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PENSANDO UMA DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL DA SUBJETIVIDADE NO ENSINO DE MÚSICA NA ESCOLA

2 DE DIDÁTICA E MÚSICA: INCURSÕES PARA PENSAR UMA DIDÁTICA

2.3 PENSANDO UMA DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL DA SUBJETIVIDADE NO ENSINO DE MÚSICA NA ESCOLA

A definição de uma proposta de ensino musical na escola que se quer comprometida com o desenvolvimento do sujeito da aprendizagem demanda tomá-lo em primeiro plano, assim como o sujeito do ensino, ambos com suas configurações subjetivas individuais, imersos em contextos dotados de subjetividades sociais. Demanda pensar música no sentido expresso por Queiroz (2005, p. 52), à luz da revisão epistemológica fomentada nesse campo a partir da segunda metade do século XX, como “corpo sonoro que congrega aspectos compartilhados pelos seus praticantes nas distintas experiências culturais que compartilham em seus sistemas sociais”. É também necessário ter em mente que música – o objeto do ensino-aprendizagem musical – tem seus efeitos na própria ação, conforme ponderado por Tia Denora (2000) e Small (1998); por González Rey ao versar sobre a produção de sentidos subjetivos (2013b, 2017) e pelos didatas V. V. Davidov (1988) e L. V. Zankov (1984) ao apresentarem suas propostas para o Ensino Desenvolvimental nas expressões artísticas e, especificamente na Música. E, ainda, há que se ter clareza sobre o propósito de ensiná-la e aprendê-la na escola, tendo em vista o seu papel nesse espaço formativo. Nesse sentido, Swanwick tece a seguinte reflexão:

As atividades musicais, algumas vezes unidas a cerimonial ritual, dança, encenação, e mesmo a mágica, podem ser encontradas em praticamente todas as comunidades coesivas, em outras palavras, em todas as culturas. O valor da música parece ser auto-evidente. Se instituições tais como escolas e faculdades devem ser consideradas como baseando seus currículos nas atividades importantes numa cultura, então música é uma candidata óbvia. Mas é este um argumento realmente útil? Se a música está viva e bem fora

da escola, porque incomodar-se em institucionalizá-la? (SWANWICK, 1993, p. 20).

Na Teoria Histórico-Cultural, a resposta a essas questões está diretamente relacionada ao próprio sentido da educação e da educação escolar, instância privilegiada de desenvolvimento humano por meio da apropriação da cultura. Mas o ser humano, com o seu potencial gerador, para além de se apropriar da produção cultural, produz realidades e ressignifica os fenômenos a partir de suas configurações subjetivas. O ensino de Música, assim como nos demais campos do conhecimento representados na escola tem, segundo a concepção vigotskyana, a possibilidade de atuar na área de desenvolvimento potencial dos indivíduos, de modo a promover seu desenvolvimento psicointelectual. Isso, se o processo de ensino for adequadamente conduzido ofertando práticas que vão além do nível de desenvolvimento real dos estudantes, superando os conhecimentos espontâneos/cotidianos.

Benedetti e Kerr (2009) reconhecem que práticas musicais cotidianas podem ser bastante interessantes e motivadoras, mas também ineficazes quanto à contribuição no desenvolvimento psicointelectual quando não são sistematizadas, deixando de apresentar novos e desafiadores conhecimentos que de fato impulsionem o desenvolvimento. As autoras consideram que pessoas que tiveram formação musical espontânea podem ser muito beneficiadas pelo ensino musical sistematizado, até mesmo pela contribuição que pode representar na melhoria da capacidade de expressão das peculiaridades de sua própria música (Ibid., p. 85). Cabe ao professor se atentar à qualidade do processo educacional tendo em vista a complexidade de seus objetivos sem necessariamente enaltecer ou desvalorizar determinados tipos de conhecimentos.

Benedetti e Kerr (2009) também ressaltam que a Educação Musical chegou a ser afetada por discursos pedagógicos que menosprezavam práticas sistemáticas, formais de ensino musical, que as consideravam nocivas à musicalidade como se restringissem as capacidades criativas das pessoas. Ocorre que

ao propor a busca da autonomia da criança na construção de seus conhecimentos, esse discurso acabou por obscurecer os objetivos e metas dos programas formais de Educação Musical, pois, ao considerar qualquer prática sistemática como método de adestramento musical, abriu espaço para que as aulas de música se tornassem meros espaços de experimentação caótica ou então espaços de entretenimento (BENEDETTI; KERR, 2009, p. 85-86).

As autoras atribuem à inaptidão, desinteresse e irresponsabilidade de uma parte de docentes o tipo de discurso que acarretou as referidas práticas, estigmatizando determinados conteúdos e processos de ensino, ao invés de terem se ocupado em contextualizar a aprendizagem, tornado os novos conteúdos compreensíveis e significativos. Para elas, a questão não se trata de excluir ou exaltar conteúdos e práticas e sim de tomar a educação musical no currículo escolar “como espaço intencionalmente organizado para se descobrir e praticar todas possibilidades educativas, desenvolvimentais, salutares e integradoras da música” (BENEDETTI; KERR, 2009, p. 85-86).

A Música – como forma de expressão e campo de conhecimento artístico – diz da emoção, da imaginação, da criatividade, envolvendo as dimensões simbólicas e emocionais em unidade dialética, o que já era problematizado por Vigotsky ao desenvolver seus estudos sobre a psicologia da arte nos primórdios de sua produção teórica. Não raro as expressões artísticas são associadas às emoções e à criatividade, mas nem sempre as concepções orientadoras de seu ensino tratam desses aspectos de forma intencional e envolvida em um processo formativo voltado ao desenvolvimento humano, para além do espontaneísmo, da finalidade lúdica. Por outro lado, há processos de ensino-aprendizagem musicais bem organizados, mas que privilegiam o desenvolvimento da dimensão cognitiva dissociada dos aspectos afetivo-emocionais, voltando sua atenção para a assimilação de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades, como se o conhecimento fosse algo externo ao sujeito e não sua produção. Dessa problemática emerge a questão “como os processos didáticos no ensino de Música na escola de educação básica (ensino fundamental) podem contribuir ao desenvolvimento integral dos estudantes?”.

O presente trabalho visa contribuir com aportes que possam subsidiar reflexões e estratégias didáticas adequadas ao ensino de Música na escola após o hiato de quase cinco décadas de sua obrigatoriedade – uma didática que, diferentemente de prescritiva, defina-se pela organização de processos de ensino comprometidos com a complexa trama subjetiva do sujeito que aprende, voltando-se ao seu desenvolvimento integral. Para tanto são expostos os fundamentos teóricos e metodológicos da Didática Desenvolvimental, da Teoria da Subjetividade e sua adoção no campo educacional, bem como apresentados processos de ensino-aprendizagem musicais junto a estudantes do ensino fundamental, procurando colocar em prática os princípios didáticos propostos e refletir sobre as possibilidades de uma “Didática Desenvolvimental da Subjetividade” no ensino de Música na escola.

3 DIDÁTICA DESENVOLVIMENTAL: ANTECEDENTES E FUNDAMENTOS

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