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A INVENÇÃO DA ESTAÇÃO CIENTÍFICA NA FLORESTA NACIONAL DE CAXIUANÃ

CIENTISTAS NA ESTAÇÃO CIENTÍFICA FERREIRA PENNA

3.5 Os cientistas junto às “comunidades” de Caxiuanã

Atualmente as instituições financiadoras impõem que os cientista devolvam à sociedade os resultados gerados em sua pesquisa, exigindo tal comportamento explicitamente nos editais, em particular aqueles oriundos de agências do governo brasileiro. Muitos cientistas objetivando em primeiro lugar a captação de recursos para a realização de suas pesquisas, propõem a edição de cartilhas, livros didáticos, vídeos que

acabam entulhando prateleiras, sem de fato, fazerem diferença para a comunidade estudada. Outros, no entanto, estabelecem relações afetivas com pessoas dessas comunidades e tentam dar algum retorno, por vezes às suas próprias expensas.

Tido como exemplo de interação ciência comunidade, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), criado em maio de 1999, com o objetivo de dar continuidade aos trabalhos de implementação que já vinham sendo realizados pelo Projeto Mamirauá, desde o início trouxe em seu bojo o desafio de produzir conhecimento com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das populações do lago Mamirauá, além da conservação do lago e de seu entorno.

Idealizado pelo cientista José Márcio Ayres, a partir de estudos para sua tese de doutorado, o projeto Mamirauá nasceu no Museu Paraense Emílio Goeldi onde Márcio era pesquisador do então departamento de Zoologia. Ao idealizar a criação de um instituto, Márcio achou que a burocracia das organizações públicas poria muitos entraves à concretização do seu objetivo. Negociou junto ao CNPq a transferência do projeto para aquele Conselho não sem causar alguns constrangimentos para a direção do MPEG, à época.

O Plano de Manejo de Mamirauá teve como base os estudos da antropóloga Débora Lima Ayres, então mulher do Dr. Márcio Ayres, que desenvolveu estudos naquela região. A preocupação e o envolvimento das comunidades de Mamirauá vem desde o início do projeto, diferentemente da Estação Científica Ferreira Penna, incrustada no meio da Floresta Nacional de Caxiuanã, cujos moradores foram “indenizados” pelo IBAMA, tendo restado dentro da Flona poucas famílas e muita desconfiança. O processo de aproximação foi delicado e exigiu e continua exigindo dos responsáveis pela Estação muita habilidade.

Mesmo assim, os cientistas que desenvolvem atividades em Caxiuanã reconhecem a importância do bom relacionamento com os moradores da Floresta, independente da área de atuação. Esta afirmação é de Pedro Lisboa, cuja preocupação com as comunidades de dentro da FLONA e do entorno fez com que elaborasse, conjuntamente com os moradores, projetos que melhorassem a infra-estrutura das comunidades, sendo o seu maior legado a mobilização para a construção de escolas.

Após dez anos de contribuição o Dr. Pedro Lisboa se desligou de Caxiuanã como gestor, mesmo assim continuou desenvolvendo atividade científica através de um projeto que gerou o livro intitulado Natureza, Homem e Manejo de Recursos Naturais na Região de Caxiuanã, Melgaço, Pará. Este livro, assim como os anteriores são referências para quem quer desenvolver pesquisas em Caxiuanã. O livro foi adaptado em linguagem pedagógica e transformado em cartilha e álbum de colorir para os estudantes de Caxiuanã e dos municípios de Melgaço, Portel e Breves. Dentre todos os pesquisadores entrevistados, o Dr. Lisboa foi o único que, ciente do compromisso que o Museu Goeldi assumiu com a população de Caxiuanã no momento em que ali implantou uma base de pesquisas, não ficou somente na intenção - partiu para ações concretas. Por ser um pesquisador de visão abrangente, reuniu os moradores da FLONA Caxiuanã e entorno, assim como autoridades municipais e especialistas em conservação para discussões a respeito da implantação de uma Estação Científica dentro da floresta, procurando entender junto com os moradores que ações poderiam ser levadas a cabo em conjunto pelo Museu Goeldi e os moradores da FLONA no sentido de criar uma convivência pacífica e respeitosa para todos os envolvidos. Dessas discussões nasceu o Programa Floresta Modelo de Caxiuanã, que procurava se ancorar nas diretrizes estabelecidas pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, contidas no relatório de 198873. Na mesma direção Leite Lopes et al, argumentam que a questão ambiental, por suas propriedades polissêmicas, que ao mesmo tempo se impõem e propiciam diferentes interpretações, enseja a busca de envolvimento da população atingida, o desenvolvimento da associatividade de moradores e grupos de cidadãos, e a gestão participativa e negociada dos conflitos74 constituindo- se, não só em espaço para a ampliação do exercício da democracia, mas também para a

73 Que todos tenham atendidas as suas necessidades básicas e que lhes sejam proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor; a promoção de valores que mantenham os padrões de consumo dentro do limite das possibilidades ecológicas a que todos podem, de maneira razoável, aspirar; que haja crescimento econômico em regiões onde tais necessidades não estão sendo atendidas. Onde já são atendidas, ele é compatível com o crescimento econômico, desde que esse crescimento reflita os princípioamplos da sustentabilidade e da não exploração dos outros; que o índice de destruição dos recursos não renováveis mantenha o máximo de opções futuras possíveis; a conservação da espécies vegetais e animais; minimizar os impactos adversos sobre a qualidade do ar, da água e de outros elementos naturais, a fim de manter a integridade global do ecossistema.”

74 Leite Lopes, José Sérgio (coord.); Antonaz, Diana; Prado, Rosane; Silva, Gláucia (orgs); Heredia, Beatriz, et al. 2004. A ambientalização dos conflitos sociais: participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro. Relume Dumará; Núcleo de Antropologia da Política. UFRJ. (Coleção Antropologia da Política; 29). 334p.

renovação das – e a interação entre – as disciplinas científicas. Afinal de contas, produzir ciência com conservação do meio ambiente é a proposta do Museu Goeldi em - e para - Caxiuanã. No entanto, entre proposta e prática há alguma distância.

O bom relacionamento citado pelo pesquisador nem sempre se traduz em “socialização” dos resultados científicos alcançados a partir da pesquisa de campo. Alguns cientistas não fazem uma conexão entre a sua atividade de pesquisa em Caxiuanã e a vida dos moradores. Outros tem clara esta conexão e aproveitam os momentos em campo para conversar com os moradores sobre o seu trabalho. Bento e sua equipe, por exemplo, durante as coletas explicavam porque estavam coletando os mosquitos nas casas dos moradores, a importância do trabalho e como as pessoas poderiam se precaver. Passavam informações imediatas, gerando alteração no comportamento das pessoas que achavam que as doenças eram contraídas ao tomarem a água dos igarapés. O pesquisador explicou que a doença é contraída via picada do mosquito infectado. Outra informação imediata que foi repassada pela equipe referia-se às plantas aquáticas que servem como reservatório de insetos vetores de doenças, mas que também servem como abrigo para os insetos aquáticos e semi-aquáticos que são alimentos dos peixes. Foi explicado aos moradores que existe uma cadeia biológica que precisa ser cuidada com atenção. “Os insetos alimentam os peixes que por sua vez alimentam as pessoas”. Daí a importância de não retirar as plantas aquáticas das frentes das casas, mesmo que atrapalhem um pouco a atracação do barco.

Analisando Caxiuanã depois de dez anos de existência da base física do MPEG, Bento estabelece quatro fases do relacionamento com as populações da FLONA. Segundo ele, logo no início, o relacionamento era amigável, em seguida esse relacionamento passou a ser profissional com a contratação de muitos moradores para trabalhar primeiramente na construção da base física e depois como guias de campo, auxiliares de cozinha e de serviços gerais. Numa terceira fase o Museu teve um relacionamento muito bom com a população, auxiliou na construção de escolas, implantou projetos de infra-estrutura (energia solar), repassou informações qualificadas. Atualmente este pesquisador considera que a relação está um pouco “abandonada”.

Defende que o Museu Goeldi deveria primar por um bom relacionamento não só com as populações da FLONA mais com os municípios de Melgaço e Portel, onde está situada a FLONA Caxiuanã e Breves, onde o Museu possui uma base de apoio entre Belém e Caxiuanã. Acha que estes municípios não tem recebido a devida compensação pela presença do Museu. “Você tem uma Estação Científica em Caxiuanã, onde vão milhares de cientistas estudar a biodiversidade, dinheiro de americano, inglês, japonês, projeto da NASA, estudo de poluição, estudo de gases, e o povo?... A presença da área de antropologia em Caxiuanã é quase zero”. O último comentário do pesquisador contraria de alguma forma sua postura anterior, pois parece querer transferir para os antropólogos a responsabilidade pela construção de uma ética que é de responsabilidade de todos os cientistas que trabalham em Caxiuanã, independentemente da área de atuação ou da instituição a que pertença.

Sobre a relação dos pesquisadores com a população local, o Dr. Overal acha que esta é boa, mas se preocupa com o retorno que os trabalhos podem dar ou estão dando para as pessoas de Caxiuanã. Para ele, os cientistas “chegam de pára-quedas, começam a cavar buracos, colocar iscas, armadilhas dentro da mata e saem carregando um pouquinho de tudo”. Acha comovente o voto de confiança dado pelo povo da floresta aos cientistas que ali trabalham e sabe que as pessoas esperam um resultado que de alguma forma vai melhorar suas vidas.

Sobre a sua pesquisa em particular, com borboletas, dentro do projeto TEAM, o Dr. Overal acha que os moradores não vão ter um retorno direto, mas como borboleta é um grupo que atrai ecoturistas, pensa em fazer um manual de ecoturismo e estudo de borboletas que poderia ser utilizado pelos moradores se houver a retomada do programa de ecoturismo da Estação Científica Ferreira Penna. “Estamos vendo que aqui nós temos uma comunidade de borboletas, uma fauna que é uma das mais ricas do mundo, que deveria atrair pessoas que não iam tirar uma folha da mata, só fotografias das borboletas”. A retomada de um programa de Ecoturismo em Caxiuanã implica em duas coisas: a primeira, a elaboração do Plano de Manejo da Flona Caxiuanã, no qual ficará acordado quais as áreas destinadas ao ecoturismo; a segunda, em uma reforma significativa das instalações da Estação Científica Penna, incluindo a melhoria dos serviços prestados ao ecoturista.

O Dr. Overal fala de ecoturismo com conhecimento de causa. Além da atividade científica que realiza em Caxiuanã, já acompanhou grupos de artistas, alunos estrangeiros (suíços, alemães e norte americanos) à floresta. Esta é uma das razões que o faz conhecer bem os moradores, vendo mais de perto as necessidades das pessoas. Melgaço tem problemas estruturais e o índice de desenvolvimento humano está entre os cinco por cento mais baixos do Brasil. Para o pesquisador “é impossível o Museu ter uma vizinhança destas sem querer fazer alguma coisa”.

Outra pesquisadora que sempre demonstrou compromisso com os moradores de Caxiuanã foi Dirse Kern. Paralelamente à pesquisa, foi uma das maiores entusiastas do Programa Floresta Modelo de Caxiuanã, chegando ao ponto de custear os deslocamentos para participação nas reuniões em Caxiuanã, com o seu próprio salário.

Em 98 a gente estava lá fazendo horta com os ribeirinhos. Daí, mudou a direção do Museu e a coisa não deu mais certo...houve uma ruptura brusca que nunca deveria ter acontecido. Pra mim foi uma grande perda para o Museu no momento em que houve um corte sem avisar a população. Alguém achou que o Museu era paternalista, sem saber o que realmente ocorria. Pois eu acho que se as pessoas que fizeram o corte soubessem tudo o que estava por trás, tudo o que ocorre numa relação no momento em que você entra na vida do caboclo, o desperdício de tempo para novamente ter aquela união, a confiança que existia entre o Museu e a comunidade. (...) Eu não via como paternalista, eu acho que a gente está na área deles e o mínimo que se pode fazer é tentar melhorar a vida deles de qualquer maneira, seja fazendo horta, ajudando com informações sobre higiene, cursos para as parteiras, acho que é um compromisso que o Museu deve ter com a comunidade.

Depois dessa mudança a pesquisadora foi se afastando aos poucos da área da Estação Científica Ferreira Penna, porém deixou um importante legado para a Juventude: a gincana de Caxiuanã, que em 2007 já vai para a sexta versão e que a partir de 2005 passou a integrar o calendário da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia. Atualmente, a pesquisadora está realizando estudos de Terra Preta no município de Tailândia, Pará, e tem um ótimo relacionamento com a população, evolvendo, sempre que possível, as pessoas locais em suas pesquisas.

Quanto à relação dos pesquisadores com os moradores de Caxiuanã, Dirse acha que é preciso tempo para adquirir a confiança e que no início o pesquisador

não percebe. Com o tempo a coisa muda completamente e não raro chegou a ser advertida de que uma informação colhida em primeira mão não era a verdadeira. “Eu já vi trabalho de antropólogos lá completamente furados. Eu sei porque eles dizem, “olha a fulana vem aqui. Ela está vendo a alimentação da gente, e claro, se a gente está com gente de fora em casa manda comprar um quilo de não sei o quê. Ou seja, a mulher estava medindo a quantidade de calorias ingeridas. Tudo furado, porque eles melhoraram a alimentação justamente no período em que ela estava lá”. A pesquisadora acha que isto acontece propositadamente por se tratar de uma pessoa de fora, porém não há maldade nisso. Só depois de estabelecer uma relação de muita confiança, pode-se avaliar o grau de validade da informação obtida. No caso dos sítios arqueológicos, os moradores utilizam a terra na roça por isso no início tinham uma certa resistência em informar onde ficavam os sítios porque sabiam que não poderiam mais utilizá-los. No entanto, a pesquisadora acha que o trabalho de educação patrimonial dá resultados positivos e os moradores passam a ver os sítios arqueológicos como uma parte importante de sua história a ser preservada.

CAPÍTULO 4

ETNOGRAFIAS DE TRABALHO DE CAMPO: TRABALHO DE CAMPO