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O transnacional na atualidade: da epidemia mundial às soluções locais.

F I GURA 5: E STRUTURA D A E STRATÉGIA DE RESPOSTA

5. O transnacional na atualidade: da epidemia mundial às soluções locais.

A análise das respostas à epidemia do Zika em diferentes níveis nos permite entender que em contextos nos quais as políticas públicas não estão formuladas, como no caso de uma epidemia, o Estado brasileiro tende a responder de maneira conservadora – sem criação de novas respostas em termos de políticas públicas – ao mesmo tempo em que se isola da sociedade civil. Nesses mesmos momentos, as campanhas transnacionais de agencias das Nações Unidas – como a OMS e o UNFPA – tendem a pressionar por abordagens mais amplas do evento em si – neste caso a epidemia do vírus Zika –, possibilitando então a abertura de espaços para que outras temáticas da questão sejam tratadas. Neste caso, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres frente a uma nova DST. Para os movimentos feministas, a epidemia muda o seu foco do mosquito para o caráter da DST e da ameaça aos direitos reprodutivos, da necessidade de garantia de métodos contraceptivos e preventivos. As dinâmicas do transnacional ao local e a tradução da ESPIN e da ESPII para os diferentes grupos de mulheres perpassam necessariamente a luta por visibilidade do desrespeito aos direitos e dos efeitos de longo prazo desse desrespeito na vida das mulheres.

O uso do discurso transnacional é usado de diferentes formas pelos atores envolvidos no debate da epidemia do vírus. No caso das organizações de mulheres, o aspecto transnacional da epidemia se coloca de duas maneiras: por um lado, é o principal financiamento para tratar sobre a epidemia na ótica de direitos reprodutivos, tratando de algo além do mosquito; por outro, destaca-se o uso de referências científicas para avalizar a abordagem do vírus Zika como uma DST. No caso das organizações interestatais, como o UNFPA e a OMS, o momento de debate de uma epidemia permite arrecadar recursos que fortalecem sua atuação junto aos Estados nacionais e as ações promovidas no âmbito local dão publicidade ao papel que desempenham. Para os financiadores internacionais, a epidemia e seu caráter de transmissão sexual garante o debate sobre direitos reprodutivos no Brasil, apesar do contexto mais conservador que tem tomado a política nacional, mesmo quando se trata da política de saúde. Para o governo brasileiro, a exposição do país como espaço endêmico da epidemia representou um desafio por exemplo à viabilidade da ocorrência das Olimpíadas e a necessidade de mostrar-se capaz de atender a uma nova demanda de atendimento em saúde pública.

A ESPIN foi suspensa em 11 de maio de 2017. O número de casos de pessoas contaminadas pelo vírus Zika caiu significativamente. Assim como o número de casos suspeitos de microcefalia. Faz-se necessário manter o acompanhamento das políticas desenhadas para atender as mulheres e crianças, as possíveis flutuações da epidemia ao longo dos anos e o efeito dos cortes planejados pelo atual governo nas consequências da epidemia que relatamos neste capítulo.

CONCLUSÃO

Entender o papel do transnacionalismo na mobilização de atores políticos para a elaboração de políticas públicas é fundamental para entender por completo o processo de desenho das políticas. Em outras palavras, o transnacionalismo reverso, como o define Elizabeth Friedman, precisa ser mais problematizado nas análises de políticas públicas (em todas as fases) e no acompanhamento dos movimentos sociais. Nos casos que analisamos, foi possível observar que os debates e atores transnacionais são constantemente mobilizados seja como forma de disponibilização de recursos para ações da sociedade civil, seja para a organização de iniciativas inovadoras dentro das políticas de saúde para as mulheres.

Assim como a noção de transnacionalismo auxilia a análise de políticas públicas, a percepção de que os conceitos debatidos transnacionalmente não se encerram nos textos de conferências ou em conceitos amplos impostos de fora para dentro é indispensável para evitar naturalização e/ou imposição de necessidades aos movimentos sociais e às próprias políticas. Tais conceitos e estratégias estão constantemente sendo traduzidos e reapropriados pelos atores políticos que os usam, num processo contínuo de translocalização dos conceitos.

Apesar da visibilidade que os temas ganham quando são debatidos em nível transnacional, a existência desses debates não produz necessariamente efeitos positivos seja para as políticas seja para os movimentos organizados da sociedade civil. Nos casos que analisamos, é possível afirmar que a inexistência de políticas públicas anteriores a debates em determinadas temáticas combinada à presença de ativistas com uma agenda em favor de uma determinada abordagem do problema permitem diferentes resultados na construção da política: isso pode ser observado na elaboração de uma política de atenção integral de saúde da mulher no contexto dos debates populacionais dos anos 1980 e mais recentemente no relativo silêncio da Coordenação-Geral de Saúde da Mulher durante a epidemia do Zika vírus. Assim, uma das conclusões óbvias desta pesquisa é que a formação plural da burocracia de saúde permite que se avancem agendas múltiplas de forma simultânea.

Esta conclusão está organizada em torno dos três principais argumentos que sustentamos na análise dos casos apresentados. Em primeiro lugar trataremos de como os diferentes atores envolvidos na elaboração de políticas públicas mobilizam discursos transnacionais para validarem suas opiniões e propostas. Em seguida, apresentaremos as diferentes formas em que local, nacional, regional e global interagem de forma a produzir discursos particulares sobre as políticas de saúde e, particularmente, sobre direitos reprodutivos. Em terceiro lugar, ressaltaremos como o debate

transnacional pode permitir mudanças de políticas em diferentes sentidos, sobretudo quando se dispõe de um vácuo de políticas, como foram os casos observados sobre a necessidade de desenvolvimento de uma política de planejamento reprodutivo e das iniciativas sobre o vírus Zika.

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