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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA

3.3 O PEDAGOGO E A INTEGRAÇÃO CURRICULAR

Se por um lado o caráter interdisciplinar da escola abarca a confluência e a comunicação das inúmeras disciplinas que compõem o currículo, também o trabalho educativo torna-se interdisciplinar não apenas na medida em que trabalha a aproximação, pelo ensino, das ciências, mas quando é composto por profissionais

9 Além desse aspecto, vale destacar que a realização de um currículo integrado depende de outras

práticas e processos, não sendo garantido apenas por meio de um enfoque interdisciplinar dado ao trabalho.

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em suas diferentes áreas que, unindo os múltiplos conhecimentos técnicos, promovem a integração dos processos de ensino, pesquisa e extensão.

Dentre os inúmeros profissionais que compõem esse todo educativo, elencamos como objeto de análise o trabalho do Pedagogo.

Segundo Libâneo (2010, p. 30), a

pedagogia é o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação, isto é, do ato educativo, da prática educativa concreta que se realiza na sociedade como um dos ingredientes básicos da configuração da atividade humana. Neste sentido, educação é o conjunto das ações, processos, influências, estruturas, que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes.

Partindo dessa visão de educação, vinculada à questão central do trabalho, tem-se que o papel do pedagogo tem como objetivo facilitar o processo educativo e, especialmente no que tange aos objetivos dessa pesquisa, permitir a existência de convergências necessárias aos inúmeros campos do conhecimento objetivando uma educação integrada.

Sendo assim, Libâneo (2010, p. 37) afirma que “é a pedagogia que pode postular o educativo propriamente dito e ser ciência integradora dos aportes das demais áreas [...] embora não ocupe lugar hierarquicamente superior às outras ciências da educação, tem um lugar diferenciado” (grifo nosso).

No sentido desse movimento integrador entre as inúmeras ciências, através do pedagogo e sua profissionalidade, podemos encontrar um caminho para a possibilidade de integração curricular entre conteúdos e componentes curriculares nos mais diversos cursos técnicos integrados ao ensino médio. A ideia de integração curricular consiste, então, na ruptura com velhas práticas estruturadas, dicotômicas e mecanizadas presentes no cotidiano dos currículos escolares tradicionais.

Assim, defendemos ser necessário, a partir dessa ideia de ruptura, buscar soluções que viabilizem um currículo integrado, múltiplo e flexível capaz de promover, por meio da interdisciplinaridade e de práticas pedagógicas coletivas e compartilhadas,

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novos caminhos educativos e novas formas de se elaborar o trabalho pedagógico, objeto central de investigação dessa pesquisa.

Esta perspectiva de trabalho educativo, em que as rupturas estruturais tendem a imprimir rupturas na ordem social estabelecida, encontra eco na obra de Gramsci (2001, p. 49), quando afirma que

A escola tradicional era oligárquica já que se destinava à nova geração dos grupos dirigentes, destinada por sua vez a tornar-se dirigente: mas não era oligárquica pelo seu modo de ensino. Não é a aquisição de capacidades de direção, não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nestes estratos numa determinada função tradicional, dirigente ou instrumental. Se se quer destruir esta trama, portanto, deve-se não multiplicar e hierarquizar os tipos de escola profissional, mas criar um tipo único de escola preparatória (primária-média) que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o, durante este meio tempo, como pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige.

É, portanto, através do modelo “unitário” de ensino proposto por Gramsci, da constituição do princípio do trabalho pensado por Marx e mediante os pressupostos pedagógicos da interdisciplinaridade que se assenta essa investigação.

Considerando-se como lócus da pesquisa o Instituto Federal do Espírito Santo - Campus Piúma, especialmente o Curso Técnico em Aquicultura Integrado ao Ensino Médio, entendemos necessária a promoção de uma educação integral que rompa dualidades e dicotomias e, principalmente, se distancie da formação reducionista de preparação apenas para o mercado do trabalho. Não se trata, portanto, da prática tradicional de ensino-aprendizagem, mas de formação sustentável para o avanço da educação, por meio do que Vazquez (2011) chamou de práxis, na atividade teórico-prática.

Por conseguinte, considerando-se o processo de educação integral em sua efetividade no cotidiano escolar, temos que o trabalho docente, amparado na orientação pedagógica, poderá encontrar subsídios necessários para a realização de um outro currículo, um outro método e, portanto, um outro ensino.

Por isso Pimenta (1991, p. 148) afirma que o pedagogo, na posição de orientador escolar,

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se configura como mediação entre a organização da escola e o trabalho docente de modo a garantir as condições favoráveis à consecução dos objetivos pedagógicos-políticos da educação escolar efetivados pelos conteúdos, pela metodologia e pelos objetivos.

Em face do trabalho do pedagogo, a educação técnica e profissionalizante, na perspectiva do que Marx chamou de educação politécnica, deve ser constantemente pensada e discutida, especialmente quando se busca a efetiva integração do currículo nos moldes do ordenamento legal. Cabe ressaltar, também, que o trabalho do pedagogo, segundo Libâneo (2010, p. 29-30), não se restringe apenas aos

[...] processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso [...] tem um significado bem mais amplo, bem mais globalizante. [A pedagogia] é um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa, implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa.

Assumir a historicidade do processo pedagógico, conforme cita Libâneo (2010), é, também, assumir inegavelmente o aspecto político que permeia todo o processo. Acreditamos, por isso, que Gadotti (2006) finaliza sua obra “Concepção Dialética da Educação” postulando que o trabalho educativo é transformador porque é essencialmente político – e é o político que é transformador.

Essa transformação pela via educativa, portanto, parte, dentre outros, de um trabalho pedagógico do pedagogo nos diversos contextos em que a sua profissionalidade se apresenta e para os quais sua contribuição especializada agrega valores, conhecimentos e competências.

Por isso, segundo Geglio (2006, p. 115), o trabalho do pedagogo “exerce um relevante papel na formação continuada do professor em serviço” visto que “sua função [...] é planejar e acompanhar a execução de todo o processo didático- pedagógico da instituição”. Nesse processo de formação pedagógica dos docentes, cabe ao pedagogo “discutir questões e problemas pedagógicos, isto é, pertinentes à sala de aula, ao conteúdo de ensino, ao desempenho dos educandos e ao relacionamento com os alunos” (Idem, 2006, p. 117).

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Nesse compasso, as atribuições do pedagogo ramificam-se por diversas frentes de trabalho no meio escolar que vão desde o “acompanhamento pedagógico dos alunos, o atendimento aos professores, aos pais, a preparação das reuniões pedagógicas [...] à análise de materiais e livros didáticos” (GEGLIO, 2006, p. 115). Por isso, as atividades desempenhadas pelo pedagogo devem ir para além das questões burocráticas que se instauram no âmbito da sua sala ou da sala dos professores. É preciso que o pedagogo, cotidianamente, afirma Geglio (2006, p. 115), “concretize sua ação no acompanhamento das atividades dos professores em sala de aula, pois isto lhe dá oportunidade de discutir e analisar os problemas decorrentes do contexto, com uma perspectiva diferenciada e abrangente”.

Importante ressaltar que esses processos de formação docente, direcionados pelo pedagogo, retroalimentam o trabalho pedagógico cotidiano da escola e contribuem para uma formação, ao mesmo tempo, da própria profissionalidade do pedagogo, ou seja, “à medida que ele contribui para a formação do professor em serviço, ele também reflete sobre sua atuação e, consequentemente, está realizando a sua autoformação continuada” (GEGLIO, 2006, p. 118).

Nesse sentido, a atuação dos pedagogos quanto à formação pedagógica dos professores deve basear-se em objetivos claros para o processo de ensino tendo em vista que, de acordo com Saviani (1985, p. 28), “o pedagogo é aquele que domina sistemática e intencionalmente as formas de organização do processo de formação cultural que se dá no interior das escolas”. Assim, ainda que muitos trabalhos pedagógicos sejam desenvolvidos pelo coletivo de profissionais da unidade escolar, cabe necessariamente ao pedagogo refletir e elaborar as intervenções necessárias que garantam aos demais atores do contexto educacional atingirem a finalidade maior do processo de ensino.

Pimenta (1985, p. 34) reforça essa importância dos pedagogos nas unidades escolares, em especial, porque

Os pedagogos são profissionais necessários na escola: seja nas tarefas de administração (entendida como organização racional do processo de ensino e garantia de perpetuação desse processo no sistema de ensino, de forma a consolidar um projeto pedagógico – político de emancipação das camadas populares), seja nas tarefas que ajudem o(s) professor(es)

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no ato de ensinar, pelo conhecimento não apenas dos processos específicos de aprendizagem, mas também da articulação entre os diversos conteúdos e a busca de um projeto-político coerente.

A pedagogia, portanto, cita Libâneo (2010, p. 96), pode ser entendida como “teoria e prática da educação” pois “investiga os fatores reais e concretos que concorrem para a formação humana no seu desenvolvimento histórico, para daí extrair [...] formas de intervenção organizativa e metodológica” que culminam na ação educativa. A pedagogia é, portanto, a própria práxis educativa. A ela, ainda, e, nesse sentido, aos pedagogos, cabe a “reflexão problematizadora e unificadora dos problemas educativos, para além dos aportes parcializados das demais ciências da educação” (LIBÂNEO, 2010, p. 137).

Assim, o trabalho do pedagogo, ainda que complementar às demais ciências da educação no contexto escolar, possui um enfoque específico para tratamento das situações escolares que chegam até ele e que dele aguardam soluções.

Entretanto, é imperioso registrar que, por vezes, o trabalho do pedagogo fica obstruído, em meio às necessidades das unidades escolares, por atribuições que não deveriam ser sequer geridas – então, o que dizer de desempenhadas? – por esses profissionais.

Vasconcellos (2002, p. 86-87) delimita essas funções como negativas à profissionalidade do pedagogo, afirmando que o profissional não é

[...] fiscal de professor, não é dedo duro (que entrega os professores para a direção ou mantenedora), não é pombo correio (que leva recado da direção para os professores e dos professores para a direção), não é coringa/tarefeiro/quebra galho/salva-vidas (ajudante de direção, auxiliar de secretaria, enfermeiro, assistente social, etc.), não é tapa buraco (que fica ‘toureando’ os alunos em sala de aula no caso de falta de professor), não é burocrata (que fica às voltas com relatórios e mais relatórios, gráficos, estatísticas sem sentido, mandando um monte de papéis para os professores preencherem – escola de ‘papel’), não é de gabinete (que está longe da prática e dos desafios efetivos dos educadores), não é dicário (que tem dicas e soluções para todos os problemas, uma espécie de fonte inesgotável de técnicas, receitas), não é generalista (que entende quase nada de quase tudo).

Com a devida vênia, aos pensadores e escritores que são os interlocutores teóricos desta pesquisa, e mesmo aos interlocutores acadêmicos na pessoa da banca examinadora desta pesquisa, apensamos ao pensamento de Vasconcellos acima –

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especialmente pelo que ouvimos corriqueiramente nos ambientes escolares – que pedagogos também não são babás dos sujeitos em formação.

Por isso, delimitar e reforçar as funções e o papel do pedagogo em meio à instituição escolar ainda é uma necessidade real, conforme se abstrai do excerto acima. Definir as frentes de trabalho do pedagogo, seus instrumentos e raios de ação são medidas que urgem face ao advento de inúmeras estratégias capitalistas modernas que, por vezes, uniformizam os profissionais da educação, tanto em caráter como em capacidade e conhecimento.

É preciso lutar pelo que Saviani (2015, p. 79) chama de “pedagogia concreta”, que considera os indivíduos que com ela convivem “como sínteses de relações sociais [...] unidade da diversidade, uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”. Por isso o autor defende que “a pedagogia é o processo pelo qual o homem se torna plenamente humano” (SAVIANI, 2013, p. 66). Daí depreender-se que o processo pedagógico e, por conseguinte, o papel do pedagogo, sejam de suma importância para a efetivação do ensino.

Especificamente no Ifes, ambiente da pesquisa, as determinações legais para o desenvolvimento da atividade pedagógica estão elencadas no Regimento Interno dos Campi (IFES, 2016). O documento, no artigo 52, define que a Coordenadoria de Gestão Pedagógica, local onde boa parte dos pedagogos desenvolvem seus trabalhos, tem as seguintes competências:

I. implementar as diretrizes pedagógicas no campus;

II. colaborar com a Diretoria de Ensino e com as Coordenadorias de Curso no desenvolvimento de projetos de novos cursos e nas adequações que se fizerem necessárias aos existentes;

III. acompanhar os alunos no percurso de sua formação, dando-lhes a devida assistência e orientação para o seu melhor desenvolvimento acadêmico;

IV. contribuir para a consolidação do currículo das habilitações oferecidas pelo campus, mediante análise e compatibilização dos planos de ensino e sistematização de experiências e atividades educativas;

V. acompanhar e avaliar o desenvolvimento dos planos de ensino em articulação com as coordenadorias de cursos, bem como o desenvolvimento de pesquisa, pós-graduação e extensão;

VI. participar do processo de seleção de docentes;

VII. assessorar nas atividades de ensino, pesquisa e extensão; VIII. articular-se às coordenadorias de cursos com vistas à consolidação pedagógica do PPC;

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com as coordenadorias de cursos;

X. discutir e desenvolver atividades juntamente com a Coordenadoria de Atendimento Multidisciplinar para o acompanhamento dos alunos que exigirem assistência diferenciada;

XI. assessorar os docentes na busca da identificação das causas determinantes do baixo rendimento escolar;

XII. divulgar os planos e as atividades de ensino para a comunidade acadêmica; e

XIII. desenvolver as demais atividades definidas pelos Regulamentos da Organização Didática e por outros documentos do Ifes (grifos nossos).

A articulação entre o trabalho do pedagogo e a gestão pedagógica dos processos de ensino, além do assessoramento às atividades de pesquisa e extensão, fica mais uma vez evidenciada aqui por meio do documento institucional que disciplina a organização e o funcionamento dos campi que integram o Instituto Federal do Espírito Santo.

Evidencia-se, ainda, que os processos de integração do currículo, dos profissionais que compõem o ambiente pedagógico escolar ou mesmo das atividades pedagógicas, afora o ensino, desenvolvidas pelos Institutos Federais – pesquisa e extensão –, carecem do olhar especializado do pedagogo através da sua profissionalidade.

A lógica da integração, portanto, aliada ao trabalho pedagógico, em primeira instância, caminha no sentido da formação omnilateral do sujeito, do conhecimento dos diferentes contextos, do que é aprendido e apreendido e, sobretudo, das transformações que podem ser vivenciadas pelo sujeito e/ou por ele produzidas no meio social.

Gadotti (1987, p. 137) auxilia-nos nesse entendimento ao defender que

[...] na teoria dialética do conhecimento, o saber é um fato prático, social, portanto inacabado, em formação e reformulação no próprio ato dialógico do conhecer. A rigor, saber não se transmite; adquire-se (como a virtude) coletivamente. Não é um conjunto de dados tratados e sistematizados, prontos para serem consumidos. Essa teoria se constrói no trabalho, onde o homem transforma e recria o mundo. Por isso, não se trata, por exemplo, dentro de uma ótica dialética e popular, de oferecer às “camadas populares” o acesso a um supermercado do saber, sem discutir a visão de classe, o ordenamento desse saber.

O Pedagogo, nesses processos, traz consigo grande responsabilidade: a de, aliando o trabalho à educação no ensino integrado, fomentar processos didáticos, metodológicos e curriculares que garantam a efetivação de um ensino que permita

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ao educando partilhar do mundo complexo no qual se insere socialmente. Verza (2002, p. 7) explica que

Uma pedagogia interdisciplinar, melhor dito, complementar, aberta, pluralista e cooperativa se exige devido à complexidade da realidade. Entretanto, isto não dispensa o aprofundamento vertical de qualidade do conhecimento em nome da complexidade. Por outro lado, não se pode descurar de uma visão abrangente da complexidade da realidade em que participamos de diferentes maneiras. Há, pois, que se fazer caminho no processo prático de construir a pedagogia aberta, pluralista, cooperativa e “interdisciplinar”, isto é, na práxis participativa, aberta sempre em busca da convergência criativa e inovadora através do diálogo entre as áreas, saberes específicos e especializados. Importa superar modismos, assumindo atitude cooperativa, ousada e criativa. Não é tarefa a cumprir- se isoladamente, mas em equipe, em grupos solidários, cooperativos, abertos e capazes de interlocução entre as diferentes áreas do saber e “disciplinas” específicas.

Pensar uma educação integrada é pensar uma pedagogia dialógica capaz de, num mesmo sistema de ensino, convergir saberes múltiplos para a efetivação de um currículo integrado. Entretanto, a consideração do papel e do lugar do pedagogo se faz urgente considerando que “a caracterização de pedagogo stricto sensu é necessária para distingui-lo do profissional docente, já que todos os professores poderiam considerar-se [...] pedagogos lato sensu” (LIBÂNEO, 2010, p. 39). Isto implica aceitar que as práticas educativas, para além dos conhecimentos trazidos pelos professores nas suas mais distintas áreas, encontra determinada formalização e distinção do trabalho pedagógico do pedagogo, ainda que, conforme Libâneo (2010, p. 55), “todo trabalho docente seja um trabalho pedagógico”.

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