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O problema e a sua relevância

No documento Relatório de Estágio: (páginas 54-61)

2. I NTERVENÇÃO EM CONTEXTO EDUCATIVO

2.1. D IMENSÃO INVESTIGATIVA

2.1.1. O problema e a sua relevância

O presente projeto de investigação nasce de um interesse e curiosidade pessoal da mestranda, relacionado com a temática das Ciências Naturais. Este gosto pessoal foi transferido para a dimensão profissional, crescendo uma vontade de contribuir para um melhor ensino das Ciências.

O ensino das ciências tem sido alvo de algumas “críticas por parte de educadores e construtores de opinião pública por se constatar que está longe de satisfazer as necessidades da sociedade atual dados os reduzidos níveis de literacia científica apresentados pelas populações” (Martins, 2002). Segundo Cachapuz (2000), os objetos de estudo devem passar a ser problemas abertos em que os alunos se devem envolver, desenvolvendo competências como a criatividade e o espírito crítico, atitudes e valores relevantes do ponto de vista pessoal e social. A educação em ciências, capaz de preparar os alunos para a compreensão do mundo e das inter-relações do conhecimento científico e tecnológico na sociedade (CTS) é um dos grandes objetivos a atingir. Deve ser dirigida a todos os alunos, com enfoque em ensinar o que é básico e ensinar como esse saber é importante (Martins, 2002).

Sendo os professores os agentes-chave de todo o sistema educativo, tudo aquilo que se vier a alcançar dependerá sempre das suas vontades e ações (condicionadas por conceções e crenças). Contudo, é fundamental que se aborde questões-problema com pertinência social, uma vez que, “o progresso em ciência depende, em grande medida, da compreensão e apoio público a um programa sustentado de educação em ciência e de investigação”

(Waterman, 1960).

A Literacia Científica é a capacidade que os cidadãos têm para compreender e apoiar projetos de ciência e tecnologia. Esta competência

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deve ser desenvolvida no âmbito da educação em ciências, prioritariamente dirigida a crianças, tendo em vista a relevância social e cultural da ciência numa sociedade cada vez mais científica e tecnológica.

Elevados níveis de literacia científica das populações apresentam um benefício ao nível social, manifestando-se na economia social, no próprio desenvolvimento da ciência, nas políticas de ciência e nas práticas democráticas. No que diz respeito aos benefícios ao nível individual, apresentam a capacidade de tomadas de decisão no âmbito dos estilos de vida, na empregabilidade, nos aspetos intelectual e estético, e na ética (Thomas & Durant, 1987; Shortland, 1988; Brooks, 1991; Nutbeam, 2008).

Nos princípios orientadores presentes no Programa Curricular de Estudo do Meio do 1.º Ciclo do Ensino Básico (Ministério da Educação, 2004) é possível verificar uma preocupação com a Educação Ambiental e são dadas orientações para o papel a desempenhar pelo professor:

“É ainda no confronto com os problemas concretos da sua comunidade e com a pluralidade das opiniões nela existentes que os alunos vão adquirindo a noção da responsabilidade perante o ambiente, a sociedade e a cultura em que se inserem, compreendendo gradualmente, o seu papel de agentes dinâmicos nas transformações da realidade que o cerca. Ao professor cabe a orientação de todo este processo, constituindo, também, ele próprio, mais uma fonte de informação em conjunto com os outros recursos da comunidade, os livros, os meios de comunicação social e toda uma série de materiais e documentação indispensáveis na sala.”

Ao realizar-se o projeto de investigação numa turma do 3.º ano de escolaridade, foi essencial analisar alguns dos manuais escolares mais adotados no nosso país, uma vez que de alguma forma influenciam e guiam a atividade dos professores. Verifica-se que as espécies vegetais abordadas são muitas vezes as mesmas e são utilizadas como exemplo para ilustrar situações semelhantes. Na tabela 1 apresenta-se uma síntese da informação recolhida nos manuais escolares, onde é possível verificar, para cada manual escolar, as

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espécies vegetais abordadas e as circunstâncias em que são referidas, assim como as sugestões de atividades experimentais e as espécies utilizadas.

Tabela 1 – Síntese das informações presentes em vários manuais escolares Manual Espécies Referidas Conteúdos

41 princípios orientadores desta área do saber, contudo centra-se em aspetos como: comparar e classificar plantas segundo alguns critérios, realizar experiências e observar formas de reprodução das plantas, reconhecer a utilidade das plantas e identificar alguns fatores do ambiente que condicionam a vida das plantas (Ministério da Educação, 2004). Na opinião da mestranda, a abordagem destes aspetos, embora sejam importantes e essenciais para a construção do conhecimento em Ciência, não englobam

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nem são abordados na maioria dos casos através de uma questão-problema.

Não apresentam uma dimensão que estabeleça relação com a sociedade ou com a tecnologia, tal como defendido na abordagem CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) presente nos documentos oficiai. Estes fatores levam a um ensino apenas “sobre” Ciência e não a um ensino de “como fazer” Ciência.

Não se pretende enunciar que a utilização das espécies em questão seja incorreta por ser tradicional, mas sim potenciar e melhorar a aprendizagem desta área da Ciência fazendo uso de questões reais e contextualizadas.

Outro dos aspetos que motivou a professora estagiária foi o facto de observar, como propostas de atividades experimentais, a utilização das mesmas espécies de plantas (feijoeiro e sardinheira). No seu entender poderá ser uma desvantagem, uma vez que não é dado a conhecer a diversidade de espécies existentes, são exploradas as mesmas características e não é feita nenhuma relação com contextos CTS.

Este projeto de investigação surge, assim, de uma tentativa de dar a conhecer a biodiversidade do nosso país, mas partindo da abordagem de problemáticas concretas e de caráter emergente na atualidade.

Reconhecendo que os recursos biológicos representam uma função vital importante para a humanidade e para o desenvolvimento socioeconómico, a diversidade biológica não deveria estar ameaçada em todo o mundo. A conservação da diversidade biológica e a sua utilização sustentável não é um tema novo nas agendas diplomáticas. Em junho de 1972, esta relação foi lançada pela primeira vez, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano, e em 1973, na primeira sessão do Conselho Governamental para o novo Programa das Nações Unidas para o Ambiente, onde identificaram a “conservação da natureza, da vida selvagem e dos recursos genéticos” como uma área prioritária (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, s.d.).

O reconhecimento e aumento da preocupação da comunidade internacional em relação à perda crescente e sem precedentes da diversidade biológica levou à criação de um instrumento vinculativo legal, com o objetivo

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de inverter a situação, dando origem à Convenção sobre a Diversidade Biológica. Os objetivos da Convenção incluem a “conservação da diversidade biológica, a utilização sustentável dos seus componentes e a partilha justa e equitativa dos benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos”.

Em Portugal foi homologada a Convenção através do Decreto-Lei n.º 21/93, de 21 de junho, entrando em vigor a 21 de março de 1994 (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, s.d.).

A extinção das espécies constitui uma parte natural do processo de evolução, mas a extinção resultante da ação deliberada e/ou involuntária do Homem poderá ter profundas implicações no desenvolvimento económico e social, sendo considerada uma tragédia ambiental, uma vez que este acelera as taxas de extinção. Cerca de 40% da economia mundial e 80% das necessidades dos povos dependem de recursos biológicos, para além destes dados, é de realçar que a nossa existência depende em absoluto dos recursos biológicos. Quanto mais rica é a diversidade biológica, maior é a oportunidade para descobertas na área da medicina, da alimentação, do desenvolvimento económico, e de serem encontradas respostas adaptativas às alterações ambientais. Uma das ameaças à biodiversidade na Europa é a introdução de espécies exóticas invasoras (Convenção sobre a Diversidade Biológica).

As espécies invasoras são plantas exóticas, ou seja, não nativas, transportadas do seu habitat natural para outros locais. Uma parte das espécies exóticas podem ser espécies invasoras, uma vez que causam impactes ambientais e não coexistem com espécies nativas de forma equilibrada. Estas espécies podem apresentar alguma(s) características como:

i) crescimento rápido e/ou grande capacidade de dispersão, ii) competir eficientemente pelos recursos disponíveis, iii) produzir muitas sementes, podendo ser viáveis por longos períodos de tempo e estimuladas pelo fogo, iv) não ter inimigos naturais por estarem deslocadas do seu local de origem e v) reproduzirem-se vegetativamente sem necessidade de produção de sementes. Podem causar impactes económicos quando afetam áreas agrícolas e florestais, impactes na saúde pública quando provocam doenças, alergias,

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ou funcionam como vetores de pragas, podem provocar a diminuição da disponibilidade de água nos lençóis freáticos e impactes no equilíbrio dos ecossistemas, ameaçando a biodiversidade, quando competem com espécies nativas, podendo substituí-las completamente (Invasoras, s.d.; Almeida &

Freitas, 2012).

Em 1999, Portugal reconheceu a gravidade do problema e entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 565/99, de 21 de Dezembro, o qual regula a introdução na natureza de espécies exóticas, assinalando as que são consideradas invasoras, proibindo a introdução, criação, cultivo ou comercialização das espécies que apresentam risco ecológico. Segundo a plataforma digital Invasoras, em Portugal continental, 15% das espécies exóticas têm comportamento invasor (Almeida, 1999; Almeida & Freitas, 2012; Marchante, 2011; Marchante, Morais, Freitas, & Marchante, 2014).

Os estudos realizados sobre a temática de espécies invasoras são numerosos dentro da comunidade científica, observando-se também a criação de vários projetos no nosso país. Existem programas comunitários de financiamento de temáticas da conservação da natureza, como o Programa LIFE (ex.: LIFE Berlengas, LIFE Fura-bardos, LIFE Priolo, LIFE Porto Santo, LIFE Laurissilva sustentável e LIFE Corvo e Vila Franca). Projetos específicos de alerta e luta contra algumas invasoras, como Invasoras.pt. Centros de Educação Ambiental, como Ourém, Monsanto, Gaia e Machico. Dentro da comunidade escolar existem alguns projetos de educação ambiental como Bologta, The Green Wave, Eco-Escolas, Jovens Repórteres para o Ambiente, Brigada Verde e Educação Ambiental para a Sustentabilidade. Contudo, para além de alguns projetos do Programa LIFE incluírem uma componente de trabalho com o público escolar, a maioria dos projetos de educação ambiental dentro da comunidade escolar não aborda diretamente a temática das espécies invasoras.

A existência de uma dificuldade de comunicação, entre a comunidade científica e a comunidade escolar, origina o desconhecimento pelo público em geral da biodiversidade existente como Património Natural. É necessário

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valorizar os projetos de educação ambiental e trabalhar mais a atitude científica no ensino das ciências, estas problemáticas deverão ser abordadas o mais cedo possível, não com o objetivo de criar mais um conteúdo programático mas tirando vantagem desta temática para contextualizar o ensino e o desenvolvimento da literacia científica.

No documento Relatório de Estágio: (páginas 54-61)