• Nenhum resultado encontrado

O uso de instrumentos, a produção e a significação de informações

3 DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL: ANTECEDENTES E FUNDAMENTOS A Didática Desenvolvimental teve sua origem e projeção nas repúblicas soviéticas,

5 ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM MUSICAL: PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E CENÁRIO DA PESQUISA

5.1 PESQUISA QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO E SUBJETIVIDADE

5.1.2 O uso de instrumentos, a produção e a significação de informações

Para González Rey (2012c, p. 42-43), os instrumentos podem ser definidos como “toda situação ou recurso que permite ao outro expressar-se no contexto de relação que caracteriza a pesquisa”. Não seguindo a regras predefinidas, podem se configurar como estímulos ou situações diversas a envolverem emocionalmente os participantes, facilitando a expressão dos sentidos subjetivos. De cunho individual ou coletivo, podem ter sua utilização acompanhada pelo permanente diálogo, propiciando o caráter relacional no cenário pesquisado. Os instrumentos grupais envolvem atividades e dinâmicas coletivas.

Tendo em vista o papel do investigador na pesquisa que se embasa na epistemologia qualitativa, portanto, com desenvolvimento em contexto comunicativo, os sistemas conversacionais constituem um processo essencial que envolve pesquisador e pesquisado em uma dinâmica de conversação, superando a tradicional entrevista. Suscetível a assumir formas distintas, tal dinâmica favorece a riqueza da informação definida a partir das “argumentações, emoções fortes e expressões extraverbais, numa infinita quantidade de formas diferentes, que vão se organizando em representações teóricas pelo pesquisador” (Ibid., p. 46). As conversações, que podem ser individuais ou coletivas, viabilizam a construção de trechos de informação como uma viva expressão daquele que fala, podendo abarcar aspectos gerais e também íntimos, em uma situação aberta, de implicação e relação com o outro no espaço de pesquisa.

No contexto das aulas de Música na Eseba/UFU, a própria organização da sala era definida em favor do diálogo e da participação ativa dos sujeitos. Não havia carteiras e as cadeiras eram, corriqueiramente, dispostas em círculo. As expressões verbais dos alunos eram incentivadas, fosse para exporem suas reflexões acerca do objeto em estudo, fosse para comentarem algo que de alguma maneira os tivesse tocado e desejassem compartilhar com o grupo. Dependendo do assunto em questão, muitas vezes colocado espontaneamente por alguma criança, tantas outras se motivavam, envolvendo-se na dinâmica conversacional acerca da experiência que, em certa medida, lhes soava comum. As atividades de criação musical em grupo, especificamente, tiveram sua base em situações conversacionais envolvendo os membros dos grupos, com algumas intervenções minhas.

Considerando o uso de documentos escritos, as possibilidades são inúmeras, mas restritas aos sujeitos que conseguem se expressar utilizando esse tipo de registro. Ao se valer de instrumentos de diferentes naturezas, a pesquisa é favorecida pelo ingresso do sujeito em “zonas alternativas de sentido subjetivo”, ainda não exploradas ou aprofundadas pelo uso de outro instrumento (GONZÁLEZ REY, 2012c, p. 50). Muito embora alguns alunos tivessem dificuldades com a escrita, foi possível lançar mão desses recursos em meu cenário de pesquisa. Os instrumentos escritos proporcionam o rápido e simples posicionamento do sujeito frente a indutores que encaminham as questões a outros indutores viabilizando suas distintas manifestações. Em dizeres de González Rey,

um dos objetivos dos instrumentos escritos é facilitar expressões do sujeito que se complementem entre si, permitindo-nos uma construção, o mais ampla possível, dos sentidos subjetivos, e dos processos simbólicos diferentes que caracterizam as configurações subjetivas do estudado (Ibid., p. 51).

Na pesquisa junto aos alunos da Eseba/UFU foram utilizados questionários abertos, completamentos de frases e CD de papel41, dentre outros instrumentos escritos.

Compreendido como um sistema de indutores, os questionários devem ter seu direcionamento ao problema da pesquisa, porém buscando a livre expressão do sujeito acerca de suas experiências com vistas à elaboração de indicadores de sentidos subjetivos. Já o completamento de frases apresenta-se na forma de indutores curtos a serem completados, os quais se relacionam a atividades ou experiências42.

Com relação aos instrumentos apoiados em indutores não escritos estão os próprios jogos/brincadeiras, fotos e registros em áudio e vídeo utilizados no trato de conteúdos musicais durante o processo de ensino-aprendizagem, lembrando que, segundo o marco teórico assumido, o que está em jogo no processo de aprendizagem musical não é tão somente o objeto do conhecimento; parafraseando Souza (2015, p. 213, grifo do autor), é “um sujeito psicológico concreto subjetivamente configurado naquela aprendizagem”.

Durante o trabalho pedagógico-musical com os alunos na escola, ao passo em que eram elaboradas hipóteses sobre os sentidos subjetivos envolvidos na configuração subjetiva de sua aprendizagem musical, as próprias estratégias de ensino fomentavam, recursivamente, a produção de sentidos subjetivos mediante a execução de estratégias didáticas voltadas à

41 Instrumento baseado na proposta “O meu CD nº 1”, de Elisabeth Krieger (2007).

42 O primeiro completamento de frases aplicado seguiu à definição de González Rey, apresentando-se por indutores curtos (Cf. Quadro 1). Já o segundo, foi elaborado como um conjunto de frases compondo uma narrativa (Cf. Apêndice A).

formação integral dos sujeitos. Dessa forma, as estratégias de ensino também consistiram em indutores à expressão subjetiva dos alunos e à própria configuração do espaço social relacional da sala de aula. Os modos singulares com que cada sujeito respondia aos indutores; os recursos dos quais lançavam mão durante as atividades musicais; as facilidades, as dificuldades e as preferências demonstradas, possibilitavam conjecturas sobre as distintas formas com que cada aluno era impactado pela experiência na sala de aula. Portanto, ao lado dos demais instrumentos mencionados, o objetivo dos instrumentos apoiados em indutores não escritos, por vezes associados a uma dinâmica de discussão, era também o de instigar a expressão de trechos de informação esboçando a produção de sentidos dos sujeitos (GONZÁLEZ REY, 2012c, p. 66).

Considerando a forma como González Rey entende o processo da pesquisa qualitativa, tem-se que a produção de informações, bem como sua interpretação, se fazem de forma constante e recursiva com o uso dos instrumentos. Segundo o autor (2012c, p. 65), os instrumentos aplicados ao longo da pesquisa são integrados de modo inseparável no interior dos sistemas de informações, as quais são constituídas pelas diferentes vias. É então, na integralidade de tais sistemas que o conhecimento resultante da pesquisa realizada é produzido.

A coleta de dados, tradicionalmente tratada como uma etapa de pesquisa, não é considerada na concepção de González Rey por entender que “informações”, diferentemente de “dados”, são produzidas ao longo do processo ao invés de simplesmente “coletadas”, como algo tomado do externo. É que, para o autor, “o dado é inseparável do processo de construção teórica no qual adquire legitimidade” (Ibid., p. 100). Isso quer dizer que seu significado advém da interpretação estabelecida pelo pesquisador em um sistema de pensamento que concerne ao modelo teórico em desenvolvimento. Em suma, “o dado como evidência incontestável da realidade existe, no entanto seu significado é sempre uma produção humana” (Ibid., p. 102). Diz o autor:

Do momento em que o pesquisador entra no campo, começa um processo de produção intelectual que levará ao desenvolvimento de um modelo teórico, o que lhe permite significar uma variedade de aspectos empíricos apresentada no desenvolvimento da pesquisa. É essa atividade teórica que permite dar conta das complexas relações existentes entre os aspectos empíricos evidenciados no processo. O significado dos diferentes aspectos empíricos que aparecem no curso da pesquisa são inteligíveis somente a partir do modelo teórico que permite abrangê-los em suas consequências explícitas e implícitas para a compreensão do problema pesquisado (GONZÁLEZ REY, 2012c, p. 102).

Para que o pesquisador construa sua compreensão acerca dos sentidos subjetivos emergidos em grupos e instituições, é necessário que considere tanto as expressões dos sujeitos nos espaços coletivos de suas práticas quanto suas opiniões em momentos individuais, portanto, em contextos e situações diversificadas. Nesse processo, sujeitos individuais podem ser tomados como “informantes-chaves” com vistas ao aprofundamento de informações, ou seja, como “aqueles sujeitos capazes de prover informações relevantes que, em determinadas ocasiões, são altamente singulares em relação ao problema estudado”

(GONZÁLEZ REY, 2012c, p. 111). A quantidade dos sujeitos relacionados na pesquisa, bem como daqueles tomados como “informantes-chaves” dependerá do próprio curso investigativo, da pertinência das informações ao modelo teórico em elaboração. Nessa ótica, a legitimação da informação passa a ser conferida pela sua relevância ao desenvolvimento de zonas de sentido quanto ao problema estudado.

Os indicadores de sentidos subjetivos serão, pois, definidos pelo pesquisador a partir de sua construção interpretativa sobre os trechos de informação oriundos das múltiplas expressões dos sujeitos em particular e daquelas compartilhadas no espaço social – intencionais ou não, diretas ou indiretas. É por meio dos indicadores que se dá o desenvolvimento de hipóteses que culminarão na elaboração do modelo teórico.

À ótica de González Rey, o modelo teórico é também processual, diretamente ligado às reflexões e elaborações do pesquisador que se vê em constante tensão entre suas construções e as informações oriundas do trabalho de campo. O modelo é, pois, “uma forma de saber local”, que pode levar a uma teoria geral, para além daquela que fundamentou sua criação (Ibid., p. 105).

A investigação no contexto das aulas de Música no ensino fundamental do Colégio de Aplicação Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia (Eseba/UFU) não teve outra intenção, senão a de construir um saber local que contribuísse para o pensamento acerca do ensino musical favorável ao desenvolvimento integral dos sujeitos, em reconhecimento à unidade de seus processos simbólico-emocionais.

Documentos relacionados