação de inércia e de obstrução, impedindo o professor de entender o uso de determinada estratégia e que leva o aluno a não compreender determinado assunto.

Nesse sentido, a formação específica dos professores exige uma abordagem mais ampla e consistente, pois dominar o conteúdo específico é importante, mas não é suficiente para ser um bom professor, sendo necessário conhecer como o aluno aprende e como agir para favorecer a aprendizagem. A ausência dessa atitude constitui um obstáculo didático, fato que ocorre quando a atuação do professor se pauta numa perspectiva tradicional.

A ausência ou carência de formação pedagógica pode levar os professores (licenciandos ou bacharéis) ao desenvolvimento de uma prática que reflete os tempos de estudante, procurando imitar a prática dos mestres que lhes serviram de modelo, reforçando a cultura de uma prática milenar, a do ensino dogmático.

O obstáculo é visto como um conhecimento, uma concepção que resiste tentando se adaptar localmente, modificando-se, otimizando-se num campo reduzido, seguindo-se um processo de acomodação. Assim a adaptação ocorre para um caso específico, em condições especiais ou até únicas (BROUSSEAU, 1976, p.106).

Ao surgir em novas situações, aparece com elas a necessidade de uma ruptura e de novas adaptações, esse conhecimento passa a ser então um obstáculo, pois o sujeito resiste, defendendo o conhecimento que já

foi consolidado. A aplicação desse conhecimento em outro domínio passa a produzir erros. O obstáculo pode ser manifestado em situações nas quais não é possível o enfrentamento de um problema, pois uma solução adequada não é conhecida.

As rupturas sofridas pelo conhecimento científico ocorrem a partir de dois contextos, quando o conhecimento científico é separado do senso comum, mesmo contraditórios, ou entre duas elaborações científicas. Essas rupturas favorecem a reordenação de teorias que podem ir além de seus pressupostos, introduzindo uma nova racionalidade (BROUSSEAU, 2008).

Segundo Brousseau (2001), os obstáculos podem ser enfrentados de formas, inclusive, antagônicas, ignorando-os ou rejeitando-os; aceitando-os sem reconhecer ou analisando-os em uma parceria com os alunos e reconhecendo-os de forma a superá-los. Nesse aspecto, observa-se a ideia de que o obstáculo não pode ser tratado apenas sob o viés epistemológico ou tão pouco do pedagógico. A aprendizagem apresenta frequentes rupturas, que podem ter origens e formas variadas, saltos informacionais, mudanças na forma de controle, origem ontogenética, a escolha didática ou mesmo uma contingência epistemológica ou cultural.