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Para a socióloga norte-americana Gaye Tuchman (1999, p. 74), a objetividade pode ser vista como um “ritual estratégico” dos jornalistas. Eles acreditam que podem diminuir a influência das pressões exercidas pelo tempo, pelas organizações e pelas críticas ao seu trabalho argumentando que utilizam procedimentos formais e técnicas “objetivos”.

Para os jornalistas, como para os cientistas sociais, o termo “objetividade” funciona como um baluarte entre eles e os críticos. Atacados devido a uma controversa apresentação de “factos”, os jornalistas invocam a sua objetividade quase do mesmo modo que um camponês mediterrânico põe um colar de alhos à volta do pescoço para afastar os espíritos malignos (idem, p. 75)

Tuchman argumenta que três fatores influenciam o conceito de objetividade dos jornalistas: a forma, as relações interorganizacionais e o conteúdo. A forma está relacionada aos atributos das notícias e dos jornais que exemplificam os processos noticiosos, como o uso das aspas. O conteúdo diz respeito às noções da realidade social que os jornalistas consideram como adquiridas e também está relacionado às relações interorganizacionais do jornalista que, por estar inserido em uma organização, toma algumas constatações acerca dela como certas.

A autora apresenta quatro procedimentos estratégicos dos jornalistas que ilustram os atributos formais de uma notícia tida como objetiva: apresentação de possibilidades conflituais (várias versões para o fato, mesmo que o jornalista não consiga verificar qual é a verdadeira); apresentação de provas auxiliares que corroborem as afirmações do texto jornalístico, como estatísticas; uso das aspas para expor a opinião de outras pessoas e, muitas

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vezes, atribuir a elas algo que ele próprio pensa; a estruturação da informação numa sequência apropriada, qual seja, a da pirâmide invertida10.

Estruturar a matéria numa sequência adequada, ou seja, encontrar o lide11, é uma habilidade baseada no news judgment, na perspicácia profissional do jornalista. Tuchman explica que o news judgment é a “capacidade de escolher, ‘objetivamente’ (grifo da autora), entre ‘factos’ concorrentes para decidir quais os ‘factos’ que são mais ‘importantes’ ou ‘interessantes’ ” (Tuchman, 1999, p. 83). As qualidades “importantes” e “interessantes” estão relacionadas ao conteúdo, ou seja, ao estruturar a notícia, o jornalista utiliza suas próprias noções de conteúdo “importante” ou “interessante”.

Além disso, o jornalista está inserido em uma organização, com uma linha editorial específica. A experiência organizacional do jornalista o predispõe contra hipóteses que contrariam suas expectativas e, ao mesmo tempo, validam seu news judgment, reduzindo-o ao senso comum. Para os jornalistas, senso comum é aquilo que a maioria deles considera verdadeiro ou dado como adquirido (idem, p. 87).

Portanto, apesar de os procedimentos de produção da notícia representarem uma tentativa de se alcançar uma objetividade, não se pode dizer que a empreitada tenha êxito. Para Tuchman, esses procedimentos incitam a percepção seletiva do público, insistem na idéia equivocada de que “os fatos falam por si só”, são um meio de o jornalista fazer passar sua opinião, estão limitados pela linha editorial da organização e iludem o leitor ao sugerir que as matérias de “análise” são “convincentes, ponderadas ou definitivas”.

Koschwitz (apud Kunczik, 1997, p. 224) afirma que a objetividade de uma informação é o grau de identidade entre o fato e a sua descrição mediante a informação.

Nesse sentido, a objetividade jornalística está relacionada à qualidade de um produto jornalístico. Também se utiliza o termo para descrever uma norma jornalística que requer certos tipos de comportamento. Já a ‘imparcialidade’ ou o ‘equilíbrio’ que se exigem da reportagem se relacionam com o conteúdo global de um veículo de comunicação, com os interesses existentes numa sociedade que dentro desse veículo compete com algum outro em torno da opinião pública (idem).

10 Nome dado ao formato padrão da notícia: os fatos são narrados do mais importante ao menos relevante. 11 De acordo com o Dicionário da Comunicação (2009), o lide ou lead é “a abertura da matéria. Nos textos

noticiosos, deve incluir, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitam ao leitor um resumo completo do fato”.

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O pesquisador alemão Michael Kunczik (1997, p. 225) conta que os jornais da Alemanha do século XVIII acreditavam que possuíam uma tarefa pedagógica; a atividade ainda não havia se voltado para as regras da economia de mercado. No caso da imprensa norte-americana, antes do nascimento da mídia popular (penny press), no século XIX, os veículos acreditavam que deveriam refletir os interesses ideológicos dos partidos. A chamada

party press (1783-1860) nasceu da percepção dos líderes políticos de que a imprensa poderia ser usada para “esquentar” a batalha entre federalistas e republicanos nos Estados Unidos (Mott, 1962, p. 113). Com a penny press, o jornalismo passou a se dirigir a um público amplo, com um caráter informativo.

Para Michael Schudson (apud Kunczik, 1997, p. 226), a objetividade da penny press12 começa com “a reportagem de pormenores da economia e do comércio, das cortes e das ruas, do raro e do comum”. De acordo com Luther Mott (1962), o surgimento desse novo tipo de imprensa nos anos 1830 causou uma verdadeira revolução das notícias, em contraposição “aos tempos de trevas do jornalismo partidário”. Essa mudança de paradigma foi auxiliada por um contínuo avanço tecnológico, caracterizado pela chamada Revolução Industrial, tanto nos Estados Unidos quanto na Inglaterra, o que aumentou a velocidade da informação e fez com que um número muito maior de pessoas tivessem acesso às notícias.

O primeiro jornal diário bem sucedido da imprensa popular foi o The New York Sun, fundado em 1833. Com quatro páginas do tamanho de uma folha de papel A4, divido em três colunas, o Sun ficou famoso pelo tratamento humorístico dado a reportagens policiais e pelas histórias de interesse humano. Mott (1962, p. 242) enumera quatro preceitos seguidos pela

penny press: 1) as pessoas comuns devem ter uma visão realista da cena contemporânea, ao invés de tabus; 2) abusos em igrejas, tribunais, bancos e mercados devem ser expostos; 3) o primeiro dever do jornal é dar a seus leitores a notícia, não apoiar um partido ou uma classe; 4) notícias de interesse humano e local são importantes.

Vale ressaltar que a penny press não causou uma ruptura imediata com o passado no jornalismo norte-americano. Naquela época, havia inúmeros diários mercantis, com caráter partidário, que excediam aquele gênero em número e influência. Os opositores da penny press

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acusavam esses veículos de sensacionalistas (yellow press, ou imprensa marrom, no Brasil) e de baixa-qualidade mas, por outro lado, os preços módicos dos jornais culminaram num vasto aumento da audiência.

Aproveitando esse crescimento, Henry Jarvis Raymond e George Jones fundaram, em 1851, o New York Times (Mott, 1962). Apesar do preço acessível e de suas quatro páginas, o jornal logo se tornou referência de veículo bem equilibrado, bem editado e predominantemente informativo, com ênfase em relações exteriores. Nessa época, os jornais mostravam intenção crescente de separar entretenimento e informação. Como contraponto ao jornalismo informativo do Times, surgiu então o The New York World (1860-1931), adquirido pelo magnata da comunicação Joseph Pulitzer, nos anos de 1880. O forte do jornal eram as notícias de entretenimento e de interesse humano.

A ideia do jornalismo informativo é que o próprio leitor tire suas conclusões por meio dos fatos apresentados. “Por trás da noção de que é possível uma reportagem objetiva está a ideia de que a informação pode ser apresentada de tal maneira que seus receptores sejam capazes de formar suas próprias opiniões” (Kunczik, 1997, p. 227). Nos Estados Unidos, a objetividade virou uma das principais metas da atividade jornalística, o que acabou refletindo na imprensa brasileira, que se inspirou no modo de produção norte-americano.

De acordo com Carlos Eduardo Lins da Silva (1991), o fazer jornalístico dos Estados Unidos chegou ao Brasil por meio dos profissionais da imprensa brasileiros que viveram lá por algum tempo e trouxeram técnicas e conceitos que aprenderam durante sua estada no exterior. O jornalista Hipólito da Costa Pereira foi um dos pioneiros, ao passar uma temporada na Filadélfia, em 1798, e depois criar o primeiro jornal brasileiro (ainda que editado em Londres), em 1808, o Correio Braziliense. Seguem-se ainda os exemplos de Quintino Bocaiúva, que esteve nos Estados Unidos em 1860 e fundou o jornal A República, logo em seguida, e José do Patrocínio, que tentou fazer um New York Herald no Rio de Janeiro.

No início do século XX, outros brasileiros passaram pelas redações norte-americanas e tentaram introduzir o que aprenderam no Brasil, mas só na década de 40 dois dos mais importantes jornalistas do país voltaram decididos a mudar os padrões da imprensa brasileira (Silva, 1991, p. 77). Um deles foi o jornalista Samuel Wainer, que passou alguns meses nos

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Estados Unidos, em 1944, e trouxe novas ideias para a apresentação gráfica de Última Hora, na tentativa de fazer do Aqui São Paulo uma New Yorker13, e introduziu a ideia do caderno cultural (idem, p. 79).

Outro personagem muito importante foi Pompeu de Souza que, depois de ter trabalhado no serviço brasileiro do Voz da América, nos Estados Unidos, de 1941 a 1943, voltou ao Brasil e ajudou a empreender uma das mais importantes mudanças ocorridas no jornalismo brasileiro. À frente do Diário Carioca, na década de 50, Pompeu de Souza fez com que o lide fosse adotado como norma e o manual de redação fosse, finalmente, levado a sério. Foram grandes passos rumo aos preceitos de “objetividade jornalística” norte- americanos.

Uma das pesquisas mais importantes a questionar a objetividade no jornalismo foi conduzida por David Manning White, em fevereiro de 1949. White acompanhou o processo de seleção de notícias de um editor responsável por escolher as notícias nacionais e internacionais que figurariam na primeira página de um jornal médio norte-americano, originárias de grandes agências como Associated Press, United Press e International News

Service.

Partindo da premissa de que o editor era responsável por abrir e fechar o portão (gate) para as notícias, White apelidou-o Mr. Gates. Ao contrário do que se acreditava até então, o pesquisador notou que a comunicação jornalística “é extremamente subjetiva e dependente de juízos de valor baseados na experiência, atitude e expectativas do gatekeeper” (White, 1999, p. 45). A análise dos gatekeepers passou a ser identificada como o estudo das decisões conscientes do editor sobre o que publicar e o que não publicar numa corrente seletiva de jornalistas (Motta, 2002, p. 130).