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A INVENÇÃO DA ESTAÇÃO CIENTÍFICA NA FLORESTA NACIONAL DE CAXIUANÃ

CIENTISTAS NA ESTAÇÃO CIENTÍFICA FERREIRA PENNA

3.3 Trajetórias de cientistas A comunidade científica de Caxiuanã

3.3.3 O sexo da ciência

A luta das mulheres por uma situação de igualdade na sociedade, continua presente nos dias atuais embora se reconheçam significativos avanços nessa direção. Segundo o CNPq, instituição que sem dúvida alguma detém o maior banco de dados sobre a atuação feminina na área científica, as mulheres avançam inclusive em áreas antes essencialmente masculinas como a engenharia aeroespacial, a engenharia biomédica e a engenharia mecânica. Segundo o CNPq64 a perspectiva é de, no futuro, nos setores em que as mulheres ainda são minoria, sua presença tenha um aumento significativo. Em 2006 houve 26.436 bolsistas mulheres, sendo que em algumas modalidades o número de mulheres supera o de homens já há alguns anos. Na categoria iniciação científica 56% das bolsas foram distribuídas a mulheres, totalizando 9.291 bolsas. No mestrado, 52% das bolsistas foram atribuídas às mulheres, o que pode indicar em futuro não muito distante um cenário de C&T predominantemente feminino. Nos últimos cinco anos, o aumento de bolsistas mulheres na categoria doutorado foi de cerca de 37%, igualando-se à participação masculina. Mesmo com um aumento de 13% nos últimos cinco anos, as mulheres são minoria no pós-doutorado. A Dra. Regina Lobato relata não ter ainda se afastado para o pós-doutorado, e não sabe se irá faze-lo, porque há muito trabalho a fazer no Museu. Será que as mulheres trazem para o mundo profissional, aquele senso de responsabilidade que as faz chegar em casa após um intenso dia de trabalho e reiniciar um novo expediente, agora doméstico? O acúmulo de obrigações da vida pública e da vida privada faria com que remetessem planos de afastamento a um futuro distante. Embora possam ser encontradas, carreiras planejadas e lineares como a de Alexandre são menos freqüentes entre as mulheres, apesar de demonstrarem, particularmente as mais jovens que podem realizar as tarefas mais árduas mesmo

64 CNPq – 08.03.2007 – Cresce a participação feminina na pesquisa científica, editada pela Assessoria de Comunicação do CNPq. Acessado em http://agenciact.mct.gov.br em 08.03.2007

grávidas ou na companhia de filho pequeno. Os depoimentos recolhidos junto às pesquisadoras versam basicamente sobre suas condições (idênticas as do homem) para enfrentar as adversidades do trabalho de campo na floresta e a minimização das perturbações sobre o trabalho decorrentes de experiências do feminino, como a gravidez e maternidade. Uma das pesquisadoras revela os preconceitos ainda latentes:

Leidiane Leão, meteorologista, recém graduada na Universidade Federal do Pará, em pleno ano de 2005 em seu depoimento diz: “eles preferiam que esse bolsista fosse homem, porque a mulher é a primeira a chorar, é mais sensível, até o diretor do LBA disse que preferia um homem”.

Igualmente, um certo exotismo envolve para o senso comum a atuação da mulher pesquisadora na área das ciências naturais (poder-se-ia dizer o mesmo com relação às antropólogas em certas situações de campo).

Em 1988, Renata, que foi estudante da Universidade Federal do Pará e do Museu Goeldi desde a iniciação científica, juntamente com outros jovens, participou de uma matéria feita pelo Programa Fantástico, da Rede Globo de Televisão, sobre os jovens cientistas de Caxiuanã. Também, por permanecer tanto tempo em Caxiuanã, a pesquisadora deparou-se, num de seus retornos do campo, com uma visita de estudantes de Melgaço e Portel à Estação Científica Ferreira Penna. Foi assediada pelo grupo de estudantes que queriam tirar uma fotografia dela devidamente paramentada de pesquisadora. A imagem mulher pesquisadora em seus trajes de expedição na floresta faz um forte apelo ao exotismo, daí o cerco e os flashes dos estudantes.

Predominantemente dedicadas às ciências naturais, as cientistas de Caxiuanã são mulheres que mantém a velha jornada dupla, às vezes tripla de trabalho – mãe/dona de casa – pesquisadora – professora de pós-graduação. Esta dificuldade não é nem mesmo citada pelas pesquisadoras. Os depoimentos são direcionados para afirmações a respeito da capacidade das mulheres enfrentarem as adversidades do trabalho em ambiente hostil, como se houvesse permanentemente necessidade de contrapor-se à construção social da fragilidade feminina.

Experiente em campo desde muito jovem, a Dra. Regina diz que nunca sentiu diferença de tratamento por ser mulher, pois ela se considera uma mulher “que agüenta o tranco”. Foi treinada há trinta anos atrás para trabalhar em campo e nunca passou por qualquer situação constrangedora por ser mulher. Ressalta que desde o início trabalhou liderando equipes, inclusive no projeto Xingu onde na equipe de trinta pessoas ela era a única mulher.

Renata Valente, recém doutora em zoologia e que viaja a campo para Caxiuanã há pelo menos seis anos, também diz que nunca encontrou qualquer tipo de obstáculo por ser mulher. Guias de campo, pesquisadores e professores sempre a trataram como igual durante o trabalho. No momento em que tivemos esta conversa, em Caxiuanã, a pesquisadora estava fazendo sua vigésima oitava excursão. Normalmente suas excursões duram vinte dias, o que significa que em seis anos de pós-graduação (mestrado e doutorado) a pesquisadora passou 560 dias em campo, o que corresponde a mais de um ano e meio de sua vida.

Em seus depoimentos os guias de campo, fazem questão de falar sobre as mulheres que atravessam igapós à noite com água pela cintura a fim de observar aves; ficam sozinhas o dia inteiro no igapó observando tucanos que se alimentam de açaí; passam o dia sozinhas coletando material na campina só retornando para a base ao final do dia quando o guia de campo vai buscá-las de voadeira. Ou deixam, ainda, o bando de macacos dormindo, com o guia de campo sentado em baixo das árvores vigiando, e voltam para a base a fim de buscar o almoço para os dois já que o bando só começa a se movimentar novamente lá pelas quatro da tarde.

Regina Lobato relata que na década de 1970 abandonou o curso de doutorado no INPA devido ao nascimento de dois filhos em período de tempo muito próximo, tendo que recomeçar o curso na segunda metade da década de 1980.

No final dos anos 90/ início dos anos 2000, as mulheres têm outro comportamento. Dirse Kern, arqueóloga, ao iniciar sua tese de doutorado estava com o filho Joãozinho bebê de colo. Não hesitou em levar a criança na expedição. Atravessou as baías de Melgaço, Portel e Caxiuanã, de voadeira, com a criança no colo, para uma

excursão de aproximadamente quarenta dias. Coletou dados e retornou a Belém, disse ela, sem maiores transtornos.

Marlúcia Martins, bióloga, durante um curso de ecologia de campo em que deveria ministrar uma disciplina, levou o filho Giovane para Caxiuanã. O bebê tinha somente alguns meses de vida e ainda mamava no peito da mãe.

Roberta Valente, também bióloga e irmã de Renata, fez sua tese de doutorado em Caxiuanã, estudando os gorgulhos das palmeiras. Engravidou no período em que concluía os créditos na USP. Rafaela nasceu e Roberta, continuou normalmente a desempenhar suas atividades científicas.

Karina Ninni, jornalista, que cursou o mestrado no NAEA/UFPA, estudando as alternativas econômicas dos moradores de Caxiuanã, Pedreira e Laranjal, realizou a pesquisa de campo durante a gravidez. Ficou “hospedada” um longo período no barco Ferreira Penna, entre as comunidades de Pedreira e do Laranjal, coletando dados para a dissertação.

De um lado, de forma mais geral, a mulher completamente inserida no mundo do trabalho busca formas de negociar e de compatibilizar questões da esfera do feminino com o mundo do trabalho. No mundo do trabalho em geral ainda existem salvaguardas legais, visando a proteção da maternidade.

Por outro, a concorrência em torno de uma forma de fazer pesquisa, que envolve trajetórias científicas ininterruptas e sistemas de mérito obriga as pesquisadoras, - em particular as pós-graduandas -, a encontrar meios para não interromper o trabalho de campo ou outras etapas da pesquisa.

A literatura a respeito das mulheres cientistas levanta uma questão não abordada pelas pesquisadoras a respeito das formas de fazer ciências e a produção de uma ciência em que masculino e feminino e os significados de natureza e cultura sejam re- construídos. Isso implica para a ciência a possibilidade de elaboração de diferentes questões orientadoras da pesquisa, de diferentes métodos, de diferentes formas de fazer ciência e de diferentes resultados. Keller (1985 : 156-176) e Breslau (1990 : 94-95) analisam respectivamente os casos da geneticista Barbara McClintok e da “precursora

esquecida da sociologia da Escola de Chicago”, Jane Addams. No primeiro caso Keller discute a posição parcialmente desviante e marginal da geneticista, por estar sim em um espaço definido pelo masculino, mas principalmente pela originalidade das questões e de método. No caso de Addams, Breslau mostra que a questão não central não era a da exclusão das mulheres que inventaram uma maneira de realizar trabalho de campo, mas que esta resultou de um processo de disputa pela posição legítima dos cientistas da academia, contrapondo as formas de generalização em oposição ao particular e ao local, onde, junto com outros pesquisadores sociais, as mulheres se encontravam inseridas. Os dois casos empíricos mostram que o processo de dominação na ciência passa por questões mais complexas do que a dominação masculina, e por isso mesmo, seus efeitos sobre as mulheres podem ser devastadores.

A respeito do sexo da ciência, deixo aqui uma questão a orientar uma possível pesquisa a respeito de como as mulheres se inserem nessa nova forma de fazer ciência apresentada por autores aqui referidos.