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O papel do conhecimento em sistemas agrícolas biodi versos

Capra (1997) coloca que sistemas implicam conjuntos de elementos que mantêm interdependência e interação para objetivos comuns e que qualidades emergentes são próprias dos sistemas integrados, evidenciado que o “resultado” do sistema é mais amplo que a soma de seus elementos, pois elas são amplificações dos processos vitais.

A conexão entre conhecimentos científicos disciplinares é assim, ao mesmo tempo, um método integrador para analisar os sistemas biodiversos existentes e um instrumental útil para aperfeiçoá-los. Ao articular áreas temáticas, produz-se, além de conhecimentos diretamente aplicados, também instrumentais de inovação metodológica.

Para o entendimento dos sistemas biodiversos, um recurso mais básico é observar os processos como ocorrem na natureza. Outro é vivenciar e avaliar as experiências de referência já existentes com foco em Sistemas Agroflorestais e outros sistemas biodiversos. O interesse não pode restringir-se apenas à análise científica clássica, mesmo quando esta seja integrada e ampliada.

É claro que a natureza dos resultados de uma pesquisa delineada de forma clássica e a das observações de longo período consolidadas pela prática são diferentes. Francis et al. (2013) colocam a perspectiva de uma pesquisa-aprendizagem em agroecologia, baseada em condições reais de produção e nas reflexões daí derivadas. Esta estratégia de trabalho em situações de mundo real permite examinar as dimensões econômicas, ambientais e sociais, de forma integrada no âmbito do agroecossistema.

A pesquisa agroecológica, para criar referências com potencial de irradiação em rede, deve procurar encaixar-se na lógica dos agricultores, gerando produção agrícola ao mesmo tempo em que saberes. Ao contrário da “isenção” característica da aplicação do instrumental clássico, a pesquisa contextualizada em situações reais de produção e vida dos

agricultores implica em complexidade e na necessidade de constantes ajustamentos metodológicos, pois além das variáveis científicas controláveis, conta com a “variável agricultor” – um complexo de fenômenos subjetivos, entrelaçados e cambiantes e de difícil apreensão por meio de métodos rígidos, mas elucidantes através da intuição. Assim sendo, temos que a pesquisa científica avalia parâmetros específicos e chega a resultados objetivos, porém que não permitem ver mais do que explicitamente focaliza e não propicia estabelecer relações claras com o todo. Por seu turno, a pesquisa participativa não produz resultados detalhados e precisos, mas foca-se na apreensão dos fenômenos mais significativos da realidade, que incluem e articulam saberes científicos e populares.

É importante destacar que o conhecimento ancestral é, em princípio, a base de todo o conhecimento disponível e, sem dúvida, também do conhecimento científico. Na agricultura, a seleção milenar de sementes, os processos de renovação da fertilidade dos solos, as técnicas de plantio e tantos outros conhecimentos, foram desenvolvidos pelos próprios agricultores como resposta às necessidades de produzir e reproduzir-se durante séculos. Trazem consigo o acúmulo histórico de tentativas, erros e adaptações, contendo, portanto, conhecimento muito significativo que comumente não tem sido reconhecido, estudado e valorizado.

Para avançar ao limiar do conhecimento complexo é fundamental o desenvolvimento e a aplicação de uma visão integrada dos sistemas. A lacuna existente no conhecimento relativo ao funcionamento dos sistemas biodiversos apresenta sérias implicações sobre as tecnologias geradas para os agroecossistemas. Na grande maioria dos casos, o desenho de sistemas tem se baseado em conhecimentos empíricos ou mesmo em tentativas erráticas de estruturação, que nem sempre atingem os objetivos propostos. Informações sobre as interações bióticas e abióticas que ocorrem nos agroecossistemas são fundamentais para subsidiar a estruturação de agroecossistemas complexos.

Na linha das preocupações com a economia é importante explorar quais são as relações econômicas mais essenciais relacionadas aos

Sistemas Agroflorestais: experiências e reflexões

sistemas biodiversos. Também importante é conhecer como se articula a necessidade do incremento da biodiversidade com as exigências técnicas de produção, no sentido de garantir, concomitantemente, a viabilidade ecológica e econômica dos sistemas agrícolas. Outra questão crucial é a necessidade de investigar quais as possibilidades de compatibilização de práticas agrícolas sustentáveis com alta produtividade do trabalho e com a viabilidade econômica. Para tanto, uma alternativa é a formulação de índices de desempenho dos sistemas complexos, hoje existentes apenas para cultivos ou produção animal convencionais.

Existem certamente ainda inúmeras lacunas de conhecimento sobre os sistemas biodiversos de produção agropecuária, levando em conta a necessária integração entre as dimensões ecológica e econômica. A pesquisa agroecológica ocupa um espaço ainda muito restrito e a construção do conhecimento em sistemas biodiversos, nessa linha, também é ainda escassa.

A compreensão do papel da biodiversidade e de suas inúmeras interações é fundamental para a sustentação dos sistemas produtivos complexos. O papel de cada espécie, seu lugar no sistema, suas interações, a variedade de produtos e seus manejos, colheita e processamento, a relação de sombreamento e produtividade, as alelopatias e sinergismos, a estratificação mais adequada e muitas outras questões devem ser foco de atenção da pesquisa.

Tendo em vista as questões levantadas, depreende-se que muitos avanços ainda são necessários no entendimento dos sistemas biodiversos, no sentido de compreender melhor sua estrutura e dinâmica, de ampliar nossa capacidade de idealizar desenhos inovadores, de monitorar indicadores que nos dêem a medida adequada dos avanços e insuficiências no constante caminho em direção à agroecologia e à sustentabilidade.

Entre as muitas trilhas de pesquisa para a compreensão e o fortalecimento dos sistemas biodiversos, arrisca-se aqui apontar algumas linhas de potencial interesse para a pesquisa transdisciplinar e participativa em sistemas agroecológicos biodiversos:

• Geração de conhecimento, a partir do esforço de articulação entre cientistas, extensionistas, técnicos de organizações sociais e agricultores, que considere as condições ecológicas e econômicas reais dos agricultores familiares e camponeses, tornando os resultados úteis e disponíveis para eles.

• Realização de levantamentos e sistematizações dos desenhos de sistemas biodiversos de referência, buscando mapear diferentes indicadores, como distribuição e alinhamento, densidade, número e características das espécies nativas, número e características dos cultivos, produtividade por produto, produtividade por sistema, resultados financeiros, índice de consumo familiar, participação no mercado, benefícios ecológicos locais e globais, etc.

• Estudo das interações ecológicas internas mais basais e relevantes na estrutura dos sistemas biodiversos reais (como por exemplo estudos sobre materiais genéticos resilientes, controle biológico natural ou estratégias de reposição da fertilidade).

• Análise das relações econômicas fundamentais relacionadas aos sistemas biodiversos, em especial à análise de viabilidade econômica e à formulação de índices de desempenho dos sistemas complexos;

• Constituição do estado da arte das principais abordagens e ferramentas metodológicas disponíveis, com potencial para a análise e desenho de sistemas biodiversos e, paralelamente, iniciar processos únicos de inovação metodológica;

• Constituição de subsídios potencialmente úteis na formulação de legislações e políticas públicas de apoio ao desenvolvimento de sistemas produtivos biodiversos.

A despeito das lacunas de conhecimento ainda existentes, há um grande campo de ação no sentido de idealizar e aplicar análises integradoras, focadas nas relações entre os elementos constituintes de um agroecossistema. As maiores contribuições que um trabalho desses pode trazer é a evolução das formulações teóricas e epistemológicas e a

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melhoria da consistência metodológica na construção do conhecimento aplicado em sistemas diversificados.

A expansão dos sistemas biodiversos, no futuro, poderá criar soluções comunitárias e territoriais pelo potencial que têm de transformar a paisagem e constituir fator de redução da fragilidade de ecossistemas.

Referências

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AGROFLORESTAS, CLAREIRAS E