• Nenhum resultado encontrado

O PROJETO INTERDISCIPLINAR INTERDISCIPLINAR A necessidade de romper com a tendência

No documento Teoria e Pratica Da EJA (páginas 139-145)

fragmentadora e desarticulada do processo do conhecimento, justifica-se pela compreensão da importância da interação e transformação recíprocas entre as diferentes áreas do saber. Dessa forma, o projeto interdisciplinar, conforme Borges e Corrêa (2005), contribui para reverter as perdas causadas pela fragmentação do conhecimento na modernidade, havendo, na interdisciplinaridade, um novo tipo de saber, o qual compreenderia os saberes de duas ou mais disciplinas. F o n t e : P H O T O S . C O M

O projeto é definido pelos PCN’s como uma organização didática que “tem um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa em um produto final em função do qual todos trabalham e que terá, necessariamente destinação, divulgação e circulação social” na escola ou fora dela. (BRASIL, 1998, pp.87-88).

A ação pedagógica, por meio da interdisciplinaridade, aponta para a construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. Um projeto interdisciplinar de educação deverá ser marcado por uma visão geral da educação, num sentido progressista e libertador. Essa prática favorecerá as ações que buscam ampliar a capacidade do aluno em expressar- se por meio de múltiplas linguagens e novas tecnologias, bem como posicionar-se diante da informação e interagir de forma crítica e ativa, com o meio físico e social.

Ao pensarmos na EJA, precisamos considerar que os alunos jovens e adultos necessitam de práticas educativas diferentes daquelas que um dia tiveram na escola, tendo em vista sua história de vida e suas vivências de trabalho. Por isso, acreditamos que o trabalho a partir de projetos interdisciplinares constitui uma estratégia diferenciada e adequada de ensino para este público de alunos.

No ensino da Língua Portuguesa a partir da perspectiva bakhtiniana dos gêneros discursivos, por exemplo, o projeto pode envolver a leitura, a análise linguística e a produção textual, não necessariamente todas as práticas. Ele pode ser monotemático (a partir de um tema gerador) ou pluritemático (vários temas), monogenérico (envolve a apropriação de um gênero específico) ou, ainda, ser desenvolvido em função de uma prática linguística específica.

Vários são os exemplos de projetos a partir dos gêneros discursivos, os quais também podem envolver outras disciplinas: a organização de uma coletânea de poemas; a elaboração de um jornal mural; a implantação de uma campanha de publicidade comunitária; a elaboração de um

álbum legendado com fotos antigas e modernas da cidade ou do bairro etc. De acordo com Borges e Corrêa (2005, p. 32):

Quando se fala em educação de adultos, devemos também falar das relações de trabalho e das relações de produção. Devemos levar em conta os saberes que o aluno vem acumulando ao longo de sua vida, e que formam a sua visão de mundo, para, a partir dela, podermos construir juntos um caminho que leve à subjetividade e desenvolva o pensamento crítico acerca das relações cotidianas do aluno e do universo em que está inserido.

No Brasil, normalmente encontramos projetos de alfabetização com um tempo de trabalho limitado, podendo durar apenas alguns meses. Em consequência disso, segundo as autoras, temos “como resultado a alfabetização funcional, utilitária ou mecânica, desprovida de caráter significativo e crítico” (BORGES; CORRÊA, 2005, p. 33).

A maioria dos alunos do Programa de Ensino Fundamental para Jovens e Adultos Trabalhadores, em que se inserem as autoras, derivam de uma classe menos privilegiada da sociedade, que não teve a oportunidade de frequentar a escola regular. Assim, o grupo é bastante heterogêneo, quanto à idade, tempo de escolarização, profissão, vivências etc.

Por isso, justifica-se a necessidade de se trabalhar com projetos interdisciplinares, que possam, para Borges e Corrêa (2005, p. 35), “descompartimentar os saberes, levando, por exemplo, o texto para a aula de artes e a corporeidade para a aula de português”.

As autoras atentam para o fato de se lidar com a baixa estima e o sentimento de incapacidade de aprender desse público de alunos, que traz suas vivências para a sala de aula, as quais precisam ser aproveitadas no processo de ensino e aprendizagem.

A prática das autoras em programas como o já citado revela que os alunos da EJA “precisam entrar em contato com conteúdos e atividades que favoreçam a aquisição de conhecimentos por meio da observação, da análise, da comparação, da generalização, da reflexão e do pensamento crítico, visando sempre ao desenvolvimento de ações criativas” (BORGES; CORRÊA, 2005, p. 35).

Ao trabalharem no bloco das linguagens, que reúne as disciplinas de Artes, Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras, para montar o projeto, as pesquisadoras repensaram suas atividades a

partir dos eixos: oralidade, corporeidade, produção textual, leitura e ensino da gramática e optaram por trabalhar com o gênero discursivo teatro.

Na língua portuguesa, Borges e Corrêa (2005, p. 35), trabalharam com “textos teatrais, características gerais, regras para a escrita desse texto, leitura, entonação e representação”, em artes, trabalharam com “a expressão da criatividade para a produção de bonecos, criação detalhada das personagens por escrito e na execução de peças criadas por eles”.

Transcrevemos o relato das autoras sobre o trabalho realizado:

Os alunos mostravam-se muito constrangidos no início das aulas pois muitos não se conheciam. Começamos criando os personagens individualmente. Depois, em grupos de quatro alunos, eles tentavam integrar estes personagens, criando uma história, uma cena onde os quatro personagens pudessem interagir. Um deles escrevia a história para depois narrar para a turma. Na seqüência, foram solicitados a materializar os seus personagens em bonecos de dedo e, novamente em grupos, criaram as histórias e as cenas, já incluindo diálogos. Improvisamos um palco com a mesa do professor, a fim de contemplar o movimento nas atividades.

Sempre nos reuníamos no final da aula para trocarmos idéias e avaliarmos o processo. Percebemos a necessidade de aumentar o tamanho dos bonecos, pois ficava difícil de enxergar de longe e combinamos as diversas possibilidades de confecção destes personagens.

Paralelamente, realizamos a leitura e a análise de peças de teatro com o objetivo de observar a forma do texto teatral e a linguagem empregada. Comparamos com textos narrativos, o que evidenciou a tipologia do texto de teatro. Fizemos leituras em voz alta e representações em sala de aula, como uma forma de experimentar cada um dos elementos que dá vida a um texto, vivenciando o texto na prática.

Trabalhamos a criação de pequenas intervenções do cotidiano, salientando a necessidade de respeitar as convenções da escrita, para que os outros pudessem também captar a dimensão e a expressividade do que estávamos escrevendo. Os diálogos foram ficando mais elaborados.

Os alunos perceberam o efeito de usarem durante a apresentação uma flexão de voz para cada personagem, e ficaram mais desinibidos na encenação. Alguns grupos

F o n t e : P H O T O S . C O M

incluíram outros sons ou músicas e os personagens tornaram-se dinâmicos.

As dificuldades no uso da língua não desapareceram por completo, mas compreendemos que a educação é um processo e foi iniciada uma reflexão sobre este tema, de forma a valorizar os saberes dos alunos e a incentivar que buscassem sempre ampliá-los. O fato de eles estarem escrevendo os textos, muitas vezes de três a quatro páginas, é muito importante, pois eles estão produzindo algo por seu próprio esforço e assumindo a autoria dos trabalhos.

Acreditamos estar caminhando em direção a um trabalho interdisciplinar, pois trabalhamos com a expressão, produção textual, criatividade, oralidade, corporeidade, sociabilidade, cooperação, autovalorização e também com o incentivo à tolerância e o respeito às diferenças (BORGES; CORRÊA, 2005, p. 35-36).

A partir do relato dessa prática, percebemos a importância do trabalho interdisciplinar e os resultados dele obtidos. Assim, é preciso buscar formas alternativas de organização curricular para a Educação de Jovens e Adultos, buscando a integração entre as disciplinas e organizando projetos que envolvam ativamente os alunos, a fim de que possam navegar por diversos campos do saber.

Simões (2005) apresenta um planejamento didático-pedagógico de trabalho interdisciplinar na educação de jovens e adultos. Sua proposta de leitura crítica da realidade foi nomeada “Os sons da vila”, que consistiu em investigar o cotidiano dos alunos em seu local de moradia, com o objetivo de levar esses alunos a se situarem como agentes (e não espectadores) em sua própria comunidade.

O autor aponta diversos subtemas propostos para o trabalho com os alunos, dos quais destacamos:

- O que se escuta na vila à noite, de dia, nos fins de semana? Mais coisas alegres do que tristes?

- O que se escutam sobre a atuação da polícia na comunidade?

- Quais as músicas que a comunidade prefere? Quais músicas você prefere? - Existe uma cultura na vila? O que mais gostas de fazer?

- Como é o linguajar no local onde moram? Ele é errado?

o galpão de reciclagem? [...] (SIMÕES, 2005, p. 78).

O projeto envolve várias áreas do saber, como Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais e Ciências.

Para o trabalho com a língua materna, o autor propõe a ressignificação social das práticas de leitura e escrita, sua variedade de usos e funcionalidades, a partir de atividades com gêneros como: cartas, contracheques, rótulos, receitas, jornais, revistas, placas de comércio, letras de músicas etc.

Na Matemática, a proposta de Simões (2005) parte do conhecimento prévio dos alunos, para propiciar o aprendizado dos conhecimentos lógico-matemáticos básicos para a vida em sociedade, como o valor do número, numeração crescente e decrescente, questão dos centavos do real, adição de parcelas iguais, tabelas, contracheques e outros.

Com relação aos estudos sociais, sugere as inter-relações dos acontecimentos históricos, políticos, culturais, sociais, especificamente aqueles relacionados ao bairro em que mora. A gama de materiais possíveis, como maquetes, mapas da comunidade, fotos antigas, listagens dos sons do bairro, placas de comércio e outros possibilitariam a promoção do resgate da autoestima em relação ao local de moradia, além da sua localização como um sujeito histórico dentro desse contexto.

Nas ciências, o arroio, o tipo de solo do bairro, a arborização, o lixo, o saneamento básico etc. também propiciariam, segundo o autor, o aprendizado a partir da realidade que esses alunos vivem. O estudo seria viabilizado a partir de panfletos da prefeitura sobre a coleta seletiva, reportagens sobre a poluição, dentre outros.

Como observamos, as possibilidades de resgate desses indivíduos são diversas, a partir de trabalhos interdisciplinares. Por isso, devemos pensar sobre eles de forma mais complexa, buscando aplicabilidade nas escolas dos conhecimentos adquiridos dentro e fora dela.

De acordo com Vital Júnior (2006, p. 108), o que não podemos nos esquecer, ao pensarmos em práticas interdisciplinares junto a jovens e adultos é:

- O sentido do que ensinamos e o porquê ensinamos;

- O debate em torno do tema, que deve ser permanente. Devemos ‘discursar sobre nossos discursos’ (VEIGA-NETO, p.35), como forma de darmos clareza a nós próprios daquilo que falamos;

- A necessidade de pensar em cenários mais coletivos, que possam contemplar uma maior interdependência do quadro disciplinar, de modo a permitir intercâmbios mais regulares entre as diversas áreas do conhecimento;

- A noção de que o espaço de sala de aula não está desvinculado de outros cenários que integram o mundo contemporâneo. Logo, articular propostas curriculares interligadas a demandas cotidianas torna-se essencial para dar significado àquilo que ensinamos.

Assim, conforme o autor, não podemos privar os alunos de se apropriarem daquilo que temos de melhor a oferecer em práticas educativas, para reafirmar a complexidade do que se ensina, mediante a novas formas que não fragmentem o conhecimento e que lhe deem mais sentido diante das demandas do mundo contemporâneo.

No documento Teoria e Pratica Da EJA (páginas 139-145)