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Representações sobre os telecentros na mídia

No documento Actas I Jornadas de Jornalismo (páginas 146-153)

A representação dos telecentros na mídia jornalística: um olhar a partir da perspectiva triádica da comunicação

3. Representações sobre os telecentros na mídia

Inicialmente, analisaremos três trechos da reportagem “Olhares diversos sobre a inclusão digital”, do repórter Marcelo Medeiros, que foi publicada em três diferentre meios digitais conceituados:36 Rede de Informações sobre o Terceiro

Setor (www.rits.org.br), Observatório da Imprensa (www.observatoriodaimprensa.com.br) e Fórum Nacional pela Democratização

da Comunicação (www.fndc.org.br).

repórteres capacitados nos cursos ofertados nos telecentros. E, finalmente, do clipping da assessoria de comunicação da Prefeitura de Porto Alegre, publicados no site do projeto de telecentros municipal (www.telecentros.com.br).

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Visitamos o site do projeto de telecentros promovido pela prefeitura de Porto Alegre (www.telecentros.com.br). Também o site do projeto de telecentros do governo estadual do Rio Grande do Sul (www.telecentros.rs.gov.br), onde também visitamos a página do Telecentro Vida e da Agência Clic Tchê.

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Texto Olhares diversos sobre a inclusão, Boletim Clipping do Dia, [fndc-brasil- subscribe@yahoogrupos.com.br], edição de 2 de junho de 2004, Seleção de textos coletada da pesquisa diária do Epcom - Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação. O texto, de autoria do repórter Marcelo Medeiros, foi publicado pela primeira vez no site da Rede de Informações do Terceiro Setor [www.rits.org.br], no qual trabalha o autor, em 28/05/04, e novamente publicado no Observatório da Imprensa [www.observatoriodaimprensa.com.br], em1/06/04. A partir de agora, vamos nos referir aos boletins somente como Clipping do Dia, trazendo a data da edição. Ex.: Clipping do Dia, 02/06/04.

Antes da divergência, o consenso: a inclusão digital

Vejamos o primeiro trecho.

- Foi consenso que os projetos de inclusão digital não devem apenas ensinar a utilizar máquinas. "Eles servem para formar mão-de-obra e consumidores, mas prefiro a formação de cidadãos", disse o diretor executivo do Instituto Pólis, José Carlos Vaz. Para Vaz, a internet possibilita a qualquer pessoa participar de decisões governamentais e monitorá-las. A opinião é compartilhada por Nelson Pretto, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia e defensor de uma nova educação, mais voltada para as inovações que as tecnologias de comunicação e informação oferecem. "Temos de ter coragem para pôr o dedo na ferida. Dar cursos não basta. Se só isso for oferecido, os alunos serão analfabetos digitais funcionais", disse em sua palestra.

O gênero notícia/reportagem, no jornalismo, apresenta-se como uma condensação do real, uma descrição dos principais fatos de um acontecimento. O acontecimento central, motivador da matéria, abre o texto, em seguida vem o seu desenvolvimento. O trecho acima faz parte do desenrolar da reportagem, onde são ofertados ao leitor o conjunto de visões sobre a inclusão digital, a partir das vozes do representantes das organizações. O acontecimento foi a realização da Terceira Oficina para a Inclusão Digital, realizada em São Paulo, de 23 a 26 de maio de 2004.

Um elemento indicial que introduz a reportagem é o seu título, que busca localizar, prever, situar o leitor no que vai ser relatado, portanto: “Olhares diversos sobre a inclusão digital”. Nessa operação simbólica, o autor ou quem editou o texto, já enuncia para o leitor que o texto sobre inclusão digital que ele vai ler reportará visões distintas do tema. Essa idéia é enfatizada pelo uso de um substantivo e por um adjetivo carregados de iconicidade. A imagem que temos de “olhar” é de algo que busca uma direção específica, um foco. E o plural, olhares, provoca a imagem de distintas direções. O termo olhares é acompanhado pelo adjetivo “diverso”, cuja força predicativa, logo icônica, também significa diferença, distinção, divergência.

No entanto, é interessante perceber que justamente ao indicar, indicialmente, no título uma visão não consensual, o desenvolvimento da reportagem, lugar da polifonia das vozes entrevistadas pelo repórter, abre com a expressão “foi consenso...”. Iniciar o terceiro parágrafo da reportagem37 com uma frase com um sujeito oculto, não é simplesmente um recurso de objetividade e economia jornalística (ao enumerar todas as organizações presentes, se incorreria no risco de esquecer alguma), mas um modo de nivelar e subsumir as marcas justamente dessa diversidade apontada no título da reportagem. Deste modo, para dar veracidade à idéia de consenso sobre o fato de os projetos não se limitarem ao ensino instrumental sobre computadores, articula-se uma fala entre aspas de uma fonte com autoridade, presente no evento. As aspas, o sujeito que fala e a autoridade de seu crédito (representatividade social – ser diretor de uma organização) são elementos indiciais do acontecimento e legitimadores vicários da observação sobre o consenso, contida em sua fala. Continuando o texto, uma outra operação simbólica reforça com maior evidência a noção de consenso: outro sujeito que vai falar é introduzido no texto pela modalização “a opinião é compartilhada por...”.

A representação do consenso retorna em outra parte do desenvolvimento da reportagem, no oitavo parágrafo, quando são abordadas, no intertítulo “Governo”38, as políticas governamentais sobre inclusão digital, desta vez sobre a limitada ação governamental no processo de expansão de terminais de computadores nas escolas.

- Levar novas tecnologias a locais públicos ainda é um desafio, todos concordam, dado o pequeno número de computadores no país. De acordo com o Censo 2003 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), apenas 27,5% das escolas brasileiras possuem algum computador instalado, sendo que apenas 11% estão conectadas à internet. Esses índices revelam uma média de 174 alunos por máquina, proporção que diminui quando se olha separadamente as regiões Sul e Sudeste e aumenta quando o foco é o norte do Brasil. No

37 O primeiro podemos denominar como lide (lead) ou abertura e o segundo como sub-lide. 38 O Intertítulo é um recurso utilizado em reportagens para possibilitar uma visualização mais

norte da Amazônia esse número pode chegar a 35.500 alunos por computador.

A expressão “todos concordam” é um novo signo que fortalece a idéia de consenso desenvolvida nos parágrafos anteriores. E novamente temos uma operação simbólica de generalização pela indeterminação dos sujeitos no uso do pronome indefinido “todos”, caracterizando ainda mais o sentido de consensualidade. Agora, curiosamente, queremos fugir um pouco da abordagem do consenso, para a operação de sentido constituída na ordenação sintática dos períodos da frase. Ao abrir o parágrafo com “levar novas tecnologias a locais públicos ainda é um desafio”, ao invés de com “todos concordam” ou “dado o pequeno número de computadores no país”, o peso recai no lugar público, na coisa pública, na ação governamental, independente de que, depois, se afirme que se trata de uma questão estrutural do número pequeno de computadores no país.

O telecentro é o réu

Aqui assumimos agora o lugar do leitor chato, que busca a correspondência entre o que é anunciado e o que é dito, de fato. A pergunta é óbvia, mas necessária: onde estão os “olhares diversos” prometidos no título da reportagem? Bem, num texto de 21 parágrafos, somente entre o 13º e o 15º, que tratam justamente dos telecentros, no intertítulo “Telecentros e softwares livres”, é que encontramos evidências de posturas diversas. O que é um aspecto interessante para a configuração de nossa pesquisa de doutorado. Pois se o tema da inclusão digital e da necessidade de mais computadores no país são consensuais, o conflito se estabelece na forma como essa inclusão vai acontecer e no modo como serão utilizados os computadores que venham a ser adquiridos para suprir a lacuna existente em relação ao número de escolas e de estudantes ou cidadãos que ainda não tem contato com as novas tecnologias.

- Essa também é a intenção dos telecentros, idéia que vem se disseminando pelo país. Porto Alegre (RS) foi pioneira na criação desses espaços públicos, mas atualmente São Paulo possui o maior número de unidades. Existem 108 telecentros na capital paulista. Por eles passam em média 370 mil pessoas por mês, sendo a maioria composta por jovens: 50% dos freqüentadores têm até 20 anos. Oitenta mil já fizeram cursos de informática.

- Números e elogios não foram suficientes, entretanto, para tornar a iniciativa uma unanimidade. Se houve críticas ao desconhecimento do governo federal sobre o sucesso dos telecentros, o diretor do Projeto Cidade do Conhecimento da Universidade de São Paulo, Gilson Schwartz, afirma que ainda não é possível mensurar seu impacto nas comunidades onde funcionam. "Se o governo não conhece os telecentros, parece que seus usuários também não. Faltam dados comprobatórios", declarou.

- Quem está do outro lado discorda. "O sucesso não pode ser quantificado, basta ir a cada unidade para perceber as mudanças que os telecentros provocaram", argumenta Jesulino Alves, coordenador do telecentro da Cidade Tiradentes, na zona sul paulistana.

Aqui, a operação simbólica que antecipa a falta do consenso, ou seja, olhares distintos tem um aspecto interessante. O repórter faz a relação com o tema anterior, que abordava cidadania, com o demonstrativo “essa”, num processo de contigüidade, aproximando o conceito de cidadania com o de telecentros, que são introduzidos no parágrafo que citamos acima. Na continuidade, aborda os números das principais referências (Porto Alegre e São Paulo) e a expressividade dos resultados que vêm sendo obtidos. Essa posição de legitimação antecipada dos telecentros dá força à operação simbólica de contraponto estabelecida no parágrafo seguinte: “números e elogios não foram suficientes, entretanto, para tornar a iniciativa uma unanimidade”. A força do olhar distinto sobre os telecentros está justamente na negação de suficiência dos dados quantitativos (números) e qualitativos (elogios), que abre o parágrafo, corroborada pelo uso do advérbio “entretanto” como uma conjunção adversativa, com sentido de oposição semelhante ao uso de “contudo”,

“todavia”, “no entanto”. E novamente pela propriedade indicial da fala entre aspas de um representante institucional de peso (Universidade de São Paulo, a mais importante do Brasil), ressignifica o sentido de veracidade dos números antes apontados como justificadores da importância dos telecentros, ao afirmar que o governo e os próprios usuários desconhecem a medida do impacto dos telecentros até agora criados. O verbo modalizador da fala do depoente “declara”, impõe ares de determinação, de decreto, de afirmação contundente, quase como que um veredicto de um julgamento.

Mas o julgamento não está por terminado, a operação simbólica da distinção, do não consenso, abre espaço para um novo depoimento. Aqui parecemos estar num tribunal, em que é arrolada uma nova testemunha de defesa: quem está do outro lado discorda. E novamente é arrolada a indicialidade da fala, que nos conduz a contruir uma simbolização em torno de um debate acalorado. À formulação jurídica e dedutiva da falta de dados concretos e quantitativos dos impactos, é contraposta uma que polariza a noção de sucesso e quantidade, ou seja, a qualidade que não é mensurável superaria a quantidade. E para isso, recorre-se à possibilidade indutiva, de se ir caso a caso, qualitativamente, para então postular generalizações. E novamente o verbo modalizador da fala “argumenta”, depõe como uma alegação, um último recurso da defesa, uma apelação em juízo. Os signos agenciados na fala anterior e nesta última geram um novo signo: o encontro de debate sobre inclusão digital se torna o fórum em que os telecentros são significados como réu e as fontes entrevistadas são representadas como testemunhas de acusação e defesa.

A representação dos “modos de uso” dos telecentros

É também no espaço midiático em que observamos o agenciamento de signos sobre como devem ser os usos de um telecentro, seja pela voz da própria mídia tradicional, seja via assessorias de imprensa ou, muitas vezes, nos textos dos repórteres comunitários. Mas a voz que determina os usos na mídia sempre fala de um lugar estratégico, dos ordenadores das políticas de inclusão. Contudo, é possivel identificar signos que apontam para contradições entre a a significação oficial das ofertas dos gestores dos projetos e outros

fragmentos oficias de press-releases e falas de membros de comunidades nas reportagens.

Na reportagem de O Globo (Clippingo do Dia, 02/06), as fontes oficiais são agenciadas para representar um sentido cidadão do uso dos telecentros, ao questionar o uso dos telecentros como salas de informática. Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), afirma: “Um projeto de inclusão digital não é apenas dar acesso a um aparelho com processamento eletrônico, é dar condições a uma comunidade de ter mais autonomia na sociedade dita da informação. Acredito na tecnologia da informação para combater a miséria e a pobreza”. No entanto, uma outra fala oficial, os textos publicados no site Telecentros (www.telecentros.com.br), originados na assessoria de comunicação da Prefeitura de Porto Alegre, trazem o mesmo parágrafo no final das reportagens, referindo-se ao público e aos usos dos espaços em rede: “O programa é voltado a cidadãos com faixa de renda de um a quatro salários mínimos. Quando ingressam nos telecentros, os freqüentadores utilizam a tecnologia da Internet para realizar pesquisas, trabalhos escolares e comunicar-se por meio de endereços eletrônicos. O espaço também pode ser usado para geração de renda”.39 Ou seja, é uma linguagem típica de press-release, em que os signos são esvaziados de sentido por sua repetição indiscriminada, tornando-se, no linguajar jornalístico, um jargão.

Em outro texto, o relise de criação de novo telecentro anuncia o que vão realizar os moradores: “Eles aprenderão a manejar as ferramentas de informática, navegar pela Internet e utilizar o correio eletrônico”.40 O verbo “manejar” tem um sentido operativo, técnico, que objetivam os usos a uma ação instrumental por parte das comunidadades, como a fala do diretor de uma associação que mantém um telecentro, que reduz a três pontos o uso dos telecentros: “Eles aprenderão a manejar as ferramentas de informática, navegar pela Internet e utilizar o correio eletrônico”41. Estas falas direcionadas ao público comunitário e à sociedade (ainda no Brasil um grupo de privilegiados) que acessa os sites vão de encontro à representação dos

39 Telecentro amplia qualificação na Restinga [01/09/03 – www.telecentros.com.br] 40 Lomba do Pinheiro é sede de novo telecentro [21/07/2003 – www.telecentros.com.br] 41 Idem.

telecentros como espaços de construção da autonomia, dito na reportagem de O Globo.

Nesse lugar de contradições da fala dos gestores sobre os usos dos telecentros, é em reportagens como a de Zero Hora, que podemos ver outros sentidos, propostos pelos próprios usuários. O texto tenta configurar a chegada dos telecentros nas comunidades como um “impacto” que vai mudar a vida da periferia. Embora seja passível de críticas, são válidas as entrevistas com sujeitos das comunidades, pois demonstram muito mais transparência que os textos oficiais quanto ao uso dos espaços de comunicação digital. Dois usos apontados são a busca por emprego e a retomada de contato com familiares distantes. Há um sentido de solidariedade na apropriação dos telecentros e de redescoberta da auto-estima dos sujeitos. “O telecentro são pessoas comuns ajudando pessoas comuns. Não precisa ser fantástico para fazer coisa fantásticas. No telecentro, sou uma pessoa comum fazendo coisas fantásticas”, define Tiago Brenner, 23 anos, que dá aulas de computação no Telecentro Rubem Berta, em Porto Alegre.42 Ao mesmo tempo, há o caso de pessoas que o único endereço real é o “virtual”, o endereço eletrônico. É o caso de Isabel Cristina Balhego, 28 anos, que mora numa vila irregular. O correio tradicional não chega, mas ela tem 12 diferentes correios eletrônicos e passa boa parte do dia conferindo suas mensagens. Segundo a reportagem, para Isabel, “a Internet se tornou um bem imprescindível. É na rede que ela se informa de horários de ônibus, busca serviços públicos, aprende sobre saúde e estuda”.43 Com o curso de monitora que realizou, ela foi contratada para atuar como monitora pelo Sindicato das Empresas de Informática do Estado (Seprorgs).

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