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Uma orientação para a psicoterapia espiritualmente integrada

3.6 Espiritualidade como recurso para o enfrentamento

3.6.3 Uma orientação para a psicoterapia espiritualmente integrada

A psicoterapia espiritualmente integrada incorpora a espiritualidade como uma dimensão vital na vida de muitos clientes. A espiritualidade, neste contexto, diz respeito a um conjunto de caminhos que a pessoa segue em busca do sagrado. A psicoterapia espiritualmente integrada é fundamentada na apreciação do terapeuta pela dimensão espiritual do cliente e seu extensivo potencial, ela assume que a espiritualidade está atrelada frequentemente aos problemas que o cliente traz à psicoterapia; às soluções para estes problemas e aos contextos culturais e sociais dos clientes. Problemas espirituais podem ser entendidos como a causa de problemas psicológicos, ou o resultado final de problemas psicológicos.

Psicólogos têm focado mais atenção nos papéis potencialmente problemáticos da espiritualidade do que nas maneiras em que a espiritualidade pode ser impactada por problemas psicológicos.

Geralmente, sofrimento psicológico e sofrimento espiritual, caminham juntos. Observações clínicas e algumas pesquisas empíricas apontam para algumas conexões entre os dois domínios:

1. Depressão tem sido associada a percepções de perda do sagrado, auto degradação espiritual e sentimentos de alienação, punição de e fúria em relação a Deus (Koenig, 1995);

2. Ansiedade tem sido associada à confusão espiritual e dúvida, num relacionamento inseguro com Deus, rigidez e estreiteza espiritual, como convicções em um deus menor que não aceita algo menos que a perfeição

(Greenberg e Witztun, 2001; Kooistra e Pargament, 1999; Nielsen, Johnson e Ellis, 2001);

3. Dependências do álcool, drogas ou sexo podem ser entendidas como formas de idolatria, nas quais falsos deuses preencheram rapidamente o vazio deixado pela perda do sagrado (Coleman, 1986; Yau, 2003);

4. Transtornos alimentares tem sido teoricamente ligados a percepções de punição de Deus, sentimentos de falta de valor próprio e vergonha, medo do abandono por Deus, dificuldade de rendição espiritual e devoção a um falso deus (Richards et al., 2007);

5. Conflitos matrimoniais podem estar vinculados as diferenças não resolvidas entre as aspirações sagradas de cada parceiro, como uma discórdia espiritual, intolerância e inflexibilidade (Butler e Harper, 1994, Yane, 2003);

6. Violência tem sido associada a percepções de profanação, conflitos espirituais interpessoais, extremismo espiritual, deuses menores, demonização e narcisismo (Mahoney, Pargamet, Ano, Lynn, 2002; Pargament, Trevino, Mahoney e Silberman, 2007; Peck, 1998);

7. Doenças mentais graves são, às vezes, acompanhadas por percepções de perda do sagrado e violação, sentimento de punição por Deus ou por forças diabólicas, uma falta de apoio religioso, confusão espiritual e dúvidas (Lindgren e Courcey, 1995).

Segundo o autor, nos EUA, “os terapeutas tem sido relutantes em avaliar os recursos espirituais de seus clientes na psicoterapia” (PARGAMENT, 2007, p. 186). Em contraste, a psicoterapia espiritualmente integrada traz o pressuposto que o processo de mudança será alargado, aprofundado, fortalecido e enriquecido ao prestar atenção explícita à espiritualidade como uma fonte de soluções de problemas

Clientes não entram na psicoterapia como existências isoladas, eles são acompanhados por uma maneira de enxergar o mundo que é, em parte, o produto de um contexto maior, feito de vários ingredientes: gênero, etnia, idade, família, amigos, congregação, comunidade e cultura. Este ponto é especialmente importante para frisar o âmbito do espiritual. A busca pelo sagrado sempre se desdobra dentro de um campo de forças maiores, mesmo que os clientes as desconheçam ou reajam

contra elas. A identificação da religiosidade do cliente ou falta desta é uma parte fundamental do contexto que ele traz para a terapia.

Há o perigo de se fazer uso de estereótipos com relação aos grupos religiosos, que podem informar erroneamente e iludir. Dentro de qualquer tradição encontram-se diferenças entre os membros nas maneiras em que eles entendem e praticam os ensinamentos de sua fé. Portanto, por mais importante que seja o entendimento das denominações religiosas, esse entendimento não substitui a necessidade de uma atenção mais próxima e cuidadosa para a maneira que cada cliente vive sua tradição.

A espiritualidade está embutida num contexto maior que a denominação religiosa. Gênero, idade, etnia, família, comunidade e cultura são também partes do contexto que os clientes carregam para a terapia, e cada um desses fatores pode modelar a espiritualidade. A psicoterapia espiritualmente integrada direciona a atenção para o poder do gênero e muitas outras forças que definem o contexto do cliente, moldando os caminhos em que a espiritualidade é experimentada e expressa.

Muitos terapeutas tentam separar a espiritualidade da terapia ou manter uma neutralidade terapêutica. Mas a separação e a neutralidade são impossíveis, particularmente no âmbito espiritual, porque a espiritualidade dialoga com os pressupostos mais fundamentais da vida, as crenças mais profundas, e os temas mais sagrados. Consciente ou não sobre isto, a espiritualidade do terapeuta permeia seu entendimento sobre pessoas, problemas e mudanças. A psicoterapia espiritualmente integrada torna explícita a importância da própria posição do terapeuta em relação à espiritualidade. Terapeutas variam em seu próprio grau de integração espiritual. O terapeuta espiritualmente desintegrado pode não perceber oportunidades valiosas para mudança ou exacerbar, sem querer, os problemas do cliente. Em contraste, o terapeuta integrado espiritualmente pode contar com seu entendimento sobre a espiritualidade, e sua abordagem como uma fonte poderosa para a mudança.

Dois tipos de desintegração espiritual são particularmente perigosos para os terapeutas: intolerância espiritual e ignorância espiritual.

Intolerância espiritual pode se revelar em duas orientações terapêuticas em relação à espiritualidade: rejeição e exclusivismo. Rejeição supõe que a espiritualidade é uma problemática inerente, uma fonte de patologia que deve ser

combatida, desencorajada ou substituída por uma perspectiva mais saudável. A rejeição pode tomar a forma de um discurso claramente antagônico em relação à crença religiosa do cliente, pode se revelar na insensibilidade clínica e se manifestar na recusa em levar questões espirituais a sério. A rejeição negligencia o valor distinto da espiritualidade na psicoterapia, é incompatível com a conduta ética de psicólogos e cria incompatibilidade terapêutica com grande número de clientes que veem o mundo através de uma lente espiritual e buscam terapeutas que serão respeitosos para com suas crenças e valores mais básicos (PARGAMENT, 2007, p. 191).

O conhecimento espiritual, a abertura e a tolerância, o autoconhecimento e autenticidade são quatro qualidades essenciais do terapeuta integrado espiritualmente. Portador de uma perspectiva coerente, flexível, profunda e ampla sobre a espiritualidade; uma apreciação pela riqueza e diversidade da espiritualidade; uma consciência do papel da espiritualidade na vida dos clientes e terapeutas; dos processos de terapia, e a vontade de se abrir autenticamente no tratamento, o terapeuta espiritualmente integrado se torna outra fonte poderosa ao cliente, uma fonte capaz de facilitar uma mudança profunda.

A psicoterapia espiritualmente integrada torna explícita a dimensão espiritual do encontro do terapeuta com o cliente. É uma abordagem terapêutica que aumenta e enriquece várias formas de terapia focando mais atenção explícita na dimensão espiritual das pessoas, seus problemas, seus recursos e o processo de mudança. É multimodal, se inspira em vários mecanismos de mudança de muitas tradições e pode ser integrada num vasto tipo de terapias.

O propósito da avaliação espiritual na terapia é estabelecer um plano de ação para incluir a espiritualidade no acompanhamento psicológico. Para isso alguns elementos são importantes: preparar o caminho para o diálogo sobre a espiritualidade, a avaliação inicial sobre a espiritualidade, as avaliações implícita e explícita da espiritualidade.

Parte-se do pressuposto que a terapia é um encontro assimétrico e que a mesma não é a primeira procura de ajuda para a maioria das pessoas. O terapeuta precisa ser convidado para entrar no mundo do cliente e este convite precisa ser conquistado através da abertura honesta para aprender e para compartilhar. E que o terapeuta não deve imaginar que conhece a espiritualidade de seu cliente porque conhece a denominação religiosa dele, ou porque „traduz‟ a linguagem do cliente

sobre a divindade. O diálogo espiritual é uma via de duas mãos. O terapeuta precisa estar aberto ao cliente, inclusive com suas vivências, mas com atenção para o fato de que a vida do terapeuta não é o foco da terapia. O terapeuta deve ter cuidado e clareza sobre como e quando pode se revelar, e sempre a serviço do cliente. O cliente tem o direito de saber a religião do terapeuta.

O terapeuta sempre responde diretamente as questões dos clientes, sem muita profundidade, pois a conversa inicial sobre a espiritualidade não deve ser muito extensa, deve apenas dar informações para o cliente para que ele decida mais claramente se quer trabalhar com esse terapeuta. A autorevelação por parte do terapeuta é também apropriada para ajudar o cliente a determinar se o terapeuta pode ajudá-lo a alcançar seus objetivos na terapia.

A espiritualidade deve ser abordada, especialmente em quatro áreas importantes: a importância da espiritualidade para o cliente; a importância da afiliação ou da comunidade religiosa para o cliente; a importância da espiritualidade para o problema que ele vive; a importância da espiritualidade para a solução desse problema.

Numa primeira entrevista, essas questões não devem se destacar demais das outras que visam conhecer o cliente e seu momento, ou seja, elas devem ser colocadas no correr da conversa.

Para fazer uma avaliação explícita da espiritualidade, o terapeuta foca direta e extensivamente o lugar da espiritualidade na vida do cliente, através de questionamentos que possibilitem entendimento, por parte do terapeuta, sobre como a espiritualidade contribui para os problemas e para as soluções do cliente, observa- se que essas questões podem levar a idéia de como o cliente integra sua espiritualidade na sua vida como um todo.

O autor levanta grupos de questões para avaliar a espiritualidade do cliente. Essas questões não são necessariamente para serem feitas diretamente ao cliente, mas, antes, orientações para o pensamento clínico do terapeuta. O terapeuta deve saber onde está o cliente na busca pelo sagrado; qual o grau de integração da espiritualidade; deve verificar a eficácia da espiritualidade do cliente, incluindo o nível de conforto espiritual e o grau no qual a espiritualidade leva a resultados valiosos e finalmente e o terapeuta precisa detectar qual o papel que a espiritualidade poderá ter na terapia.

A busca ao sagrado propicia uma série de emoções, positivas e negativas. É especialmente, importante considerar as últimas, as negativas, porque elas têm um grande poder na vida das pessoas: anos de santidade se perdem em simples pecados, é mais fácil sujar-se que purificar-se. Conflitos espirituais não levam necessariamente a maus prognósticos, eles podem também ser prenúncios de crescimento e desenvolvimento espiritual.

São muitas as estratégias para obter informações sobre o meio em que se desenvolveu a espiritualidade do cliente. Desde uma autobiografia espiritual até um genograma que mostre a estrutura religiosa da família ao longo das gerações. Pode- se complementar essas informações, provenientes do cliente, com informações de outras fontes, como leituras, pesquisas sobre as diferentes religiões, colheita de informações com familiares. A família e a comunidade religiosa à qual se filia o cliente podem ser chamadas para ajudar na terapia.

A avaliação espiritual é um processo que se dá na relação entre terapeuta e cliente. O diálogo floresce numa atmosfera de verdade, respeito e abertura para escuta e compartilhamento. É importante ter algumas questões iniciais sobre a espiritualidade, dada a importância que ela pode ter no tratamento.

“Perguntando sobre onde o cliente está na busca pelo sagrado, como a espiritualidade pode ser parte da solução para os problemas do cliente e como a espiritualidade pode ser parte ou o problema, o terapeuta poderá inferir como a espiritualidade pode ser mais adequadamente conduzida na terapia” (PARGAMENT, 2007, p. 221).