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PARTE I Os circuitos políticos da Corte

3.3. O princípio da unidade política

As críticas ao colonialismo começam a se adensar na segunda metade do século XVIII e, em Portugal, as primeiras soluções formuladas aos problemas colocados pela Ilustração surgem em seu principal circuito de opinião: a Academia das Ciências de Lisboa. Principal centro de assimilação desse novo pensamento e de adequação à realidade portuguesa, sua missão era “propagar as Luzes, que para este fim lhe subministra a natureza dos seus estudos, é tudo quanto podem, e devem fazer as corporações literárias”.74

Criada em 1779, foi responsável pela realização de um grande levantamento das condições naturais e econômicas do reino e de suas colônias.75

As memórias produzidas e divulgadas pela Academia das Ciências de Lisboa apreenderam as principais reflexões suscitadas pela situação do império português frente aos debates sobre novas teorias e doutrinas político-econômicas do cenário europeu. Divulgavam estudos da natureza americana com o objetivo pragmático de localizar a utilidade de cada região para a economia metropolitana, conferindo, desse modo, especificidade e identidade às distintas realidades coloniais. Mas, como lembrou José Luís Cardoso, esse movimento não possuía uma direção teórica coerente: “não havia uma estratégia de ação definida com rigor e programada em comum; não se comungavam princípios doutrinais perfeitamente assimilados; nada conferia unidade aos múltiplos esforços individuais, a não ser o objeto comum das suas

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A historiografia brasileira registra alguns momentos, nos quais os colonos arcaram com os custos da defesa das colônias, como ocorreu no período da Restauração Pernambucana, Cf. Evaldo Cabral de Mello. Rubro Veio.

O imaginário da restauração pernambucana. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997; e na reconquista de

Angola, Luís Felipe de Alencastro, op. cit., p. 209 e ss.

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José Corrêa da Serra. Discurso preliminar. Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa. Tomo I: 9-11. Banco de Portugal, Lisboa, 1990.

cogitações: inventário e descrição de situações econômicas e apresentação de propostas para a sua mudança”.76

A observação dos títulos das memórias, no entanto, revela a tentativa de responder aos questionamentos colocados pela crítica ilustrada ao colonialismo. O tema da decadência incomodava os estudiosos, estimulando a busca das causas e a formulação de respostas: Reflexões sobre a decadência da Ilha da Madeira e modo de a remediar, de autor anônimo; Memória acerca do Estado de decadência de Moçambique, de Lemos Pinto; Observações sobre a agricultura de São Tomé, de Batista da Silva. Em outra linha de abordagem, as descrições das condições naturais e econômicas das colônias ganhavam títulos menos objetivos, mas não menos substanciais como a Memória sobre a capitania de Minas Gerais, de Vieira Couto; Memória sobre o estado atual da capitania de Minas Gerais, de José Eloi Ottoni; Memória topográfica da Comarca de Ilhéus, de Baltasar da Silva Lisboa; Diário de viagem de Mato Grosso, de Ricardo Lacerda de Almeida; Descrição da capitania do Pará, de Manuel de Braun.77 A agricultura atraiu a maior parte das atenções, destacando-se o estudo de Domingos Vandelli, Memória sobre a agricultura do reino e de suas Conquistas.

A esses exemplos somam-se as preocupações com a mineração: Antonio Pires da Silva Pontes Leme escreveu a Memória sobre a utilidade pública de se extrair ouro das minas, sendo acompanhado pelo bispo Azeredo Coutinho, autor do Discurso sobre o estado atual das minas do Brasil. José Bonifácio denunciou os cortes descontrolados de madeira em seu estudo Sobre a necessidade e utilidade do plantio de bosques, criticando também os prejuízos causados pelo monopólio em sua Memória sobre a pesca da baleia. Além desses exemplos, os estudiosos dedicaram-se a temas relacionados à siderurgia, indústria, pecuária, comércio e aclimatação de plantas exóticas.78

A leitura desses textos permite a identificação das principais linhas teóricas seguidas por seus autores. Ao lado do pragmatismo e dos pressupostos cientificistas presentes nas análises, sobrepõe-se um ecletismo filosófico marcado pelo abandono da ortodoxia mercantilista e pela adesão aos princípios da Ilustração, da fisiocracia e da economia liberal, inspirada em Adam Smith.79 As abordagens traziam respostas aos problemas colocados pelo debate em torno do colonialismo: o fomento das atividades econômicas; a supressão dos obstáculos monopolistas e exclusivistas; a criação de uma maior integração entre metrópole e

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José Luís Cardoso. O pensamento econômico em Portugal nos finais do século XVIII, 1708-1808. Lisboa: Estampa, 1989, p. 38.

77 Cf. Fernando A. Novais, op. cit., pp. 225-227. 78

Ibidem.

79 Maria del Carmem Rovira. Ecléticos portugueses del siglo XVIII y algunas de sus influencias em América.

colônias; as preocupações com os tributos; e, por fim, o princípio da unidade do império, com a definição dos papéis desempenhados pelas colônias e pelo Estado. As reformas sugeridas nas memórias não afetavam as bases de funcionamento do sistema colonial: Portugal permanecia como entreposto para os produtos fornecidos pelas colônias. Era a formulação do mercantilismo que sofria os ajustes da filosofia das Luzes para suportar a crise política vivenciada pelas sociedades de Antigo Regime na Europa.

D. Rodrigo de Sousa Coutinho participou ativamente desse debate elaborando um dos pensamentos mais originais a respeito do colonialismo português. As reflexões propostas tanto pela Ilustração europeia, quanto as elaboradas pelos membros da Academia das Ciências de Lisboa compuseram o núcleo principal de suas análises e, principalmente, foram incorporadas em seu programa de reformas. Excetuando a copiosa correspondência dos períodos, nos quais atuou como Secretario de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801) e presidente do Erário Régio (1801-1803), suas preocupações com a questão colonial, sobretudo com a América portuguesa, aparecem sistematizadas em dois estudos: no Discurso sobre a verdadeira influência das minas e dos metais preciosos na indústria das nações que as possuem, e especialmente da portuguesa, apresentado à Academia de Ciências de Lisboa em 1789, e a Memória sobre o melhoramento dos domínios de Sua Majestade na América, apresentada aos ministros de Estado de D. João em 1797.80

Ao refutar as análises em que afirmavam ser a mineração a principal causa da decadência econômica das monarquias ibéricas, D. Rodrigo defendeu argumentos capazes de explicar a possibilidade do desenvolvimento das metrópoles, a partir de uma exploração pragmática das minas. É provável que tenha baseado sua análise nos estudos que já vinham sendo realizados por mineralogistas nascidos na América portuguesa, como José Bonifácio e Manuel Arruda da Câmara, que receberam incentivos do ministro Luís Pinto de Sousa Coutinho para a realização de uma viagem de instrução pela Europa.81

Na primeira parte de sua exposição, D. Rodrigo retoma as principais críticas elaboradas pelos partidários da fisiocracia e da economia política do século XVIII:

Todos os homens célebres, e do maior nome na literatura e política, que têm considerado a influência das minas dos metais preciosos na indústria das nações que as possuem, as têm reputado como a principal causa da decadência das mesmas nações, e da ruína da sua indústria. As rápidas fortunas, e quase sem trabalho que elas procuram, são a causa (dizem eles) de uma despovoação, que toda se converte

80 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Discurso sobre a verdadeira influência das minas e dos metais preciosos na

indústria das nações que as possuem, e especialmente da portuguesa (1789)”. In Andrée Mansuy-Diniz Silva (dir.). D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Textos políticos…, t. I, p.169-173; t. II, p. 47-66.

em dano do país que possui as minas; e quando depois acumulam, e aumentam o número das espécies, então fazendo crescer o preço dos artistas, dão o final golpe sobre a indústria.82

Ao reconher que a ilusão provocada pelo enriquecimento rápido provocou o despovoamento e a negligência de outras áreas de produção, D. Rodrigo identifica o problema não na mineração, mas na ausência de reinvestimento das rendas na indústria, no comércio e na agricultura, a exemplo do que ocorreu na “França, Inglaterra, Holanda, onde se sentem os efeitos de uma balança muito vantajosa”. Dialogando com Montesquieu reafirmava seu argumento:

É bem digno de reflexão, que Montesquieu, produzindo este argumento, não atendesse, que só podia ter força no caso de uma nação, que não tendo indústria pagasse uma balança desvantajosa com o produto das minas, que por conseqüência seria obrigada a pagar cada ano mais, mas não se podem justamente culpar as minas de um efeito independente delas. O argumento de Montesquieu perde inteiramente a sua força aplicado a uma nação que possuísse antes as artes, e indústria.83

Montesquieu referia-se ao caso espanhol que, evidentemente, guardava semelhanças com a situação de Portugal. A Espanha, na opinião do autor francês, havia tirado a maior das vantagens com a mineração da América, mas seu declínio foi inevitável por seus administradores acreditarem em “riquezas de ficção ou de signo”, ao invés de se dedicarem às “riquezas naturais”, como a agricultura.84

Com uma dose de ironia, comparou a Espanha ao mito grego do rei Midas:

Ouvi muitas vezes pessoas deplorarem a cegueira do Conselho de Francisco I, que recusou Cristóvão Colombo, que lhes propusera as Índias. Na verdade, fizeram, talvez por imprudência, coisa muito sábia. A Espanha agiu como aquele rei insensato que pedira tudo o que tocasse se convertesse em ouro e foi obrigado a voltar aos deuses para rogar-lhes que acabassem com sua miséria.85

Diante da constatação de que Portugal encaixava-se no caso das nações que abriram mão de investir nas manufaturas, D. Rodrigo procurou na história as verdadeiras causas da decadência portuguesa. Identificou o final do reinado de D. João III como responsável pelo princípio do declínio do comércio e o início da União Ibérica (1580-1640): “Os sessenta anos, em que prevalecendo a força ao direito, não vimos representar mais tristes cenas: o nosso rico comércio, as nossas colônias por uma mal entendida política se abandonaram aos inimigos do

82 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Discurso sobre a verdadeira influência...”, p. 169. 83

Ibidem.

84 Charles de Secondat Montesquieu, op. cit., Livro vigésimo primeiro, cap. XXII, p. 398. 85 Ibidem, p. 400.

Estado, unindo estas calamidades às outras que sofreram ao mesmo tempo todos os vassalos espanhóis”.86

Em concordância com o abade Raynal, D. Rodrigo atribuía ao Tratado de Methuen (1703) as principais causas da decadência de Portugal:

O reinado do senhor rei D. Pedro, época em que se descobriram as grandes minas do Brasil foi também a do tratado de Methuen, o qual destruindo todas as manufaturas do reino, e fazendo cair todo o nosso comércio nas mãos de uma nação aliada e poderosa, fixou contra nós a balança do comércio em tal maneira, que o imenso produto das minas foi limitado para a soldar. As minas retardaram por algum tempo sentir-se os efeitos daquele desigual tratado, e foram contudo culpadas, quando principiou a conhecer-se a ruína da indústria nacional[...].87

As primeiras tentativas de “remediar os abusos” do tratado ocorreram, em sua opinião, no reinado de D. José I, enxergando a continuidade das reformas no governo de D. Maria I, quando “as mais lisonjeiras esperanças nos fazem ver na sua régia sucessão perpetuado o bem público, e elevado o esplendor da nação tanto além da glória dos nossos maiores, quanto as Luzes do século décimo oitavo excedem às do décimo quinto, e décimo sexto”. Ciente de que não poderia abrir mão da atividade mineradora das colônias, D. Rodrigo compreendia que a chave para o seu melhor aproveitamento era incentivar as pesquisas científicas para localizar novos minérios, adequar as formas de extração e implementar uma reforma tributária menos onerosa para os colonos das áreas de mineração.88

Essa preocupação esteve presente nos ofícios expedidos de Turim, em 1786, para o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Luís Pinto de Sousa Coutinho. Com entusiasmo tratou da “utilidade das viagens mineralógicas e metalúrgicas, que para nós seria ainda mais visível, tendo tantas minas que cultivar no continente e nas colônias”, sugerindo a contratação de um “hábil mineralogista”, o Cavalheiro Napion, e um “hábil químico”, o doutor Bonvicino, que já gozavam de experiência na “fértil e rica mina de ferro de Angola”. O objetivo era que “em Portugal se procure por igual meio fazer hábeis metalúrgicos que possam dirigir as ricas e abandonadas minas que possuímos na África e na América, sem falar nas da Europa, que ouço serem muito abundantes e de excelente qualidade”.89

D. Rodrigo avança na polêmica em relação ao tema da mineração ao identificá-las não como um mal em si, mas ao percebê-las no conjunto das atividades produtivas

86 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Discurso sobre a verdadeira influência...”, p. 172. 87 Ibidem, p. 172.

88

Ibidem, p. 173.

89 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Recopilação dos ofícios expedidos de Turim no ano de 1786. In Andrée

portuguesas. Reconheceu as falhas de uma exploração sem investimentos nas manufaturas do reino, mas compreendia que esta não era uma razão para abandonar este importante ramo das finanças da Coroa portuguesa. O Discurso é assertivo ao afirmar a necessidade de investir na formação de técnicos hábeis que pudessem diversificar a mineração, investindo na produção de ferro, matéria-prima estratégica para o investimento nas manufaturas e fábricas do reino. A utilidade das minas para uma nação ficava demonstrada, assim como a noção de que o desenvolvimento da metrópole era uma condição para a assimilação das vantagens da exploração colonial.90

Oito anos depois da elaboração do Discurso sobre a verdadeira influência das minas, D. Rodrigo apresentou seu programa de reformas para o mundo ultramarino: a Memória sobre os melhoramentos dos domínios de Sua Majestade na América (1797). Consciente do peso do comércio colonial para a manutenção do equilíbrio econômico do reino, seu texto revela a preocupação com a reorganização das bases da exploração colonial e pode ser considerado um dos melhores exemplares teóricos dos princípios do mercantilismo ilustrado. Para além desses aspectos, a Memória inscreveu

[...] seu autor na discussão sobre o papel das colônias para o mundo europeu – no caso de Portugal era a dependência econômica – e de fazê-lo refletir numa via de modernização do Antigo Regime português que considerasse o fato de se ter e manter colônias. Como bem assinalava, o enlace natural entre o mundo ultramarino e o mundo português era bem diferente “de outras colônias, que se separaram da sua mãe-pátria”, sugerindo, de certo modo, que o modelo de modernização implementado pela aliada Grã-Bretanha não conseguiu preservar sua mais importante colônia.91

Travaria mais uma vez um duelo com as doutrinas que discutiam as vantagens e desvantagens de manter territórios coloniais, defendendo o “natural” vínculo existente entre Portugal e suas colônias ultramarinas. Apresentado para uma junta de ministros reunidos na casa do marquês de Ponte de Lima, presidente do Erário Régio, D. Rodrigo utilizou em seu discurso elementos da tradição colonial portuguesa inaugurada com os Descobrimentos, com as novidades teóricas da Ilustração, compondo um panorama da situação política do ultramar português capaz de sensibilizar sua platéia para os seus planos reformistas.

A justificativa para as suas preocupações encontrava-se na conjuntura vivida pelas monarquias europeias no final do século XVIII, marcada pelas contestações ao Antigo Regime e pela experiência concreta do rompimento dos vínculos entre o Velho Mundo e o Novo Mundo. Compreendia que era o momento propício para as mudanças, mas percebia que

90 Cf. Fernando A. Novais, op. cit., p. 236. 91 Nívia Pombo Cirne dos Santos, op. cit., p. 151.

estas seriam “semeadas em campo minado pelas insatisfações coloniais que se adensavam em fins do século XVIII”.92

Apresentada perante uma junta de ministros de Estado, a memória lembrava aos que ouviam atentos à leitura do texto que se vivia uma era de separações políticas entre “colônias” e “mães-pátrias”:

A feliz posição de Portugal na Europa, que serve de centro ao comércio do Norte e Meio-dia do mesmo continente, e do melhor entreposto para o comércio da Europa com as outras três partes do mundo, faz que este enlace dos domínios ultramarinos portugueses com a sua metrópole seja tão natural, quanto pouco o era o de outras colônias, que se separaram de sua mãe-pátria.93

Tocar no tema da emancipação política das treze colônias inglesas foi uma maneira que D. Rodrigo encontrou para sensibilizar seus ouvintes para a urgência das reformas que seriam anunciadas. Por essa mesma razão, lembrou que os vínculos naturais entre Portugal e as colônias foram constituídos graças ao “sistema dos primeiros reis desta monarquia” que souberam agraciar os domínios distantes com as “mesmas honras e privilégios que se concederam aos seus habitadores e povoadores”. Nas entrelinhas, a noção de um contrato entre o soberano português e os súditos ultramarinos que a partir de uma reunião dentro de um “mesmo sistema administrativo” formou um império de proporções oceânicas, no qual todas as províncias foram “estabelecidas para contribuírem à mútua e recíproca defesa da monarquia, todas sujeitas aos mesmos usos e costumes, é este inviolável e sacrossanto princípio da unidade”.94

A produção da Memória estava, portanto, diretamente relacionada com a instabilidade da política externa. Desde o envolvimento de Portugal na campanha contra o Roussillon, as despesas com os gastos nas campanhas militares aumentaram, complicando-se ainda mais depois do posicionamento da Espanha ao lado da França. A iminência de um conflito armado potencializava a necessidade de aumentar as receitas metropolitanas e, especialmente, continuar a reorganização da Marinha portuguesa, fundamental para a defesa de um império marítimo. As finanças não deveriam ser uma preocupação de D. Rodrigo, uma vez que não estava à frente da pasta da fazenda, no entanto, tinha consciência de que o equilíbrio financeiro dependia quase que exclusivamente dos lucros advindos dos tráficos coloniais, especialmente do Brasil.

92 Luciano R. de A. Figueiredo. “Das arcas coloniais ao Palácio de Queluz: dilemas luso-brasileiros no governo

da fazenda real nas Memórias do códice 807”. In Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 163 (416): 67-85, jul./set. 2002, p. 69.

93 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Memória sobre o melhoramento...", p. 48. 94 Ibidem, p. 49.

Alvo de muitas análises historiográficas dedicadas à conjuntura política do final do século XVIII, a Memória sobre os melhoramentos já foi suficientemente explorada.95 Mas, dentre as muitas possibilidades temáticas que o documento oferece, não se pode deixar de lado a preocupação com alguns princípios norteadores do programa reformista de D. Rodrigo. O primeiro é a valorização das colônias, da América portuguesa em particular, como princípio de prosperidade e como extensão territorial de uma metrópole pequena, apenas um “ponto de reunião e de assento à monarquia” que se estendia além das ilhas de Europa, para a África, a Ásia e ao Brasil.96

D. Rodrigo reproduzia em seu texto as lições aprendidas com D. Luís da Cunha que, para “preservar Portugal, o rei precisa da riqueza do Brasil mais do que da do próprio Portugal”, ou ainda, com Martinho de Melo e Castro, que tratando da defesa da colônia com o vice-rei Luís de Vasconcelos, afirmou: “[...] é demonstrativamente certo, que sem o Brasil, Portugal é uma insignificante potência; e que o Brasil sem forças, é um preciosíssimo tesouro abandonado a quem quiser ocupar”.97

Dos autores reformistas que leu, encontrava respaldo em Montesquieu que formulou algo parecido sobre a Espanha: “As Índias e a Espanha são duas potências com o mesmo senhor, mas as Índias são o principal, a Espanha não mais do que o acessório”.98

Do argumento sobre o peso dos territórios atlânticos, D. Rodrigo parte para a formulação de que as províncias ligadas a Lisboa formam o

[...] inviolável e sacrossanto princípio da unidade, primeira base da monarquia, que se deve conservar com o maior ciúme, a fim que o Português nascido nas quatro partes do mundo se julgue somente português, e não se lembre senão da glória e grandeza da monarquia a que tem a fortuna de pertencer, reconhecendo e sentindo os felizes efeitos da reunião de um só todo composto de partes tão diferentes que