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Por definição, Profissionalismo é um termo amplo que sugere o conjunto de práticas, condutas e conhecimentos de um profissional no exercício da sua função atendendo expectativas da sociedade e dos pacientes, bem como atendendo o rigor ético para alcançar o bem-estar público (GROSSEMAN, S. et al, 2013). São representações sociais vinculadas a valores, noções e práticas individuais que orientam as condutas no cotidiano das relações sociais e se manifestam através de estereótipos, sentimentos, atitudes, palavras, frases e expressões (MOSCOVICI, S. 1978). É valorizado o saber acadêmico e especializado, regulamentado e regulado. Estas considerações acerca do termo, caracterizam um profissional que se entrega de corpo e alma ao que faz, é ético no trabalho e em suas relações profissionais, tem consciência da responsabilidade social que assumiu e atua de forma respeitosa, responsável, criativa e proativa para encontrar soluções aos problemas cotidianos.

Sendo estas expectativas sociais em relação aos profissionais de saúde, pode-se entender que na ocasião em que escolhemos ser um profissional da área de saúde também compartilhávamos esta representação social. As escolhas que fizemos certamente foram influenciadas por alguma

representação que nos agradou, pois por algum motivo nos esforçamos para ser “um deles”. É importante refletir sobre a representação social que tínhamos na época em que nos identificamos com esta imagem objetivo e iniciamos nosso processo de construção da identidade profissional.

Quanto menor tiver sido esta reflexão no período de escolha, mais surpresas espera-se ao longo da jornada, pela percepção dos diversos cenários de atuação, pela percepção da expectativa que os usuários manifestam em relação à atuação do profissional e pelas sensações despertadas pela experiência no estudante e jovem profissional. Com o passar do tempo surgem as preferências, os cenários de atuação mais confortáveis, mais gratificantes e as identificações com grupos de iguais.

Este movimento de construção de identidade profissional está relacionado não apenas com a intenção deliberada em atender às expectativas sociais quanto à realização de um sonho pessoal em se tornar aquele profissional que um dia se quis ser. Se esta reflexão for válida, pode-se entender que a construção da identidade profissional segue na direção de encontrar um equilíbrio possível entre “o

1. Chefe da Divisão de Desenvolvimento Institucional na Escola de Saúde Pública do Estado do Paraná. Tutora em Educação à Distância na Escola Nacional de Saúde Pública ENSP/FIOCRUZ.

REVISTA ESPAÇO PARA A SAÚDE | Londrina | v. 15 | suplemento n. 1 | jun. 2014 43 que os outros esperam de mim” e “o que eu sonhei

para mim”. Por uma série de ensaios, o estudante vai percebendo, ao longo de sua formação, em quais cenários de atuação se sente melhor e quais expectativas se sente mais confortável ou desafiado a atender.

Certamente este processo de adaptação não se encerra com a formatura, muitas vezes é inaugurado pela cerimônia de formatura e segue ao longo da vida, em incessantes movimentos adaptativos com momentos de certezas aos quais os autores chamam de “zonas de conforto”, que se rompem por ação do contexto ou por ação deliberada do profissional que ousa atuar em outros contextos, suportando as incertezas, buscando a superação de desafios, novas realizações ou apenas outra chance de acertar.

Passado o romantismo da juventude, outras necessidades se impõem e demandam que pela atividade profissional sejam atendidas, como a independência financeira, a responsabilidade com família, imóveis, lazer, e outras necessidades que aceitamos ter. O modo e o preço da vida que mais ou menos deliberadamente nos cobramos ter podem fazer com que por vezes aceitamos “pagar o preço” de atuar em cenários que nos desagradam, assumir responsabilidades e representar um papel profissional com o qual não nos identificamos. Situações como esta podem afastar o profissional da imagem objetivo que foi desejada por ele mesmo para sua profissão.

Considerando a hierarquia de necessidades básicas de Maslow: fisiológicas, segurança, sociais, autoestima e autorrealização; pode-se entender o que motiva um profissional a dedicar-se ou não a uma atividade profissional. Quanto mais a atividade profissional lhe garantir a plenitude das necessidades pessoais, mais motivação sentirá em dedicar-se a ela. No entanto, retomando as definições do termo profissionalismo, parece que há mais ênfase no atendimento das necessidades e expectativas sociais e quase ou nenhuma ênfase a necessidades e expectativas pessoais. De qualquer

maneira, é evidente que quanto mais estas duas influências forem congruentes, menor conflito existirá.

Considerando a necessidade social explícita atualmente de formar profissionais para o SUS, se faz importante refletir sobre “o que caracteriza um profissional do SUS”.

A primeira associação que pode ser feita com o SUS é com a atenção coletiva, seguida de saúde pública, atenção básica, e ainda seguida por: atuação em áreas de difícil provimento, e ainda considerando o que mais repercute na mídia: falta de médicos, remédios, infraestrutura, condições dignas de trabalho... Um estudante de graduação poderia se perguntar: “Por que eu escolheria isto?”. No entanto, em pouco tempo o estudante percebe que o SUS não é só atenção coletiva, que também fazem parte do SUS a atenção individual, hospitalar, intensiva e toda a alta complexidade; ainda que não seja esta a área de difícil provimento. Por outro lado, não raras vezes esta diversidade tende a ser tratada como divergente e os temas discutidos giram em torno de “ou especialista, ou generalista”, “ou atenção básica, ou atenção hospitalar”, “ou hegemônico, ou contra-hegemônico”. Esta diversidade produz discursos que por sua vez produzem exclusões e discriminações como se todas estas posições não fizessem parte de uma mesma linha de cuidado. Há de se enfatizar mais as interfaces e minimizar as atitudes generalizadas que julgam as escolhas pelos cenários hospitalares como hegemônicas, capitalistas, neoliberais.

A garantia da saúde como direito de todos e dever do Estado fez descortinar uma séria crise na fragilidade do acesso à atenção básica e uma formação acadêmica voltada para a atenção terciária. No entanto, o fato de ser necessário fortalecer a formação para a atenção básica não quer dizer que se pode diminuir a formação para a atenção terciária. Todos são necessários para os usuários do SUS de maneira que o trabalho colaborativo, articulado em redes de atenção e o interprofissionalismo precisa ser estimulado.

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A diversidade de cenários e a importância de cada um deles dá ao estudante de graduação o conforto de sentir-se útil e importante, respeitando seu estilo pessoal, suas características de personalidade e de disponibilidade para com a profissão. A valorização de todos os cenários e todos os profissionais pode ter o efeito de diminuir o desconforto atual de um estudante que escolhe ser intensivista quando a mídia expõe a carência de médicos na atenção básica. O cinismo na escolha de quem atende expectativas sociais e negligencia as suas expectativas pessoais de realização profissional e autoestima provavelmente será evidenciado no descaso, no desrespeito e na falta de profissionalismo com que irá atuar cotidianamente.

Ao passo que o respeito pelo outro e por si próprio levará ao profissionalismo.

As Instituições de Ensino testemunham e significam ao estudante as primeiras experiências nos diferentes contextos de atuação. Pela lógica de mercado, quanto mais indecisão, mais tempo nos bancos escolares ficarão, mais necessidades de tutoria e lucros produzirão. A manutenção da incerteza, muitas vezes considerada imaturidade, vende mais educação, mais tutoria, mais remédios, mais exames, mais dependência. Por outro lado, a pedagogia da autonomia aceita a incerteza, aceita o processo de adaptação, aceita a diversidade, aceita as mudanças e a evolução. As incertezas

são objeto de aprendizagem, fazem parte de um problema real que é a construção da identidade profissional. Muitas vezes o sonho não sobrevive à realidade, como é evidente na fala da profissional de enfermagem:

“Uma vez fui levar minha mãe ao Pronto Socorro e observei uma enfermeira grosseira atendendo uma criança que chorava muito. Senti muita vontade de ser uma enfermeira diferente daquela para tratar melhor as crianças. Hoje aqui na UTI eu só causo dor a elas.. Não tenho coragem de olhá-las nos olhos.”

O Sistema Único de Saúde é muito complexo e muito carente de bons profissionais em todos os cenários. É complexo, demanda trabalho em equipe, negociação da linha de cuidado, trabalho colaborativo. Permitir e acompanhar o estudante em suas experiências nestes diferentes cenários, discutir sobre suas percepções, sobre as possibilidades de atuação e sobre o desenvolvimento de competências específicas necessárias para atuar em cada um destes contextos é uma responsabilidade que se espera seja assumida pelas Instituições de Ensino. Nas palavras de Paulo Freire (1998), proporcionar condições para as pessoas em construção de identidade profissional, de reconhecimento de expectativas, de validação de sonhos, ensaiarem a experiência profunda de assumir-se.

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AS IMPLICAÇÕES DO ENSINO E PESQUISA DA

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