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TEXTUAIS QUESTIONÁRIOS 335

2. O USO DA TIC NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO

2.6 REVISITANDO OS RELATOS NACIONAIS

As publicações apresentadas demonstram a preocupação em identificar a quantas anda a inserção digital das escolas. Existe uma grande inquietação em termos quantitativos: quantos computadores por aluno? Quantos professores foram capacitados? Quanto é o tempo gasto fazendo uso da TIC em práticas em sala de aula? Esses são exemplos de questionamentos feitos e que procuram subsidiar respostas para uma

pergunta bastante simples: a TIC está sendo efetivamente integrada na prática em sala de aula?

Com base nos relatos, é possível afirmar que ocorre, mas não na proporção esperada. No relatório “ICT Impact Report 2006” são apontadas as possíveis barreiras que estariam obstruindo o uso da TIC no processo de ensino-aprendizagem. Essas foram classificadas em 3 tipos, barreiras do professor, da escola e institucionais. Segundo Balanskat e outros (2006, tradução nossa) são barreiras “do professor”, e que dificultam a inserção em sala de aula:

• a pouca habilidade no uso das tecnologias de informação e comunicação;

• a falta de motivação e confiança na utilização da TIC;

• a formação inadequada dos professores (programas diferenciados); • a falta de acompanhamento de competências nas novas tecnologias. Como barreiras da “escola” Balanskat e outros (2006, tradução nossa) citam:

• a ausência e a má qualidade da infra-estrutura de TIC (tanto de hardware quanto de software educacional adequado);

• o acesso limitado a equipamentos;

• a pouca ou má experiência das escolas na implantação e execução de projetos;

• a falta de experiência em aprendizagem baseada em projetos; • a ausência de integração da TIC nas estratégias escolares.

As barreiras “institucionais” apontadas estariam ligadas: • a estrutura rígida dos sistemas de ensino tradicionais; • a avaliação tradicional, aos currículos restritivos; • a estrutura organizacional restrita.

Este trabalho propõe relatar quais são as barreiras enfrentadas pelo docente brasileiro no processo de inserção da TIC em sua prática. A partir das publicações nacionais, já discutidas anteriormente e fazendo uso da definição de tipos de barreiras propostas por Balanskat (professor, escola, institucional), construiu-se um quadro onde são apontadas as barreiras e os registros identificados pelos pesquisadores que impactam no dia a dia do professor. O Quadro 1 apresenta apenas um recorte do registro de barreiras encontradas nos relatos nacionais, o quadro completo pode ser lido no Apêndice 5. É possível perceber que a barreira “Escola” e “Professor” são as mais evidenciadas nos relatos.

Quadro 1. As barreiras identificadas nas publicações científicas nacionais Publicação: O Uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) em Contextos Escolares e a Melhoria da Qualidade da Educação

Barreira Pg. Registro

Professor 96 O que temos que fazer na escola é ensinar as crianças que estão matriculadas e que, a cada dia, chegam pontualmente para aprender, para brincar, para comer [...], a escola é tudo para as crianças que vivem na periferia urbana onde estamos trabalhando.

Institucional 96 Os professores que trabalham no laboratório [a sala onde estão localizados os computadores] não têm reconhecimento do seu trabalho [não estão em sala de aula] e inclusive, por isso, têm prejuízo na avaliação dos critérios para aposentadoria. Definitivamente, os professores que trabalham nos laboratórios (ProInfo). Institucional 98 Constatamos que nenhuma experiência relacionada ao uso da TIC nos processos de ensinar e aprender está incluída, com vigor politico-pedagógico, ao planejamento global das escolas e das secretarias municipais de Educação.

Professor 98 Referem-se ao ProInfo como uma obrigação para a escola e um problema para os professores, mesmo sendo uma oportunidade para os estudantes.

Institucional 98 A política para uso das TIC na Educação está desconectada das necessidades objetivas de trabalho, pelo menos no que se refere às escolas investigadas, ao dotá-las apenas de escasso material. Não há investimento político-pedagógico, suporte teórico e suficiente número de professores para sustentar o ProInfo nos termos que as diretrizes políticas do próprio programa o define.

Escola 98 Os docentes responderam que suas resistências dizem respeito à importação para o contexto organizativo, material e político-pedagógico da escola de conhecimentos a serem aplicados sem que haja, entretanto, pesquisas e experiências que demonstrem a efetividade e a pertinência do que está sendo proposto para execução em uma e outra escola concreta.

Barreira Pg. Registro

Publicação: O Programa UCA na Visão de Professores Multiplicadores Professor 1948 Foram identificados professores que não tinham

sequer um endereço de e-mail.

Escola 1948 Na quase totalidade das escolas, foi constatada a inadequação dos espaços físicos do prédio escolar para guarda de equipamentos e recarga de baterias. Escola 1948 Sobre as baterias, foram unanimes em informar que a

duração que laptops educacionais são bem mais lentos do que computadores convencionais; os computadores demoram a abrir os programas e tendem a travar quando utilizados em multitarefas. Escola 1948 As baterias raramente funcionam com o tempo

máximo especificado pelos fabricantes.

Professor 1949 Foi relatado que “... as professoras (da escola UCA) são totalmente leigas (em informática), nenhuma tinha conta de e-mail... duas tinham computador em casa mas não usavam...”. Outra dificuldade apontada foi o desconhecimento, pelos professores, do Linux e dos aplicativos tipo Office disponíveis no laptop. Todos informaram que houve avanço na capacitação, “... mas não o suficiente para uso pedagógico do uquinha‟ com os conteúdos do currículo (...) e seria necessário um apoio pedagógico grande...”.

Escola 1950 Em visitas às escolas UCA, notamos que duas não possuem um prédio escolar adequado para atividades pedagógicas com novas tecnologias.

Escola 1950 Uma das escolas merece um olhar mais atento, pois consideramos que a mesma não deveria ter sido escolhida para receber o programa UCA. Próxima à capital, a escola funciona em um prédio alugado, à margem de uma rodovia com intenso movimento de veículos, possuindo instalações precárias e insuficientes para o número de alunos matriculados e para atividades de gestão. Não há espaço para recreio e as salas de aula são úmidas no inverno e muito quentes no verão, pela ausência de ventilação. O laboratório de informática funciona em um primeiro Continua ...

Barreira Pg. Registro

Escola 1950 andar improvisado, com uma escada de acesso muito estreita e com degraus íngremes, possibilitando a passagem de apenas uma pessoa, sendo um elemento de risco em caso de emergência. Fomos informados pela gestora que há um planejamento, pela rede escolar, de construção de um prédio próprio, porém sem cronograma definido.

Professor 1950 No entanto, o uso pedagógico dos laptops é muito pouco, pois nenhuma das professoras tinha computador ou experiência com informática antes da chegada do UCA.

Publicação: Alterações no Cotidiano Escolar Decorrentes da Implantação de Laptops Educacionais

Professor 48 “Uma preocupação que tinham era se os laptops iriam substituir os livros e cadernos. Então foi esclarecido a eles que os laptops chegariam à escola como um recurso a mais para a melhoria da aprendizagem dos alunos e seria somado aos outros recursos já existentes.”

Professor 50 De forma geral, os docentes entrevistados consideraram que a utilização dos laptops educacionais não gerou alterações na estrutura curricular. Para eles a oportunidade de ter laptops com acesso à Internet em sala de aula não ocasionou uma reestruturação em termos de ordem, inclusão ou substituição dos conteúdos previstos em suas disciplinas.

Escola 52 O único problema mesmo é a pane na máquina que de vez em quando dá, mas isso é normal, comum estragar um ou outro, ou que vez em quando a bateria dele começa a ficar viciada e não aguente”.

A diminuição do número de máquinas disponíveis em sala de aula, pois as mesmas precisam ser retiradas, uma vez que não permanecem ligadas sem acesso a uma tomada.

Escola 52 As salas de aula não possuem uma estrutura elétrica para a conexão de todos os laptops com tomadas individuais.

Fonte: Elaborado pela autora.

Barreira Pg. Registro

Escola 52 Segundo os professores, os alunos reagem pedindo que tenham máquinas individuais ou se desmotivam e não realizam as atividades.

Publicação: Análise de Reações de Professores Face à Introdução do Computador na Educação: O Caso do Projeto UCA – Um Computador por Aluno no Colégio Estadual Dom Alano Marie Du’Noday (TO)

Escola 72 Em todas as escolas visitadas, foram diagnosticados problemas relacionados com as condições de infraestrutura como:

a performance dos equipamentos (desempenho mais lento que os convencionais); a confiabilidade dos equipamentos (manutenção e substituição dos equipamentos que apresentaram defeitos); a durabilidade das baterias (duração e condições de recarga); e a conexão com a Internet (acesso lento e de pouca confiabilidade).

Ainda sobre a infraestrutura, ressalta a importância da existência do suporte técnico como sendo “relevante para garantir o desenvolvimento das atividades programadas pelos professores.

Escola 96 Evidenciaram a importância do planejamento e desenvolvimento das atividades, para tanto, as dificuldades apontam para as questões de carga horária, tempo de duração das aulas e redução do suporte pedagógico.

Professor 96 Os professores reconhecem a falta de formação na área da Informática Educativa durante a Graduação e mesmo na Formação Continuada, o que reflete no pouco domínio para o manuseio do laptop e uso das ferramentas disponibilizadas.

Os professores percebem suas dificuldades pela falta de familiaridade com o computador, e isto está relacionado às condições para aquisição e acesso; revelam as inseguranças diante ao novo com a implantação do projeto como experimento; em razão dos problemas relacionados às condições de infraestrutura ocorrem momentos de frustrações nos alunos e professores.

As publicações científicas relatadas tratam de escolas “privilegiadas”14 por programas do governo federal para a inserção da TIC na escola. Esses programas dariam conta da instalação de equipamentos e da formação em serviço dos professores no que tange o uso da TIC na prática docente. Ainda, assim, a barreira mais assinalada nos registros está relacionada à escola e sua infra-estrutura física em termos de equipamentos, conexão de internet e ambientes em que esses equipamentos serão utilizados na prática do professor. A inexistência ou insuficiência de apoio institucional (visto nos relatos, como a direção da escola, secretarias de estado) para o uso da TIC na escola torna-se um agravante para o professor que pretende adotar a TIC em sua prática nos enfrentamentos do dia a dia escolar.

Outro registro relevante é a insegurança dos professores quanto a sua competência em TIC. O professor se manifesta inseguro, os pesquisadores, por sua vez, diagnosticam em suas publicações as deficiências do docente nas competências necessárias. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica indicam que esses saberes e competências devem ser garantidos na formação dos professores, tanto inicial quanto continuada, onde se lê:

[...] o professor deve ser capaz de fazer uso de recursos da tecnologia da informação e da comunicação de forma a aumentar as possibilidades de aprendizagem dos alunos (BRASIL, 2002, p.43).

Nesse quadro, parece haver um indicativo de que os saberes a serem mobilizados no uso da TIC na prática docente, para que possa apoiar o processo de ensinar tenham sido insuficientes, o que aponta para a formação docente. Há de se perguntar, esses saberes estão sendo garantidos na formação de professores nas Licenciaturas em Física, Química, Matemática e Biologia?

No Brasil, o movimento de adoção da TIC ainda parece juvenil quando comparado ao compasso Europeu. Mas, se nossa maior fraqueza ainda está no número de computadores por aluno e na distribuição que estes apresentam nas escolas do País, obstáculo já ultrapassado por boa parte dos países da CE, apresentamos problemas em comum, como, por exemplo, a insegurança do professor na utilização da TIC na prática em

14  Privilegiadas: que tem certas prerrogativas que outras escolas brasileiras não têm, neste caso, a instalação de computadores, conexão para internet,

sala ou a forte resistência dos professores às mudanças na forma de ensinar.

Relatos de países, como a Alemanha, que superaram as barreiras como infraestrutura, apoio gerencial para uso da TIC, formação docente integrando habilidades técnicas ou pedagógicas, apresentam números pífios quanto a sua integração curricular. Os números indicam a existência de motivadores ainda desconhecidos e que precisamos conhecer, pois impedem a integração da TIC na prática docente e parecem estar além das barreiras que hoje consideramos como gatilhos. O professor parece ameaçado, inseguro quanto a sua função, em sua responsabilidade de fazer uso dos recursos da TIC em sua prática docente.