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O papel do sagrado e do religioso no enfrentamento

Atendendo à sugestão da Professora e Dra. Patrícia Pazinato, quando da apresentação desta dissertação, inclui-se este capítulo para possível reflexão sobre o sagrado e o religioso.

Fez-se uso de artigo intitutado “Religião, enfrentamento e cura: perpectivas psicológicas” (PAIVA, 2006) e de material utilizado pelo Professor e Dr. Geraldo José de Paiva (2010), no curso “Psicologia e religião nos modos de lidar com a vida segundo Keneth Pargament” (Núcleo de Estudos e Desenvolvimento em Psicoterapia - FMUSP), que a autora desta dissertação teve o privilégio de participar. Trata-se do “Papel do sagrado no enfrentamento religioso”. Nele, Paiva comenta que Pargament fornece mais de uma explicação para a particular eficácia da religião no enfrentamento das situações estressantes. Enfatiza que, num texto de 1990, Pargament atribuiu esta eficácia à versatilidade das religiões, no sentido de que, simbólicas, abstratas e misteriosas que são, podem adaptar-se a uma variedade

infinda de situações estressantes e de pessoas estressadas. Na sequência, afirma que, num texto de 1996, Pargament dá um passo além e atribui tal eficácia da religião no enfrentamento aquilo que a religião tem de peculiar, aquilo que não se subordina a nenhum outro fim, aquilo que dá sentido e importância, a saber, o sagrado.

Paiva escreve sobre as dificuldades para se entender o papel do sagrado no enfrentamento religioso, enumerando-as:

A primeira dificuldade: há equivalência entre sagrado e religioso?

A segunda: se houver equivalência, a psicologia pode atingir o religioso? A terceira: se não houver equivalência, a psicologia pode atingir o sagrado? Na tentativa de responder à primeira questão, argumenta sobre a dificuldade de ordem semântica e filológica. E explica que o termo “sagrado”, como substantivo, “o” sagrado, surge apenas no final do século XIX, no âmbito das ciências da religião, como termo erudito, culto e especializado. Enfatiza que os estudiosos estabeleceram uma dupla origem erudita à substantivação de “o sagrado”: primeiro o romantismo alemão, que culminou em Rudolf Otto, com sua obra “Das Heilige”, “O Sagrado” e segundo a sociologia francesa de Durkheim, que atribui à sociedade (e não ao indivíduo) a constituição da religião, e criou a dicotomia sagrado/profano, que não existia antes dele.

Para Paiva o termo “sagrado” é antes de tudo um adjetivo. Sagrado é o objeto, a pessoa, o local, o rito, o utensílio reservado para a divindade. Não é, pois, o sagrado que dá origem à religião, mas a religião que dá origem ao sagrado. Na acepção moderna, pois, o sagrado é uma reminiscência do religioso. Também escreve que o substantivo “o sagrado” entrou na linguagem e que este é utilizado contemporaneamente em diversas formulações: experiência do sagrado, sentido do sagrado, retorno do sagrado e outras. A utilização do substantivo mantém um resquício de erudição, de indefinição e de memória religiosa.

Porém, Antoine Vergote (1974), mencionado pelo autor, esclarece, através de “Equívocos e articulação do sagrado” o sentido legítimo do termo. Segundo Vergote, o sagrado refere-se às realidades profundas e invioláveis, de que o homem é beneficiário e garante, as quais interessam ao indivíduo e à coletividade, e que têm de ser defendidas. Tais realidades são, por exemplo, o nascimento e a morte, o casamento, a família, a pátria, os direitos humanos, a liberdade do pensamento, e várias outras. Sua caracterização como “sagradas” não provém de uma instituição

ritual e não implica a adesão a uma entidade divina. São da ordem humana. Respondendo à primeira questão, “se há equivalência entre sagrado e religioso”, Paiva declara que a resposta é negativa.

O sagrado não se opõe apenas ao “profano” de Durkheim e de Mircea Eliade, mas também ao religioso.

Para Geraldo Paiva, na hipótese da equivalência entre sagrado e religioso surge uma questão epistemológica. E comenta que o religioso se define pela intencionalidade do agente e da ação em relação a um objeto transcendente ou sobrenatural. Essa transcendência é graduada: como Deus, poderes supremos, energias cósmicas, espíritos, anjos, antepassados, almas dos falecidos... O que é comum, e distintivo da relação religiosa, é que todos esses objetos são “sobrenaturais”, isto é, escapam ao cotidiano. Ele questiona a possibilidade da ciência e, em particular, a Psicologia atingir o objeto religioso. Pois, o princípio da “abstenção do transcendente”, consagrado nos estudos psicológicos desde o início do século XX, estabelece que as ciências empíricas lidam com a realidade mundana e não com uma realidade transcendente.

Paiva afirma então, que não é possível à Psicologia estabelecer a eficácia particular de um recurso religioso, enquanto propriamente religioso. E ressalta ainda a indistinção que Pargament parece manter entre o propriamente religioso e o propriamente sagrado. Porém, infere que essa dificuldade não exclui a possibilidade de um juízo propriamente religioso do enfrentamento. Apenas a coloca num outro âmbito, o da teologia e dos profissionais religiosos. E declara que ”Há, assim, epistemológica e profissionalmente lugar para todos...”.

Dando sequência à sua exposição, Paiva afirma que “se, admitirmos a não equivalência entre sagrado e religioso, estaremos retirando do “coping religioso” sua peculiar eficácia.” Pois, esta caracterização do sagrado, como realidade certamente mundana, mas inquestionável, é suficiente para garantir a particular eficácia do coping “religioso” ou “sagrado”.

Para Paiva a espessura do sagrado o situa quase na extremidade da mundanidade e essa posição garante, de um lado, seu acesso pela ciência empírica e, por outro lado, seu papel mobilizador de energias insuspeitadas no dia a dia do ser humano, graças ao valor inquestionável do sagrado.

A posição do sagrado “na extremidade da mundanidade” permite-lhe uma função psíquica que Vergote aproxima à função do “espaço transicional” que

Winnicott analisou no desenvolvimento da criança. Esse seria um espaço potencial, não no sentido de engano, mas no sentido de possibilidade de realização do desejo.

Winnicott não hesita em afirmar que essa transicionalidade ocorre também em outras passagens, como entre o trivial e a arte, a percepção ingênua e a ciência. Com base na análise winnicottiana, Vergote sugere que o sagrado pode ser descrito como o domínio transicional entre o mundo profano e o Deus da religião.

O autor finaliza declarando que essa sugestão vem ao encontro dos esforços epistemológicos, teóricos e empíricos dos estudiosos do enfrentamento religioso, com destaque de Pargament, e parece oferecer uma solução às dificuldades expostas acima, tratando-se do estudo do religioso e do sagrado no enfrentamento.

A autora desta pesquisa percebeu que as idéias de Paiva encontram respaldo em material que está sendo estudado pela mesma, em grupo de estudos (Psicologia e Religião), na PUC de São Paulo, e anexa no final da pesquisa capítulo do livro

Terror and Transformationção (JONES, JAMES WILLIAM, 2002).