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3 DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL: ANTECEDENTES E FUNDAMENTOS A Didática Desenvolvimental teve sua origem e projeção nas repúblicas soviéticas,

3.2 TEORIA DA ATIVIDADE E A CONCEPÇÃO DO ENSINO-APRENDIZAGEM ORIENTADO AO DESENVOLVIMENTO

3.2.1 Teoria da Atividade

A Teoria da Atividade partiu de postulados vigotskyanos, adotando seus aspectos mais objetivos. Desenvolvida ao longo da trajetória de A. N. Leontiev, já à década de 1930 apresentava a definição de suas bases, tendo marcado a Teoria Histórico-Cultural de tal modo que Teoria da Atividade passou, equivocadamente, a ser entendida como uma continuidade natural do pensamento de Vigotsky e, praticamente, como sinônimo de “Teoria Histórico- Cultural”. De fato, os aspectos enfatizados no segundo momento da produção vigotskyana guardavam semelhança com o pensamento dos teóricos da Atividade, quais sejam – as preocupações em imprimir um caráter objetivo aos fenômenos psíquicos, tomando-os como reflexos de processos externos, e a centralização do olhar ao desenvolvimento das funções psíquicas superiores. Entretanto, a obra de Vigotsky, em sua integralidade, expressa outras formas de compreender a estrutura e desenvolvimento da psique humana de modo que o

29 Há diferentes versões sobre o afastamento de Vigotsky das produções dos intelectuais do Grupo de Kharkov, especialmente, dos precursores Leontiev e Luria (LONGAREZI; FRANCO, 2013, p. 76-77). Considerando a análise da obra de Vigotsky por González Rey (2013b), o mais provável parece ser a orientação diferenciada no pensamento do autor que, especialmente entre 1931 e 1934, voltado às questões ligadas à emoção e à arte, bem como à busca de uma definição qualitativamente diferenciada da psique, sinalizava a sua preocupação com a unidade cognitivo-afetiva dos processos psicológicos, ao passo em que os Kharkovitas se dedicavam às teorizações que definiam os fenômenos da psique sobre a base da Atividade, objetivando-os.

próprio autor seguiu a um distinto caminho e, ainda hoje, o princípio definidor de uma teoria psicológica histórico-cultural deixa margem para desdobramentos no campo da subjetividade30.

Em um contexto de intensa refutação dos pressupostos idealistas do conhecimento, a Teoria da Atividade consolidou a Psicologia soviética em caráter objetivista, em pleno acordo com a orientação materialista do marxismo que imperava no Estado soviético, fundamentando também a concepção educacional da sociedade socialista. Analisando a introdução do conceito de “atividade” na teoria do conhecimento por Marx, Leontiev observa o forte cunho materialista inferido, haja vista que a atividade cognoscitiva é totalmente vinculada ao mundo circundante e às relações nele tecidas:

[...] a atividade em sua forma inicial e básica é a atividade prática sensorial durante a qual os homens se colocam em contato prático com os objetos do mundo circundante, experimentam a resistência desses objetos e atuam sobre eles, subordinando-se a suas propriedades objetivas. Esta é a diferença fundamental que existe entre a doutrina marxista sobre a atividade e a idealista, que admite a atividade somente em sua forma abstrata, especulativa. A profunda transformação realizada por Marx na teoria do conhecimento está na concepção da prática humana como base do conhecimento humano, como um processo em cujo desenvolvimento vão surgindo tarefas cognocitivas, se engendram e desenvolvem a percepção e o pensamento do homem e que, simultaneamente, define os critérios da adequação e a veracidade dos conhecimentos; na prática - diz Marx - o homem deve demonstrar a verdade, a realidade e o poder, as múltiplas facetas de seu pensamento (LEONTIEV, 1984, p. 20, tradução nossa).

Considerando os princípios da Teoria da Atividade tem-se, primeiramente, que os atributos humanos, para além das características biológicas da espécie, somente podem ser incorporados por meio da apropriação das obras da cultura humana constituídas historicamente. Para Leontiev, esse processo se dá pela atividade intencional exercida pelo homem em seu meio, quando transforma a realidade objetiva e é por ela transformado. Nessa direção, baseando-se no pensamento de Marx, afirma:

A atividade humana (tanto mental como material), tal como se manifesta no processo de produção, está cristalizada no produto; o que num extremo se manifesta como ação, movimento, no outro extremo, o do produto, transforma-se numa propriedade estavelmente definida. A mesma transformação é um processo no qual se produz uma objetivação das capacidades humanas: as conquistas histórico-sociais da espécie (LEONTIEV, 1991, p. 63-64).

Segundo a concepção de Leontiev, nas criações humanas – como os objetos materiais e fenômenos ideais (ciência e linguagem) – concentram-se tanto a experiência histórica do gênero humano, quanto as capacidades intelectuais geradas na experiência. É, então, no seio da atividade que se realiza o desenvolvimento humano, uma vez que, no processo de apropriação (ou assimilação) se dá a interiorização da atividade externa que se transforma em interna, constituindo-se e desenvolvendo-se as funções e faculdades psíquicas. De acordo com o autor,

O que determina diretamente o desenvolvimento da psique de uma criança é sua própria vida e o desenvolvimento dos processos reais desta vida - em outras palavras: o desenvolvimento da atividade da criança, quer a atividade aparente, quer a atividade interna. Mas seu desenvolvimento, por sua vez, depende de suas condições reais de vida. Ao estudar o desenvolvimento da psique infantil, nós precisamos por isso começar analisando o desenvolvimento da atividade da criança, como ela é construída nas condições concretas de vida [...] Só com esse modo de estudo, baseado na análise do conteúdo da própria atividade infantil em desenvolvimento é que podemos compreender de forma adequada o papel condutor da educação e da criação, operando precisamente em sua atividade e em sua atitude diante da realidade, e determinando, portanto, sua psique e sua consciência (LEONTIEV, 1988, p. 63).

Sendo assim, é no bojo das relações sociais, em que se desenvolve a produção material e o reflexo psíquico da realidade, que o pensamento é gestado. Em palavras de Leontiev (1984, p. 21, tradução nossa), “o pensamento e a consciência são determinados pela existência real, pela vida dos homens, e somente existem como sua consciência, como um produto do desenvolvimento do mencionado sistema de relações objetivas”. À luz do pensamento de Marx, Leontiev considera, portanto, que a consciência não se trata de epifenômeno dos processos cerebrais e sim de produto das relações sociais que, por sua vez, se realizam mediante o cérebro e os órgãos dos sentidos, sendo que, nos processos psicológicos originários das relações sociais “são onde se concebem os objetos como imagens subjetivas deles mesmos na mente humana, como consciência” (Ibid., p. 28). É a partir do processo de apropriação dos conhecimentos humanos produzidos por gerações precedentes que se dá a transição da consciência social à individual.

Para Leontiev (1991, p. 64-65), a apropriação pelos seres humanos não se reduz a uma adaptação ao mundo circundante, tal como ocorre aos animais. Enquanto o processo de adaptação nos animais é de cunho biológico, implicando na alteração das características da espécie em função das exigências ambientais, o processo de apropriação implica na “reprodução no indivíduo de qualidades, capacidades e características humanas do

comportamento”, requerendo, para isso, uma posição ativa dos envolvidos em uma adequada atividade. Esta, mediada pelas relações com as pessoas, permite aos indivíduos assimilar o objeto ou fenômeno dado. A apropriação refere-se, pois, a “um processo por meio do qual se produz na criança o que nos animais se consegue mediante a ação da hereditariedade; a transmissão para o indivíduo das conquistas do desenvolvimento da espécie”. Um exemplo está na linguagem que, na condição de “produto objetivo da atividade das gerações humanas precedentes”, ao ser assimilada pela criança incide no desenvolvimento das capacidades de fala e entendimento e das funções de audição e de articulação da fala (LEONTIEV, 1991, p. 65). Desse modo, a comunicação é tida como sumariamente importante ao desenvolvimento mental, uma vez que a experiência humana generalizada reflete-se de forma verbal na linguagem, além de consolidar-se nos elementos materiais (Ibid. p. 72). Daí Leontiev considerar que nos seres humanos e, somente no caso deles, “a adaptação da experiência filogenética às mudanças das condições externas [...] adquire a forma de experiência histórica assimilada durante a vida” (Ibid. p. 67).

Além do processo de apropriação da experiência do gênero humano, Leontiev (1991) define outros dois princípios relevantes ao desenvolvimento mental da criança, quais sejam: as “aptidões”, como processo de formação de sistemas cerebrais funcionais, e a compreensão do processo de formação das ações mentais como desenvolvimento.

De acordo com o autor – à luz de investigações psicológicas realizadas por Vigotsky e de suas próprias experiências empreendidas no laboratório da Universidade de Moscou – as crianças não nascem com os órgãos preparados à assimilação da experiência humana. Durante a vida, ao passo em que os indivíduos se apropriam dessa experiência no meio social, são desenvolvidas as capacidades e funções, formando-se os próprios órgãos necessários ao seu funcionamento, ou seja, os sistemas funcionais cerebrais voltados à realização de atos específicos. Segundo Leontiev (1991, p. 69), a formação de tais sistemas constituem um importante princípio da ontogênese, uma vez que determinam novas formações no desenvolvimento mental.

As chamadas “funções psicofisiológicas” são definidas por Leontiev (1988, p. 76) como “as funções fisiológicas que realizam a mais alta forma de vida do organismo, isto é, sua vida mediada pela reflexão psíquica da realidade [...] inclui as funções sensoriais, as funções mnemônicas, as funções tônicas e assim por diante”. A importância conferida a essas funções é incomensurável, entendendo-se que elas estão envolvidas em toda e qualquer atividade psíquica. Partindo da premissa de que as funções se desenvolvem inter-relacionadas aos processos da realidade e da crença sobre sua imprescindibilidade em relação às demais

atividades psíquicas, Leontiev imprime o caráter objetivo aos fenômenos de ordem subjetiva. Em suas palavras:

Todas essas funções constituem igualmente a base dos correspondentes fenômenos subjetivos de consciência, isto é, sensações, experiências emocionais, fenômenos sensoriais e a memória, que formam a “matéria subjetiva”, por assim dizer, a riqueza sensível, o policromismo e a plasticidade da representação do mundo na consciência humana (LEONTIEV, 1988, p. 76).

Quanto ao processo de formação das ações mentais, é também percebido pelo autor de forma intrinsecamente ligada à assimilação da experiência histórico-social, partindo do entendimento de que a criança necessita aprender as noções, os conceitos sobre o mundo circundante para acumular conhecimento humano. Para tanto, defende a necessidade de nela desenvolver “processos cognitivos adequados (ainda que, naturalmente, não idênticos) aos processos cujo produto é o conceito dado” (LEONTIEV, 1991, p. 73).

Tendo em vista a formação desses processos da esfera intelectual, da ordem do pensamento, Leontiev prevê, tal como defendeu Galperin e seus colaboradores, a orientação das crianças em um trabalho de formação de ações mentais por etapas, em que, partindo-se de ações externas com objetos, adentra-se ao campo teórico por meio da verbalização e, por fim, ao plano mental, com a realização de operações internas de pensamento. Essa concepção é justificada a partir da constatação de que, embora a criança seja capaz de assimilar a experiência sócio-histórica de forma generalizada, é preciso que forme ações mentais adequadas aprendendo, assim, conceitos, generalizações, conhecimentos, no sentido de dominar as operações de pensamento. Nessa perspectiva, o ensino intencional sobre uma base orientadora da atividade tem um papel fundamental centrando-se, em um primeiro momento, em ações com objetos externos, conforme mencionado.

A fase da escolarização é, desse modo, crucial à reestruturação e ampliação do universo de relações humanas da criança, levando-a a desempenhar diferentes papéis no contexto social, a assumir responsabilidades, a perceber suas novas potencialidades, a despertar-lhe novos interesses quanto aos aspectos da realidade e às formas como ela é lida, enfim, a ressignificar sua compreensão de mundo. Segundo Leontiev (1988), é a essa mudança na forma de inclusão objetiva da criança na vida social, ou seja, é a reorganização de suas obrigações e de seus papéis sociais juntamente com a de seu sistema de relações, que se devem, inicialmente, a caracterização do estágio de desenvolvimento. Porém, fator determinante à mudança nos estágios de desenvolvimento da psique é o desenvolvimento da

atividade pela criança nas condições de sua existência. Para o autor (LEONTIEV, 1988, p. 82), os estágios sucessivos de desenvolvimento se tratam de estágios separados da transformação da criança em membro da sociedade, a quem cabem obrigações.

Levando-se em conta a relevância dos processos reais, concretos da vida ao desenvolvimento psíquico dos indivíduos, importante é considerar a visão de Leontiev de que em cada estágio há um tipo de atividade que mais se destaca, falando-se em “atividade principal” – um tipo específico e dominante de atividade – e em atividades outras, com papel subsidiário no desenvolvimento. A atividade do primeiro tipo é definida por Leontiev (1988, p. 65) como aquela “cujo desenvolvimento governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade da criança, em um certo estágio de seu desenvolvimento”.

A transição do indivíduo a distintos estágios de desenvolvimento da psique deve-se, assim, à mudança no conteúdo da atividade principal associada à sua sequência no tempo (considerando-se o fator etário), mas, sobretudo, às condições histórico-sociais concretas envolvidas na experiência de vida. São propriamente essas condições que determinam a atividade principal em cada estágio. Tendo em vista as condições da ex-URSS, Leontiev verifica que o domínio da realidade objetiva – a assimilação de fenômenos e relações humanas pela criança – se dá, primeiramente, a partir do brinquedo. Posteriormente, com a ampliação de seus conhecimentos, o surgimento de novos interesses e a percepção de suas novas potencialidades, a atividade principal passa a ser definida no estudo sistematizado desenvolvido em espaço escolar.

Para o autor, a ruptura acarretada pelas mudanças qualitativas no desenvolvimento da psique é inevitável, sendo que a mudança no tipo principal de atividade e a transição a um distinto estágio de desenvolvimento correspondem à emersão de uma necessidade interior, mas em conexão com o próprio enfrentamento de novas tarefas, como as postas pelo processo educacional. O jovem e o adulto, por sua vez, encontram no treinamento posterior e no trabalho suas atividades principais (LEONTIEV, 1988, p. 66-67).

Os processos identificados como “atividade”, com papel central ou subsidiário no desenvolvimento do indivíduo, têm características definidas, concretizando as relações do homem com o mundo em atendimento a uma necessidade especial. Para que se possa atribuir o status de atividade a um processo, a existência de uma necessidade (força interna que a conduza) é a condição primeira, devendo ocorrer também a mobilização do sujeito (no intuito de satisfazê-la) vinculada ao próprio conteúdo do processo em desenvolvimento. Ou seja, o

motivo – aquilo que move o sujeito na realização de algo – deve coincidir com o objeto ao qual o próprio processo se dirige.

Buscando análogos no campo do ensino-aprendizagem musical, tomemos o exemplo de um estudante que tem aulas de Música na escola básica, a quem o professor atribui a tarefa de execução de vocalizes. Este indivíduo pode se sentir estimulado, dedicando-se a essa realização ao perceber que ela lhe propicia o aquecimento vocal, que por sua vez, lhe favorece a afinação, a articulação e a projeção de sua voz e acarreta a interpretação de determinado repertório com maior acuidade em correspondência à sua necessidade de realização artística. Nesse caso, é possível inferir que, ao entoar os vocalizes, o estudante toma parte em uma atividade musical por meio do canto, haja vista que seu interesse e mobilização relacionam-se diretamente ao conteúdo do próprio fazer.

Em uma situação distinta, em que o estudante entoa os vocalizes simplesmente em função do cumprimento obrigatório de uma norma, tendo como necessidade a adequação de seu comportamento ao adotado pelos demais estudantes da turma para não ser excluído da sala de aula, pode se dizer que a realização dos vocalizes trata-se de uma ação e não propriamente de uma atividade musical, uma vez que o objeto ao qual se dirige seu fazer – a expressão artística – não coincide com o que o motiva a entoar vocalizes. Neste caso, ao invés de se falar em atividade musical, se define uma atividade de acondicionamento vocal com fim nela mesma, em que a entonação de vocalizes se caracteriza como ação, e, as estruturas entoadas, como “alvo direto”, ou seja, como objeto da ação independentemente do propósito de expressar-se musicalmente. Isso porque, é a permanência na sala de aula junto aos demais estudantes que consiste no motivo da ação.

Assim, em palavras de Leontiev (1988, p. 68), “atividade” designa “os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo”. Isso quer dizer que a caracterização de um processo como “atividade” requer a análise psicológica do próprio processo, possibilitando compreender o que ele representou ao sujeito.

Já a ação (ou ato), refere-se a “um processo cujo motivo não coincide com seu objetivo, (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte”. Contudo, os motivos das ações podem ser transformados, passando de “só motivos compreensíveis” – quando não são psicologicamente eficazes, apesar de existirem na consciência – a “realmente eficazes”, dando origem a novos tipos de atividade. Isso ocorre quando o resultado da ação, dependendo das condições, se faz mais significativo que o motivo

que lhe deu cabo, incidindo, assim, em uma nova objetivação das necessidades do indivíduo (LEONTIEV, 1988, p. 70-71).

A transformação dos motivos pode levar à transformação das relações da criança com a realidade e a mudanças na atividade principal, incidindo na transição a novos estágios de desenvolvimento. Mas, para que o novo motivo de fato incite a transição a uma nova atividade principal, é preciso que a criança se conscientize quanto à nova esfera de relações e que o novo motivo corresponda às reais possibilidades de sua atividade.

Nessa direção, outro exemplo pode ser elucubrado no que tange à prática musical. Nada incomum é observarmos uma criança pequena a executar melodias livremente, de forma lúdica em uma flauta doce de brinquedo. Ela experimenta fenômenos e relações humanas no mundo circundante por meio da brincadeira com as sonoridades. Em sua fase de escolarização, seus pais a matriculam em um conservatório – um ambiente especializado no ensino musical – para que, no tempo livre da escola básica, não fique ociosa em casa. Além disso, os pais acreditam que o (a) filho (a) poderá se relacionar com outras pessoas em um distinto espaço social. Para a criança, sua presença no novo lugar pode representar um passatempo, a oportunidade de fazer novas amizades, de aprender algo diferente, ou mesmo o mero cumprimento de uma obrigação imposta pelos pais.

Imersa no contexto de sistematização do estudo musical, a criança passa a desenvolver atividades de preparação técnico-instrumental e a interpretar um repertório de músicas. Posteriormente, com a apresentação do produto artístico a uma plateia ela se entusiasma, percebendo a relação entre os esforços empreendidos na preparação e o resultado alcançado. Se, a partir daí, a atividade de execução instrumental passa a ser empreendida com nova motivação, em acordo com as potencialidades do indivíduo, levando-o a integrar contextos artísticos de modo a determinar as relações de sua vida, pode se dizer que o estudo, nesse caso no campo musical, exerce o papel de atividade principal em favor de suas novas aquisições no desenvolvimento psicológico.

Segundo o exemplo descrito é possível inferir que os motivos do envolvimento da criança com a prática da flauta doce passaram por transformações e transformaram as próprias relações desse indivíduo com a realidade, assim como o caráter de sua atividade que, em um primeiro momento se manifestou a partir da brincadeira com as sonoridades do instrumento. Depois, em um espaço social de estudo, a atividade com a flauta doce assumiu uma nova configuração, mas foi motivada por aspectos outros que não o próprio aprendizado musical. Finalmente, a partir do momento em que os resultados do envolvimento do indivíduo com as práticas musicais soaram-lhe mais significativos do que os motivos que a princípio dirigiam o

estudo do instrumento, esses motivos “apenas compreensíveis” foram transformados em motivos “realmente eficazes”, gerando a nova objetivação de suas necessidades.

O exemplo mencionado corresponde à situação de muitos artistas, os quais ainda crianças se envolvem com o estudo musical que, aos poucos vai tomando uma diferente proporção em sua vida a ponto de se tornar uma atividade principal, configurada como profissão na fase adulta.

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