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O processo de significação (semiose) nos estudos midiáticos

No documento Actas I Jornadas de Jornalismo (páginas 137-145)

A representação dos telecentros na mídia jornalística: um olhar a partir da perspectiva triádica da comunicação

1. O processo de significação (semiose) nos estudos midiáticos

partir da perspectiva triádica da comunicação

Juciano de Sousa Lacerda, Mestre e Doutorando, Universidade do Vale do Rio dos Sinos e IELUSC (juciano_lacerda@yahoo.com.br)

Sumário

Este trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla de doutoramento em Ciências da Comunicação28 sobre os usos e apropriações que as comunidades de bairro de Porto Alegre (Brasil) fazem dos telecentros29. A comunicação é um processo que necessita de um investimento de sentidos, cujos significados são compartilhados entre os participantes da processualidade. O ato comunicativo se realiza por ações de representação e interpretação sobre o que se quer significar. No presente texto, configuramos uma tentativa de relacionar a abordagem triádica peirceana da semiose – constituída na trama entre signo- objeto-interpretante e propriedades icônicas, indiciais e simbólicas dos signos – com o estudo dos processos midiáticos da comunidação, mais especificamente a análise semiótica de textos jornalísticos e institucionais sobre os telecentros.

Palavras-chaves: Telecentros; cobertura jornalística; semiose social

1. O processo de significação (semiose) nos estudos midiáticos

28 A tese de doutoramento está sendo realizada na Universidade do Vale do Rio dos Sinos

(Unisinos) e, atualmente, estou em um estágio doutoral internacional na Universidade Autônoma de Barcelona, com apoio da CAPES-Brasil e do Instituto de Ensino Superior IELUSC, no qual sou professor de Meios Internet I e II.

29 Em linhas gerais, podemos dizer que os telecentros tem o objetivo de possibilitar que membros

de comunidades carentes assistidas tenham acesso à tecnologia e sejam capacitados para o seu uso. O telecentro, na concepção do governo brasileiro, será uma biblioteca com computadores, impressoras com acesso a Internet 24 horas, sete dias por semana. Os telecentros terão dois formatos: Menor - com quatro computadores, uma impressora colorida e um digitalizador de imagens (scanner); Maior - com dez computadores, uma impressora laser, uma impressora colorida e um digitalizador de imagens. Independente do formato, cada Telecomunidade, como são também chamados, contará com mais um computador que será o elo de ligação com a Internet, chamado de servidor. Na sequência apresentaremos distinções sobre a concepção dos telecentros.

Tradicionalmente, diz-se que é por meio das linguagens que os sujeitos se comunicam, trocam, compartilham significados. Essas linguagens se constituem como sistemas verbais, gestuais, cinésicos, espaciais etc (Scheflen, 1994) de significação, em cuja base estão os signos. Mas o que são os signos? Lúcia Santaella (1992: 188) lembra que se adentrarmos somente as seis mil páginas dos Collected Papers (index da obra do filósofo e lógico Charles Sanders Peirce), que não correspondem a a 10% do que Peirce escreveu, encontraremos centenas de definições de signo. Em princípio, podemos dizer que o “signo representa algo, mas é determinado por aquilo que ele representa” (Santaella, 1992: 188). Está no lugar da coisa representada (objeto), sendo dela diferente, mas que a representa por produzir um efeito de representação (o interpretante) desse objeto, ou seja, “é uma mediação entre o objeto (aquilo que ele representa) e o interpretante (o efeito que ele produz), assim como o interpretante é uma mediação entre o signo e um outro signo futuro” (Ibidem). Estabelece-se na proposta de Peirce uma relação triádica (signo-objeto-interpretante) no processo de produzir sentido, de produzir significação, que o distingue de outras propostas diádicas de pensar os signos (significante-significado; forma-conteúdo, a exemplo da linha semiológica). A essa proposta ele denomina de “semiose”, isto é, ação sígnica ou processo de geração de signos. Portanto, não é o signo estático que interessa à Semiótica proposta por Peirce, mas o processo, a trama, as relações entre signo-objeto- interpretante que produzem e reproduzem os signos.

É interessante perceber que a função do signo é revelar, gerar, disponibilizar um sentido sobre o que ele representa (o objeto). É uma relação de determinações, como ressalta Lúcia Santaella (1992: 189), ao citar uma das definições de signo de Peirce:

“Um signo intenta representar, em parte (pelo menos), um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo que o signo represente o objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto, implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determina naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa

imediata ou determinante é o signo e da qual a causa mediada é o objeto pode ser chamada de interpretante” (CP 6.347).30

Podemos então afirmar que o signo no processo de semiose tem a capacidade de produzir interpretantes. Nesse momento, podemos colocar duas questões levantadas à semiótica. A primeira: se um objeto só é acessível únicamente através de um signo, onde localizaríamos o real no processo de semiose? A segunda: se o processo de semiose é autosuficiente, qual o sentido da ação humana na produção de sentidos, no ato de representar e interpretar os signos?

Ao tratar do “objeto”, Peirce faz uma distinção entre objeto imediato, a forma como o objeto está representado no signo, e objeto dinâmico, ou seja, o que está fora do signo, determinando-o, que corresponderia à realidade (Santaella, 1999: 190-191). Logo, a realidade é um fator necessário no processo de significação, pois a relação que o signo estabelece com o objeto é determinada pela realidade. Em relação à autosuficiência do processo de semiose, é importante discutir a função do interpretante, fase do processo lógico de signficação que representa o efeito de sentido de um signo que o determina, mas também passa a ser um determinante de um novo signo no devir. “Este novo signo-interpretante terá como objeto tanto o signo do qual ele se gerou, quanto o objeto original, passando ambos a compor um objeto complexo” (Ibidem: 191). Antes de tudo, é preciso esclarecer que o interpretante não pode ser confundido com a noção de intérprete, nem de interpretação. Para Peirce, mas do que um ato ou conteúdo de interpretação de um signo, o interpretante é considerado um efeito do signo como tal e, portanto, dependente do signo, mas do que de sua interpretação (Joseph Ransdell, s.d.a). Como signo, o interpretante é tricotômico e processual: pode desenvolver-se até chegar ao que seria a revelação perfeita do objeto dinâmico, isto é, a superposição entre o real e a verdade. A verdade é buscada como interpretante final, a terceridade da tricotomia do interpretante. “Efeito que o signo produziria em qualquer mente, caso a semiose fosse levada até o seu limite” (Santaella, 1999: 191). O

30 O formato da citação (CP x.xxx) refere-se à forma como estão organizados os textos de

Charles Sanders Peirce, segundo a conveção da edição Collected Papers of C.S.Peirce (eds.). C. Hatshorne, P. Weiss e A. Burks.

interpretante imediato, no nível da primeridade corresponde ao que é planejado, estruturado no próprio signo como aquilo que ele está apto a produzir como efeito real ou potencial numa mente. É no interpretante dinâmico, no nível da secundidade, que podemos situar os sujeitos como intérpretes. Trata-se do “efeito efetivamente produzido pelo signo numa mente interpretadora” (Ibidem), logo um indivíduo pode estar na situação de intérprete, mas necessariamente um intérprete não precisa ser um indivíduo. “Qualquer coisa que ocupe a posição lógica de tradutor do real em verdade, através do signo, é um intérprete” (Ibidem: 192).

Façamos uma síntese, a partir de Joseph Ransdell (s.d.b):

“El interpretante final es, entonces, el rango de posibles interpretantes tal como podría ser establecido definitivamente con el cese final de todo crecimiento en los poderes del signo como tal. No es el último interpretante que va a ocurrir, sino más bien la totalidad de todos los poderes sígnicos que un signo dado habría manifestado cuando hubiera mostrado todo lo que podría ser – todo lo que podría hacer – como signo, sin considerar el contexto ni la situación, y en ese sentido como no condicionado por cualquier contexto y situación particulares. El interpretante inmediato, por otro lado, es el rango esencialmente indefinido de interpretabilidad del signo en un momento dado, cuando se toman en debida cuenta los factores contextuales y situacionales que lo constriñen. El interpretante dinámico es, por supuesto, el interpretante que realmente ocurre, y que deve ser consistente con los interpretantes inmediato y final.”

A indefinição apontada por Ransdell e os fatores contextuais e situacionais do interpretante imediato é o ponto em que se dá o que Santaella chama de lugar de transição sígnica para o interpretante dinâmico, no qual o contexto e a situação são marcadas pelo tempo presente, o hoje. Ao situar o intérprete no interpretante dinâmico, Santaella faz uma bela relação entre e o real e a verdade na semiose.

“Uma vez que o intérprete ocupa a posição lógica do presente, lugar de trânsito sígnico, ele está, portanto, sempre e inevitavelmente, no meio do caminho entre passado (real) e futuro (verdade). Nessa medida, o real é causa, aquilo que persiste, e a verdade é busca, aquilo que prossegue. O real persiste porque é aquilo que resiste ao signo e que, por resistir, determina o signo. A verdade prossegue porque quer ser real, mas só pode ser signo” (Santaella, 1999: 191-192).

Nos estudos dos processos midiáticos, corremos alguns riscos quanto a definição do objeto de pesquisa, de nossa posição e dos próprios processos de pesquisa e análise dos produtos de mídia. Os aspectos aqui apresentados como contribuições da Semiótica, são importantes como observações a levar em conta em nossas formulações de pesquisa. Desta forma, quando elegemos um problema de pesquisa, no campo da comunicação, ele é um objeto imediato, ou seja, nos aparece ou temos acesso a ele na forma de signo: um produto televisivo, um programa radiofônico, um jornal ou revista impresso e, no caso que aqui proponho, os telecentros31 de Porto Alegre. Contudo, não podemos deixar de construir nossa abordagem do problema sem levar em conta o objeto dinâmico, ou seja, o que está fora do signo, mas que o determina. Assim, para além do nosso caso particular, o produto de comunicação como objeto imediato, teríamos que ver a pertinência de situar nosso objeto levando em conta outras formas que poderiam ser aplicadas, os casos já estudados, os produtos da mesma categoria em distintas culturas ou territorialidades, que estaríam no nível do objeto dinâmico. Em suma, a pergunta que temos que nos fazer sempre é: que critérios uso para abordar o real empírico (dinâmico), na medida em que tenho acesso somente ao real- signo (imediato)? Como captar no objeto imediato as determinações do objeto dinâmico, que apontam para suas especificidades como objeto de comunicação? “Embora não possamos ter acesso direto ao real, ele não obstante insiste e produz efeitos sobre o signo. Esse efeito repercute no efeito produzido no intérprete e no signo que será produzido por esse intérprete, e assim por diante” (Santaella, 1999: 196).

31 Salas instaladas em comunidades de bairro com dez ou 20 computadores com acesso a

Em relação ao interpretante, algumas indagações podem ser estabelecidas. Antes não conseguia compreender como localizar essa noção de autosuficiência do processo de semiose. Se o sentido não é dado pela mente humana interpretadora, seria então o sujeito objeto da linguagem? Percebi que a questão estava mal formulada. O contraponto que faz a semiótica é repensar essa questão, recolocando-a na possibilidade de que o processo de interpretação seja, de fato, comunicável, portanto tenha sentido. Santaella diz que fomos levados a acreditar que as coisas só podem significar, cartesianamente, no momento em que um intérprete humano lhes confere sentido. Pois, “o signo não é algo inerte à espera de um ego individual que venha lhe injetar significado.” E sobre a ação do intérprete, Santaella esclarece:

“O que o intérprete faz ao receber o signo, é promover uma interpretação efetiva, singular, falível, psicológica, relativa. Cada interpretação singular, por cada interpretação singular, tem algo de irrepetível (o acontecimento que não volta mais), porém tem algo de geral e coletivo, o que faz a interpretação ser comunicável” (1999: 196).

Assim, se o interpretante, no entendimento de Peirce, fosse subsumido em um sujeito singular e historicamente situado, a atualização do signo correria o risco de ser tão particular e restrita de sentido, que comprometeria sua capacidade de tornar-se um novo signo, na rede semiótica, capaz de motivar, mover, produzir novos sentidos numa outra mente interpretadora. Mesmo assim, o processo de semiose ainda pode reencontrar formas de regenerar-se, seja pelo acaso ou pela força bruta. E os intérpretes têm um papel significativo nesse processo, mesmo não sendo causa suficiente. “Embora os interpretantes dinâmicos, os intérpretes, sejam falíveis, sujeitos a erros e equívocos, são eles, na sua singularidade psicológica, causação eficiente, que vão atualizando a interpretabilidade do signo” (Santaella, 1999: 197).

E para essa possibilidade de causação eficiente, o intéprete não se vê sozinho, mas pertencendo a uma comunidade interpretativa, a uma coletividade. É no tensionamento no campo em que se pesquisa, no diálogo e interação com os pares que o intérprete pode constituir uma atitude reflexiva, na medida em que reconhece os limites da interpretação situada no sujeito, mas que também é

porta para as transformações, visto que sempre projetamos um ideal. É o que aponta Santaella:

“A importância da alteridade, a experiência do outro e, na ciência, a da comunidade científica, advém o fato de que só o outro pode funcionar como pivô para a crítica e correção. Além disso, todo intérprete tem que projetar um ideal como meta, independentemente do fato de o atingir ou não. O simples ato de buscá-lo, nos faz evoluir em complexidade e riqueza espiritual” (1999: 197-198).

A semiose, como vimos, é ampla e complexa. Ampla porque a definição de signo pode ser aplicada a uma vastidão de atividades de pesquisa e produção de conhecimento. E, complexa, nos processos que pode gerar. “Todos os elementos integrantes da relação signo-objeto compõem uma teoria da objetivação, as relações interna ao signo, uma teoria da significação e as relações do signo com os interpretantes, uma teoria da interpretação” (Santaela, 1999: 200). Cabe, então, como primeiro movimento em uma análise, “determinar o que se toma como assumindo semioticamente o papel de signo, para se examinar seus correspondentes objetos e interpretantes” (Ibidem: 199). No campo da comunicação, especificamente dos estudos midiáticos, acabamos por nos viciar a considerar como signos apenas textos: literários ou não, filmes, quadrinhos, novelas, programas televisivos, jornais, sites, que parecem comportar facilmente seus limites, onde começam e terminam os elementos sígnicos. Santaella adverte que esse procecimento pode nos levar a ver somente aquilo que se mostra evidente como signo, e ficamos cegos para reconhecer semioses outras que se manifestam na realidade.

Esse é um desafio se coloca na minha pesquisa que estou construindo para o doutorado, cujo problema gira em torno da compreensão dos sentidos construídos no campo midiático e no mundo da vida (comunidades) sobre os usos e apropriações dos telecentros. Um primeiro ponto, é a consciência de que tanto no campo midiático como no mundo da vida, não vamos lidar diretamente com a realidade, mas temos consciência de que somos determinados por ela e que, de alguma forma, a realidade se manifesta no objeto. Então, quais seriam as distinções que justificariam buscar as

significações sobre os usos dos telecentros pelos signos da mídia e pelos signos do mundo da vida, aqui entendido como as formas de expressão das coletividades de bairro que usam os telecentros de Porto Alegre? Na tentativa de elencar elementos significativos para construir direcionamentos possíveis para essa questão, fizemos uma entrada pelos signos da mídia, já que no momento não foi possível uma incursão metodológica nas comunidades onde há os telecentros.

Aqui buscaremos realizar algumas interpretações sobre a fala midiática sobre os telecentros, situando-as como “operações simbólicas” no formato de notícias jornalísticas da imprensa escrita também publicadas na web. Ao definir, a partir de Peirce, o conceito de “ícone”, Fernando Andacht (2000) faz uma síntese, por diferença, da tríade peirceana, complementada pelas noções de índice e símbolo. “Para definir como atua o signo que se vale de uma qualidade, em vez de apoiar-se em um laço existencial, como o índice, o na condição de ser interpretado de certa maneira geral, como o símbolo, Peirce (CP 2.92) recorre ao ícone que fazia as vezes da fotografia ou do vídeo no século XIX” (grifo nosso).

Em todo processo de semiose estão presentes propriedades icônicas, indiciais e simbólicas. Depedendo do contexto, da análise de quem a faz, haverá propriedades que se manifestarão com mais força, sejam elas icônicas, indiciais ou simbólicas. Joseph Hansdell (2003) em entrevista a Fernando Andacht sobre a “iconicidade’, dá dois exemplos dessa relação processual entre os tipos de signo. O primeiro: “a função típica do símbolo é a síntese da percepção do objeto iconizado com o objeto indexicalizado. Este constitui a conectividade dos signos exibitivos e indicativos em uma estrutura predicativa”. O segundo exemplo, ele aborda o exemplo de um desejo de uma llama, numa folha de papel, ao afirmar que a relação entre um símbolo e um ícone é mais do que uma “imagem mental”. “A função da palavra ou símbolo é o de introduzir o ícone como o conteúdo predicativo que é associado com o que seja que esteja funcionando como índice, para distinguir o objeto do qual está sendo predicado”. Portanto, o índice e o ícone não existem para serem interpretados, são potencialmente símbolos, pois não há operação simbólica sem o agenciamento de elementos indiciais e icônicos no processo de significação.

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