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3 DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL: ANTECEDENTES E FUNDAMENTOS A Didática Desenvolvimental teve sua origem e projeção nas repúblicas soviéticas,

5 ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM MUSICAL: PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS E CENÁRIO DA PESQUISA

5.2 DELINEANDO A PESQUISA NA ESCOLA

5.2.1 Objetivos e conteúdos do ensino musical

A Música, como um dos sistemas simbólicos de diversos grupos sociais, abarca infinitas fontes sonoras, distintas formas de estruturação de elementos materiais e silêncios, bem como a utilização de inúmeros recursos expressivos e diferentes modos de realização e difusão, dependendo dos contextos históricos e culturais de sua produção e execução, com seus diferentes usos e funções, conforme mencionado na segunda seção deste trabalho. O universo musical representa, assim, um vasto campo de possibilidades ao sujeito no que concerne ao estabelecimento de relações com os outros e às formas de expressão e de produção de conhecimentos. Conhecer música, vivenciá-la, analisá-la e produzi-la compreende vias de acesso a um tipo de produção simbólica a partir da qual os sujeitos constituem-se humanos, não por interiorizarem tal produção de forma direta, mas por subjetivarem a experiência, produzindo sentidos subjetivos e criando recursos internos com os quais desenvolvem a própria subjetividade. Assim, interessante seria que na educação básica os alunos tivessem contato com uma variedade de práticas musicais, provenientes de diferentes lugares e épocas, com suas distintas formas de estruturação e referentes estéticos, ampliando sua experiência.

Considerando que os sujeitos não têm condições humanas de dominarem toda a cultura musical produzida pelas sociedades; que os professores, assim como os alunos, possuem referências culturais constituídas em sua história de vida; e, considerando ainda que a própria organização do tempo escolar impõe severos limites ao desenvolvimento das situações de ensino-aprendizagem musical, interessa, mais do que promover a transmissão de

uma vasta gama de conteúdos, fomentar oportunidades significativas do contato dos alunos com material musical, de modo que desenvolvam processos simbólico-emocionais atrelados ao desenvolvimento das operações mentais, seja valorizando a experiência musical do cotidiano, seja favorecendo a produção de sentidos subjetivos a partir do contato com produção musical desconhecida ou pouco explorada, sobretudo aquela presente na cultura ocidental e, particularmente, na brasileira. Nesse sentido, o conteúdo musical é a base do ensino-aprendizagem por congregar os elementos da cultura que serão aprendidos, mas não com fim em si mesmos e sim como o meio para a produção da subjetividade e desenvolvimento dos sujeitos.

Para que se produzam sentidos mediante a linguagem musical, os conteúdos não devem ser tratados como elementos isolados, necessitando ser abordados em suas relações estruturais, assim como previsto por Davidov (1988) ao versar sobre a relação entre os elementos conceituais. Sánchez Valle (2013, p. 49) defende a “integração dos conteúdos musicais” como sendo outro princípio da Pedagogia da Música, ao lado do princípio da “prática musical”, tomando-os como essenciais para que os alunos desenvolvam orientações valorativas estéticas – a finalidade do processo de ensino-aprendizagem em Música na escola segundo a concepção desta autora. A despeito da distinção em nossos objetos de pesquisa, assumo os dois princípios da pedagogia musical anunciados por Sánchez Valle juntamente com os aportes definidos no âmbito da Teoria Histórico-Cultural, como fundamentos às estratégias didáticas e à construção interpretativa sobre a produção de sentidos subjetivos pelos alunos em seu processo de aprendizagem na Eseba/UFU. Na definição do conteúdo de ensino musical também me valho das proposições da autora cubana ao considerar três dimensões que constituem uma unidade: os componentes que organizam os conhecimentos musicais; os meios expressivos da linguagem musical e as habilidades musicais.

Sánchez Valle (2013) pensa a organização dos conhecimentos musicais a partir da expressão vocal, auditiva, rítmica e corporal; da criação e da leitura e escrita. O trabalho com a voz, ou “educação vocal”, diz respeito ao trato da voz por meio do canto objetivando que o aluno “cante com afinação, voz agradável e natural, bom fraseado e qualidade interpretativa”. Esses elementos são desenvolvidos ao se realizar vocalizes, exercícios respiratórios e entoar canções com atenção à articulação, à emissão vocal, à dicção e ao ritmo (SÁNCHEZ VALLE, 2013, p. 52, tradução nossa), visão muito próxima às proposições de Zankov (1984). Acrescento a essa proposição, o uso da voz falada como recurso expressivo no trato de elementos da linguagem musical. Retomando a concepção de musicalização de Carl Orff (1895-1982), a pedagoga da Educação Musical Maura Penna (2010) sugere uma série de

possibilidades para a utilização desse importante recurso a ser empregado em realizações rítmicas; na exploração de estruturas combinando ritmos e intervalos melódicos entoados; na execução de ostinatos, cânones, na aplicação em estruturas formais binária, ternária e rondó; e, ainda, no diálogo com gêneros musicais tais como o Rap, seja em atividades de apreciação, interpretação ou criação/improvisação.

A chamada “educação auditiva” tem a ver com audições que incluem os sons do corpo humano, do entorno, da vida cotidiana, e dos instrumentos musicais, ensejando que o aluno desfrute a música com uma adequada apreciação. Envolvidos na escuta estão os elementos relacionados às qualidades dos sons, a melodia, a textura, a harmonia, o ritmo e os meios sonoros, sejam vocais, instrumentais, eletroacústicos ou outros. Segundo Sánchez Valle, os meios de audição compreendem gravações e realizações ao vivo (SÁNCHEZ VALLE, 2013, p. 52). Sublinho a necessidade de uma escuta atenta sobre a qualidade do que se produz individualmente e sobre as execuções dos colegas, do professor e dos grupos nos quais toma- se parte.

A “educação rítmica” se fundamenta na vivência da música tendo em vista a compreensão e desenvolvimento do sentido rítmico. As manifestações dos alunos se fazem fisicamente, expressando-se na execução de instrumentos e objetos sonoros, na percussão corporal e na linguagem. Em suas realizações, os alunos são incitados a marcar o ritmo, a pulsação e o apoio de forma precisa e a executar polirritmias e desenhos rítmicos, seja no acompanhamento de canções e parlendas ou nas criações próprias (SÁNCHEZ VALLE, 2013, p. 52).

Sánchez Valle considera que o corpo é também um importante meio de ensino, haja vista a “inter-relação entre a música e a expressividade do corpo em movimento e em repouso, com a voz e os sons do entorno”. Em atividades que fomentem essa inter-relação, os alunos podem se movimentar pelo espaço da sala, explorando movimentos de locomoção, como o caminhar, o correr, o saltitar, o rodar, o arrastar, o girar; podem expressar detalhes rítmicos e melódicos, nuances na intensidade e andamento e o caráter da música apreciada, dentre outros aspectos, externalizando também emoções (Ibid., 53-54, tradução nossa). Essa proposição, presente na abordagem de outros pensadores e educadores musicais, subjaz às formulações de Dalcroze (1865-1950), que definiu um sistema de ensino musical (Eurritmia) baseado nos movimentos corporais.

A criação em música é também atividade basilar à estimulação da capacidade criativa dos alunos, elencada por Sánchez Valle no rol dos componentes organizadores dos conhecimentos musicais. Conforme aduzido na segunda seção deste trabalho, a atividade

criativo-musical esteve marcadamente presente em propostas de pedagogos da Música estrangeiros e brasileiros, sobretudo a partir dos métodos ativos no início do século XX. Apesar de a autora compreender o fenômeno criativo como assimilação e recriação da realidade dada no externo, concordamos que a atividade envolve a apropriação de determinados padrões e elementos da estruturação musical e a exploração e experimentação de materiais sonoros diversos, podendo combinar ritmos, timbres, melodias e textos (SÁNCHEZ VALLE, 2013, p. 54). Ocorre, no entanto que, à luz da Teoria da Subjetividade, essa reelaboração musical na atividade criativa se dá de forma indireta, mediante os efeitos colaterais da experiência vivida e subjetivada pelos alunos, não só em sala de aula como em outros momentos e espaços, as quais se integram em configurações subjetivas, expressando-se na emersão de ideias e no comportamento perante o objeto musical. Na mesma direção, para Mitjáns Martínez (2012) a atividade criativa requer a compreensão e o saber lidar com os elementos conceituais, transcendendo o dado a partir do emprego de recursos próprios, emergentes das configurações subjetivas dos sujeitos.

Quanto à especificidade e valor da atividade de criação, corroboro a visão de Sánchez Valle e de diversos pensadores do ensino-aprendizagem musical, como K. Swanwick (1979, 2003) e H. J. Koellreutter (BRITO, 2001), ao compreenderem-na como uma amplitude de práticas cuja relevância se dá no processo intencional que envolve a exploração, a seleção e a organização da materialidade sonora e dos silêncios. Portanto, não se trata de um “vale-tudo”. Lembrando que, para Davidov (1988), é a partir da atividade criativa que os alunos operam conceitualmente, tendo em vista a integralidade do objeto musical e a relação entre as partes, de tal modo que apropriam-se não só de seus elementos constitutivos e de suas formas de expressão, como também dos modos de se criar o produto artístico, guardando alguma relação com os processos de trabalho dos artistas e dos cientistas ao desenvolverem os conceitos científicos.

Outro componente organizador dos conhecimentos musicais a ser ensinado e aprendido na escola, conforme colocação de Sánchez Valle (2013, p. 54), é o registro gráfico – com a leitura e a escrita musicais – podendo envolver os símbolos da notação tradicional e signos alternativos para expressar determinadas qualidades dos sons, como os longos e curtos, os agudos e graves, os ascendentes e descendentes. Porém, o objetivo dessa aprendizagem está na compreensão e interação com o fenômeno musical, além da possibilidade de registro das criações próprias. Ler e escrever música não deve consistir em objetivo final da aprendizagem, como já aludido.

A partir da expressão vocal, auditiva, rítmica e corporal; da criação e da leitura e escrita, os meios expressivos da linguagem musical são, assim, abordados nos processos de ensino-aprendizagem. Sánchez Valle define os meios como

aqueles elementos que organizados e relacionados no próprio conteúdo da obra musical, com uma forma particular atuam como mediadores ou elo no sistema comunicativo através da música. O som e suas qualidades consistem na mínima expressão da linguagem sonora; quando se selecionam conscientemente os sons por seus parâmetros: altura, duração, intensidade e timbre para estruturar com uma forma determinada as relações sonoras do conteúdo, se começa a utilização dos meios expressivos. A música possui seus próprios meios expressivos que influenciam na apreciação por parte do escolar, tais como: a melodia, a textura, a harmonia e o ritmo (SÁNCHÉZ VALLE, 2013, p. 56, tradução nossa).

A melodia se refere à combinação sucessiva dos sons tendo em vista suas diferentes alturas (sons graves, médios e agudos) ao passo em que a harmonia diz da organização simultânea desses sons, formando os acordes. A textura corresponde à organização resultante das melodias e ou harmonias, caracterizando-se como monódica (uma linha melódica sem acompanhamento), polifônica (duas ou mais linhas melódicas com relativa independência), homofônica (melodia acompanhada) ou heterofônica (vozes independentes com ritmos e caráter contrastante). Já o ritmo diz respeito à distribuição dos sons no tempo, combinando durações (sons curtos ou longos) que se organizam em estruturas métricas (compassos) – binárias, ternárias, quaternárias (simples ou compostas) ou alternadas – ou mesmo em estruturas assimétricas. O timbre diz da fonte produtora dos sons, a partir da qual resultam suas qualidades particulares: se humana (vocal, corporal, feminina, masculina, infantil, etc); se material (instrumentos e objetos confeccionados com a especificidade de seus materiais e forma de produção sonora); se relativa aos fenômenos urbanos ou da natureza. Nos fenômenos musicais esses elementos são integrados, devendo ser também articulados quando dos processos de ensino-aprendizagem com vistas à produção de sentidos subjetivos que impliquem os alunos.

No domínio dos conteúdos estão ainda as habilidades musicais, que Sánchez Valle (2013, p. 59, tradução nossa) compreende como “conhecimentos musicais postos em ação na atividade musical em que o aluno realiza determinadas ações e operações, devendo ser consciente quanto à finalidade de sua execução”. As habilidades permitem pôr em prática os conhecimentos musicais e, recursivamente, são formadas e desenvolvidas mediante os processos de ensino-aprendizagem. Dentre as habilidades musicais estão o escutar de forma ativa (identificando e produzindo sentidos sobre as qualidades sonoras e estruturas musicais),

o executar (estruturas sonoras no corpo, na voz, nos instrumentos, nos objetos) e o criar (explorando e organizando material sonoro e silêncios com expressão). Essa maneira de se pensar o desenvolvimento dos vários elementos e habilidades musicais em sua mútua relação no contexto propriamente musical, também coincide com a perspectiva zankoviana.

Com os alunos envolvidos em um ambiente de aula dialógico, participativo e estimulados em sua área de desenvolvimento potencial sob a orientação do professor, entendo, como os autores aqui citados, que os elementos da linguagem musical devem ser abordados de forma integrada, mediante o trato do fenômeno musical relacionado ao contexto de sua produção, de modo que as características estruturais e significados latentes na cultura sejam conhecidos, explorados e ressignificados. Isso, a partir de ações e operações mentais dos sujeitos da aprendizagem tendo em sua base a produção simbólico-emocional. Assim, pari passu ao desenvolvimento de conhecimentos e habilidades musicais os sujeitos terão seus múltiplos sentidos mobilizados, elaborando recursos internos, atualizando suas configurações subjetivas e, em última instância, desenvolvendo sua subjetividade.

Nesse intento, o trabalho junto aos alunos do 4º ano da Eseba/UFU envolveu a realização de brincadeiras musicais; a exploração de instrumentos e de outras fontes sonoras, incluindo materiais diversos e os sons produzidos pelo próprio corpo; a criação de estruturas musicais e sua participação na elaboração de arranjos para as canções interpretadas; a apreciação ativa de repertório – com a escuta atenta dirigida à reflexão sobre aspectos da materialidade sonora e seus efeitos estéticos, às referências histórico-culturais relativas aos períodos históricos, compositores, intérpretes e gêneros musicais; a interpretação de canções e trechos musicais; a sistematização escrita das estruturas musicais criadas e vivenciadas e a reflexão sobre a relação entre os conceitos desvelados e sua aplicação a distintos objetos musicais.

5.2.2 O registro e a construção das informações no âmbito do trabalho pedagógico

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