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OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL

TÓPICO 3 — ELEMENTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO

3.3 OBJETO LÍCITO, POSSÍVEL, DETERMINADO OU DETERMINÁVEL

Não é demais relembrar que estamos tratando aqui do plano de validade.

Portanto, pressupõe-se que já se passou pelo teste da existência, e, no plano da validade, também já observamos os pressupostos da capacidade das partes, que a lei chama de agente capaz. Assim, o que analisaremos não é se o negócio possui ou não objeto (porque, para existir, ele precisa ter), mas sim se o objeto é algo autorizado pelo ordenamento, é algo possível e também, se é algo identificável.

Vamos iniciar com a análise sobre o que implica a ideia de um objeto ser lícito.

De acordo com Monteiro e Pinto (2012, p. 231), da compreensão do termo

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No mesmo sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 392) dizem que “a licitude traduz a ideia de estar o objeto dentro do campo de permissibilidade normativa, o que significa dizer não ser proibido pelo direito e pela moral”. Pode-se perceber, portanto, que a ideia de licitude vai além daquilo que está de acordo com as leis. É também ilícito aquilo que fere preceitos considerados maiores para a vida em Sociedade.

Deve-se ter em mente, entretanto, que os termos moral e bons costumes são termos abertos e evolutivos. Não possuem definição legal e sua interpretação dependerá de quando, onde e, eventualmente até por quem, o negócio foi realizado. Mello (2015, s.p) explica que:

Em doutrina e na jurisprudência, por sua vez, não há sobre o tema uma concepção unívoca. Em geral, os critérios propostos pela doutrina não são adequados para permitir uma avaliação objetiva sobre a moralidade ou imoralidade do negócio jurídico. Sugere-se, por exemplo, que o juiz deve apreciar o caso concreto tendo em vista princípios de honestidade, ou conforme o agir de um bom pai de família, ou segundo o critério de um homem honrado e prudente, ou de acordo com o sentimento moral do homem médio e outras formulações imprecisas que expressariam padrões da boa moral. A jurisprudência alemã adota a fórmula de que a imoralidade se deve determinar segundo “o sentimento de decência de todas as pessoas que pensam justa e equitativamente”, a qual, embora também imprecisa, se tem mostrado útil à solução dos casos concretos, consoante o depoimento de Henkel.

Gagliano e Pamplona Filho (2015, p. 392) afirmam que “não se admitiria a celebração de um contrato de prestação de serviços sexuais – e, consequentemente, uma eventual cobrança judicial pelo inadimplemento da contraprestação pecuniária – pelo fundamento da imoralidade da avença”. Todavia, a abordagem da questão da prestação de serviços sexuais pela Sociedade e pelos julgadores tem aos poucos se modificado, razão pela qual, por ser considerado hoje um contrato com objeto ilício por violação da moral e bons costumes, pode ser que no futuro seja pacificamente considerado um objeto lícito.

Portanto, pode ser considerado inválido o negócio que tenha um objeto manifestamente contrário à lei, como a comercialização de produtos de roubo ou de substâncias entorpecentes proibidas, como também negócios que tenham objetos que contrariam os princípios da Sociedade no atual momento. Um caso interessante de negócio jurídico com objeto ilícito que chegou às instâncias recursais do Tribunal de Justiça catarinense, foi a situação de um pedido de dissolução de uma sociedade (a formação da sociedade é um negócio jurídico) que tinha como objeto a exploração de máquinas caça-níqueis, o que é proibido por lei. Veja a ementa do julgado:

UNIDADE 1 — TEORIA GERAL DOS FATOS JURÍDICOS

AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE SOCIEDADE.

IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. NEGÓCIO JURÍDICO NULO DE PLENO DIREITO. OBJETO ILÍCITO. EXPLORAÇÃO DE JOGOS POR MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS. FATO DESCRITO COMO CONTRAVENÇÃO PENAL E CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA VINCULANTE N. 2 DO STF E DOS ARTS. 166, INC. II, 168, P. ÚNICO, E 981, TODOS DO TODOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO. A exploração de jogos por máquinas eletrônicas de concurso de prognóstico constituí contravenção penal e, ademais, crime contra a economia popular. Em sendo assim, é inarredável a improcedência do pedido formulado em ação de resolução de contrato de distribuição e exploração de jogos caça-níqueis, porque manifestamente nula a avença, em razão da ilicitude de seu objeto. (TJSC, Apelação Cível n. 2005.042191-7, de São Domingos, rel. Des. Eládio Torret Rocha, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 20-08-2009) (SANTA CATARINA, 2009, s.p.).

Passando ao estudo da possibilidade do objeto, deve-se verificar que um objeto deve ser juridicamente possível e fisicamente possível. A impossibilidade jurídica é aquela que resulta (a) de determinação de lei ou (b) de disposição negocial. Não importa se o objeto é fisicamente possível. Se a norma jurídica o tem por impossível, assim há de ser tratado em relação à validade (MELLO, 2015). É fácil perceber que, em verdade, a impossibilidade jurídica se confunde com a licitude do objeto, uma vez que se a lei proíbe a realização do negócio ele é juridicamente impossível e, consequentemente, ilícito. Um exemplo deste tipo de situação, é a celebração de um contrato de compra e venda que tem por objeto um bem de uso comum do povo, como uma praça (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015).

Além de juridicamente possível o objeto “há que ser, portanto, fisicamente possível, uma vez que não se poderia reconhecer validade a um negócio que tivesse por objeto uma prestação naturalmente irrealizável, como, por exemplo, a alienação de um imóvel situado na lua” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 392). Ou seja, a impossibilidade física, é aquela que diz respeito a algo não realizável seja por questões da natureza, tecnológicas ou por limitações físicas mesmo.

Tartuce (2016, p. 237) diz que “a impossibilidade física está presente quando o objeto não pode ser apropriado por alguém ou quando a prestação não puder ser cumprida por alguma razão”.

Importante perceber que a impossibilidade é aferida no momento da realização do negócio. Portanto, hoje, um contrato de viagem para saturno é

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no futuro. São exemplos de objetos impossíveis: a compra de toda a areia da praia em um balde ou a contratação de uma viagem em torno da terra de veleiro em um dia.

A impossibilidade física, porém, pode ser absoluta ou relativa. Somente a primeira implica em invalidade do negócio, uma vez que se a impossibilidade for apenas relativa, é possível, em tese, a realização por terceiro, às custas do devedor, como explicam Gagliano e Pamplona Filho (2015). O artigo 106 do Código Civil prevê que: “A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado”. Assim, conclui-se que para que o negócio seja inválido, é necessário que a impossibilidade seja a absoluta, vez que a relativa permite a sua manutenção.

Em suma, somente a impossibilidade absoluta é que tem o condão de nulificar o negócio. Se o negócio ainda puder ser cumprido ou executado, não há que se falar em invalidade. O comando legal traz em seu conteúdo o princípio da conservação negocial ou contratual, segundo o qual se deve sempre buscar a manutenção da vontade dos envolvidos, a preservação da autonomia privada (TARTUCE, 2016, p.

237).

A impossibilidade relativa seria aquela em que não é mais possível para o contratado original cumprir o acordado, como no caso do cantor que, contratado para um casamento, fica afônico no dia da festa. É impossível para ele cumprir a prestação a qual se comprometeu, entretanto, é impossibilidade relativa, pois

“permite, em tese, a realização por terceiros, às custas do devedor” (GAGLIANO;

PAMPLONA FILHO, 2015, p. 393). Ou seja, é possível que seja cumprida a mesma obrigação por outra pessoa, razão pela qual o negócio será mantido, fazendo-se os ajustes necessários para o seu cumprimento e, em último caso, rescindindo-se o contrato.

Por fim, o objeto, além de lícito e possível, deve também ser determinado ou determinável.

O Código Civil adotou como causa de nulidade a indeterminabilidade do objeto, ou seja, haver impossibilidade de identificação do objeto do negócio jurídico ou da prestação. Como o Código Civil refere-se a ser indeterminável o objeto, é de se entender que a indeterminação capaz de acarretar a nulidade do negócio jurídico há de ser absoluta, de modo que, embora não discriminado especificamente, se o objeto é passível de determinação, o negócio jurídico deve ser considerado válido. A indeterminação relativa, portanto, não constitui causa de invalidade dos atos jurídicos em geral (MELLO, 2015, s.p).

Para que seja tido como determinado, portanto, o objeto deve “conter elementos mínimos de individualização que permitam caracterizá-lo”

(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015, p. 393). Por exemplo, se na compra de um automóvel é discriminado qual o modelo do veículo, ano de fabricação,

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cor, placas, número de chassi, teremos um objeto perfeitamente determinado, não havendo dúvidas em relação ao objeto sobre o qual recaiu a manifestação da vontade das partes.

Todavia, nem sempre é necessário que o objeto esteja detalhadamente descrito. Ele pode também ser determinável, ou seja, são fixados critérios que serão observados posteriormente para determinar qual o objeto. Mesmo assim, existe um mínimo de informações que são necessárias para que o negócio seja considerado válido. No caso de venda de coisa incerta (prevista no Art. 243 do CC/02) é necessário que sejam especificados no mínimo o gênero e a quantidade:

Em uma venda de cereais, por exemplo, admite-se até não especificar, no instrumento negocial, a qualidade do café vendido (se tipo A ou B), mas o seu gênero (café) e quantidade (em sacas) devem ser indicados, sob pena de se inviabilizar o negócio por força da indeterminabilidade do objeto (GAGLIANO;

PAMPLONA FILHO, 2015, p. 393).

Por fim, se o negócio for determinável por se tratar de obrigações alternativas (conforme Art. 252 do CC/02) deverão estar previstas detalhadamente quais são as alternativas para que no momento adequado possa ser feita a escolha.

Agora, entendido quais são os objetos que podem ser negociados, vamos finalmente tratar sobre a forma através da qual os negócios podem ou devem ser feitos.