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PARTE I Os circuitos políticos da Corte

1.2. Degustar e conversar: os convidados do ministro

1.2.2. Os conselheiros de Estado

A análise exposta acima ajuda a explicar os vínculos estabelecidos para a concretização de intenções individuais e, de modo mais alargado, as formas de cimentar alianças políticas e impor modelos de funcionamento da ordem pública. Em Portugal, bem como em outros sistemas de cortes europeias, verifica-se um mecanismo de trocas de favores entre esferas distintas de poderes que, em última instância, era regulado pelo rei, "senhor dos senhores, de cuja vontade dependia a concessão da maior parte dos bens mais 'apetecidos'".61 É dentro dessa lógica que devemos entender boa parte dos convites dos jantares de D. Rodrigo, como por exemplo, dos doze membros do Conselho de Estado: o duque de Lafões; os marqueses de Angeja, Castelo Melhor e Pombal; os condes de Resende,Vale de Reis e Pombeiro; os diplomatas D. Alexandre de Souza Holstein e D. Diogo de Noronha; um antigo vice-rei do Brasil, D. Luís de Vasconcelos e Souza; o presidente da Câmara de Lisboa, João de Saldanha de Oliveira e Souza e o cardeal-patriarca D. Francisco José de Mendonça.62

A ausência de atas relativas às reuniões do Conselho de Estado torna difícil a avaliação de sua importância política, bem como a identificação os jogos de influências formados em seu interior. Criada em 1562 pelo cardeal D. Henrique, a instituição era presidida pelo próprio monarca e suas atividades eram irregulares. No século XVIII, quando ocorreu a reforma das secretarias de Estado (1736), o órgão reduziu-se à reunião dos seus ministros correspondentes (Negócios Interiores do reino, Marinha e Domínios Ultramarinos,

60 Ângela Barreto Xavier e António Manuel Hespanha. "As redes clientelares". In António Manuel Hespanha

(coord.). História de Portugal: o Antigo Regime..., pp. 380-293, citação à p. 381.

61 Ibidem, p. 383.

Estrangeiros e Guerra).63 Sua recriação no reinado de D. Maria I, por decreto de 4 de julho de 1796, tinha por finalidade "atender às presentes ocorrências", uma referência evidente às instabilidades diplomáticas posteriores à assinatura do Tratado de Basiléia (1795).64 No entanto, a sua funcionalidade e o desempenho de seus integrantes como forças de oposição e consenso ainda carecem de investigação mais bem apurada.65

A instituição foi consultada pelo príncipe D. João com frequência, por meio de reuniões formais ou por solicitações de pareceres escritos por seus conselheiros.66 A atuação dos seus membros concentrou-se especialmente na discussão da política de neutralidade, tendo crescido à medida em que a situação política da Europa agravava-se. Um bom exemplo ocorreu em 1798, quando chegaram de Madri rumores sobre as pressões do Diretório para que a Espanha abrisse passagem para as tropas francesas marcharem rumo ao território português. As notícias não podiam ser piores, pois na mesma ocasião, o governo inglês, receando um desembarque francês na Grã-Bretanha, negou o envio de auxílio pedido pela Coroa portuguesa, retirando os três regimentos britânicos que faziam parte dos reforços concedidos no ano anterior.67 Nesta ocasião, o Conselho se reuniu por quatro vezes, em 20 de abril, 9 de maio, 22 de junho e 6 de novembro, aspecto que seria recorrente até às vésperas da transferência da Corte para o Rio de Janeiro em 1807.68

Além das consultas e decisões em torno da política externa, o Conselho de Estado parece ter influído também nas decisões de governo durante a regência joanina. Na correspondência com os governadores das capitanias encontram-se pareceres sobre assuntos coloniais, solicitados pela Secretaria de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, especialmente aos conselheiros que haviam atuado nas conquistas, como Luís de Vasconcelos e Sousa, D. Diogo de Noronha e o conde de Resende.69 Ainda sobre as diretrizes coloniais,

63

José Subtil. “Os poderes do centro”. In António Manuel Hespanha (coord.). História de Portugal: o Antigo

Regime..., pp.156-271, p.180, ver especialmente a nota 64.

64 Após a campanha do Roussillon (1792-1795) que uniu Espanha, Portugal e Grã-Bretanha contra a França, a

Coroa espanhola decidiu por negociar uma paz em separado com os franceses, assinando em 1795 o Tratado de Basiléia. Cf. Valentim Alexandre. Os sentidos do Império: questão nacional e questão colonial na Crise do

Antigo Regime Português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1993, p. 100-102.

65 O grupo integrava membros da nobreza titulada da Corte e chamam a atenção os vínculos familiares entre boa

parte deles: o marquês de Castelo Melhor e seus dois filhos, Luís de Vasconcelos e Souza e José Luís de Vasconcelos e Souza (conde de Pombeiro); João de Saldanha de Oliveira e Souza (morgado de Oliveira), cunhado do 3o marquês de Pombal; o cardeal-patriarca D. Francisco José de Mendonça e seu sobrinho o 6o conde de Vale de Reis.

66

Sobre as consultas frequentes ao órgão feitas por D. João, cf. Jorge Pedreira e Fernando D. Costa, op. cit., pp. 57-59.

67 Somava-se a esta situação o retorno das pressões francesas pela cessão de territórios no norte da América

portuguesa. Cf. Valentim Alexandre, op. cit., p. 115.

68

Cf. Jorge Pedreira e Fernando D. Costa, op. cit., pp. 57-58.

69 Minando a jurisdição do Conselho Ultramarino, aspecto fundamental da gestão colonial que ainda carece de

como aponta Andrée Mansuy-Diniz Silva, é provável que a nomeação de D. Rodrigo para a pasta do Ultramar, em 1796, tenha resultado de uma das primeiras reuniões do Conselho de Estado recriado naquele mesmo ano.70 Basta lembrar que entre os seus membros estavam seu primo D. Alexandre de Souza Holstein, seu amigo João de Saldanha de Oliveira e Sousa, o morgado de Oliveira, e o 3o marquês de Pombal, filho de seu padrinho Sebastião José de Carvalho e Melo. Ou seja: D. Rodrigo, como qualquer outro cortesão, também dependia para a sua existência social do sistema de troca de favores entre seus protetores na Corte.