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3 OFICINAS EM SAÚDE MENTAL: FORMAS DE RELACIONAMENTO COM A CLIENTELA

Neste tópico, considera-se o modo como a instituição apresenta-se e se situa no espaço geográfico, imaginário e simbólico.

Quanto às formas de relacionamento com a clientela no modo psicossocial, as instituições através de seus agentes adquirem o caráter de espaços de interlocução. É no espírito desta interlocução que, segundo Costa-Rosa (2000, p. 161), acredita-se ser possível preconizar a colocação em cena da subjetividade horizontal. Nessa direção, as oficinas dos Serviços de Saúde Mental desempenham a função de espaços de interlocução:

Seria o meu setting terapêutico, o espaço onde estão colocados os materiais, as ferramentas e onde se dá o encontro do terapeuta com o paciente para a produção a níveis subjetivos, abstratos e motivacionais. Através da oficina eu

consigo trabalhar motivação, auto-estima, socialização, voltar o sujeito para uma realidade, diminuir a ociosidade. É apenas uma estratégia com o objetivo de que eu me aproxime dele de uma outra maneira que não seja só verbal, fazendo com que se interesse pela vida e se motive a descobrir qual é a sua meta pessoal. (DSC - P2)

Oficina é o local aonde se dá o atendimento em grupo, onde eu disponibilizo para os meus pacientes os materiais e ferramentas e eles fazem uma escolha livre e criativa do que eles vão realizar. Não é uma oficina produtiva, eu gosto de chamá-la de expressiva. É uma estratégia para que eu me aproxime, faça um vínculo, veja o que ele está precisando. Às vezes encaminhar para um atendimento individual e ver também como que o grupo pode estar trabalhando neste sentido. Assim, você vai ter um acesso maior, conversar mais e acabar individualizando o paciente, senão seria só trabalho e não estaria sendo um suporte terapêutico. (DSC - P5)

O saber, enquanto poder, acentua o processo de exclusão. Desse modo, as oficinas funcionam como exercício de autonomia, autoria e cidadania, permitindo visualizar o saber construído numa relação de parceria não-hierarquizada:

Logo no início das atividades, entrou na sala uma usuária com um cachorro, quando a coordenadora perguntou ao grupo se o mesmo poderia ficar na oficina, tendo os integrantes autorizado a permanência do animal na sala. (OBS 3) No início do jogo, o pesquisador observou que determinados usuários já possuíam posições definidas no campo, como juiz, goleiro e atacante. Para que a jovem participasse do jogo, o grupo discutiu o lugar da “mulher no futebol”, ficando decidido que ela ficaria no gol. (OBS 6)

Depois de algum tempo, a coordenadora da oficina trouxe livros e revistas de artesanato e todos começaram a procurar novas idéias para a confecção das bolsas e aventais e a trocar opiniões, sugestões, a fim de definirem a próxima produção. (OBS 7)

Ao contrário, encontraram-se oficinas que excluem a subjetividade das práticas em relação ao sofredor psíquico, desqualificando-o de forma infantilizadora:

A oficina da ala teve como atividade a pintura em papel, com desenho a lápis. A profissional, coordenadora da oficina, era uma psicóloga, a qual deu inicio às atividades apresentando assim a pesquisadora: “esta é a tia que veio nos visitar”. O trabalho foi iniciado com três pacientes internas, e a coordenadora informou que “participam da oficina da ala os pacientes que não aderem a nenhuma atividade”, eram os pacientes “embotados”.

Disponibilizaram às pacientes uma caixa de papelão com diversas folhas desenhadas a lápis, tinta colorida e pincéis, havendo ali modelos de boneca, flor, peixe, maçã, sol, lua e estrela. Cada paciente era orientada a escolher um desenho e uma cor de tinta para pintar.

A coordenadora da oficina estimulava a realização da atividade de pintura de forma ingênua, através de falas como “vamos pintar uma florzinha pra você distrair”. A primeira paciente terminou a atividade de pintura em dez minutos e a segunda em quinze, tendo uma pintado uma flor em amarelo, a outra uma boneca na cor laranja. Esta, após finalizar a pintura da boneca abordou a pesquisadora, dizendo “olha aqui tia”. (OBS 2)

Dessa característica de interlocução decorre também que, na dimensão de suas ações em saúde coletiva, a instituição é capaz de funcionar como ponto de fala e de escuta da população (COSTA-ROSA, 200, p. 161-162). Sendo assim, as oficinas, quando herdeiras de uma linha ética, de uma política ou direção, operam como espaços que consideram o dizer dos participantes sua alteridade:

Para melhorar a qualidade de vida e convivência entre os pacientes, a finalidade é que esta oficina seja um instrumento de autovalorização e de produção de sentido pessoal e social. Um recurso de escuta e intervenção diferenciado, assim uma brilhante estratégia terapêutica.

Penso ser a atividade lúdica, expressiva ou recreativa, mais uma abordagem de valor na clínica da Psicose, oferecendo um lugar de sujeito social àquele que nos chega e uma tentativa de desfazer essa teia de isolamento, exclusão e anomia, que por um longo tempo submeteu-se o portador de sofrimento mental. (DSC - D5)

No que diz respeito ao relacionamento com a clientela, foi revelador o fato de os coordenadores das oficinas afirmarem que a representação desse espaço como terapêutico era a justificativa da sua participação, motivada em função de uma demanda profissional e de uma estratégia terapêutica.

Essa forma de funcionamento mostra a diferença na abordagem das oficinas entre os modos asilar e psicossocial. Enquanto no primeiro as atividades das oficinas ocorriam em instituições fechadas exclusivamente para os pacientes em regime de internação, no segundo, os profissionais e os usuários circulavam pela comunidade e as atividades desenvolvidas buscavam uma interação entre o serviço e o meio onde viviam os usuários e seus familiares:

Eu sempre quis, assim, me envolver numa atividade de grupo, mas sempre foi claro que eu não tinha o desejo de fazer essa atividade dentro do serviço, porque eu acho muito tumultuado, barulho, interferência e interrupção, e também muita precariedade de material. Assim o fator que me fez escolher e sustentar isso é o fato da atividade ser num espaço aberto e num espaço externo ao serviço.

A vontade de ajudar ou tentar ver algo de bom surgindo no paciente, a integração deles com o serviço, a integração deles com os outros pacientes e funcionários daqui (...). (DSC - P14)

É uma maneira de estar orientando. Muitas vezes eles querem estar abandonando o remédio e muitos vêm para o CAPS na crise porque estão tomando o remédio na forma errada, a família não está acompanhando. Assim, é uma forma de estar ajudando eles a não entrar na crise, de estar alertando. Quando um do grupo entra em crise e vai para o CAPS, os outros ficam preocupados e vêem que também podem correr esse risco. Então eles ficam se policiando em não tomar bebida alcoólica, a não parar o remédio, ajudar o colega do grupo. Quando um pára de vir e encontra na rua, fica falando para estar voltando, é uma forma de

estar em observação mais contínua, porque as consultas com os psiquiatras aqui estão de quatro em quatro meses e como o grupo é semanal, fica mais fácil ver que a pessoa não está bem, que o remédio está precisando ser mudado e aí eu converso com o psiquiatra.

É uma família que eu acho que está tendo uma transformação, porque está vindo e eles não tinham muita noção que é um caso grave e ele (o usuário) tem uma ligação com o serviço a partir do coral e agora com o fuxico.

Eu fico impressionada como alguns usuários que estão em franca crise, que são extremamente trabalhosos, são pacientes querelantes, pegajosos, que não te dão sossego para fazer uma anotação em prontuário, para fazer uma outra tarefa, e que quando estão neste espaço, eles conseguem circular no espaço com muita desenvoltura e sem tanta estereotipia. Assim, é claro que eles chamam a atenção pelas roupas, pelo comportamento bizarro, por uma voz mais alta, mais acelerada, por uma fala desconexa, mas eles conseguem conversar, cumprimentar o pessoal da portaria, os outros estudantes, eles conseguem conversar com os outros monitores que estão acompanhando as outras crianças. (DSC - P16)

Os discursos dos usuários revelam que a sua participação nas oficinas em Saúde Mental ocorriam em função do seu sofrimento mental. Nesse contexto, a subjetividade do usuário, antes excluída, entra em cena a partir da sua demanda, desejo e escolha:

O que me levou foi o distúrbio que tive na cabeça, no cérebro, escutar vozes, essa perturbação toda. Lá eu me distraia geral, não escutava, só ouvia o barulho dos bichos, das folhas que eu ia pisando, aquilo pra mim era música, barulho do grilo, do macaco, do passarinho, é tipo terapia.

Justamente a depressão, porque eu não tinha vontade de sair de casa e não tenho, o único lugar que eu vou é à missa, aqui e ao médico.

Por que aqui você fica longe da bebida, igual a gente vê muito problema com a bebida alcoólica, eu bebo desde os 13 anos, eu não falo que aqui é o meu refúgio, mas aqui é um lugar que tem muitas pessoas carinhosas, pra dar carinho e amor à gente.

Eu gosto de esporte, mas só que isso que aconteceu comigo, esse sério acidente, eu fiquei meio Zezé da cabeça, meio passado, aí estou voltando aos pouquinhos, jogando bola, então eu gosto da oficina de futebol.

Eu tinha um pouco de amnésia, eu acho que foi problema de pós-parto ou separação de família, e aí veio o incômodo, porque não é uma doença, é portador de saúde mental. (DSC - U15)

Os profissionais operacionalizam a coordenação das oficinas em Saúde Mental em função da própria formação profissional e também em decorrência da sua experiência na atividade. Creditam à oficina a possibilidade de reinserção social e a produção de trabalho não-alienado:

Na minha formação, o trabalho tem que ser o mais simples possível, o de ajudar a pessoa a descobrir uma direção diferente e que inclua ela na sociedade. Então, é de fazer e de descobrir junto com o outro, facilitar à pessoa romper as crenças que tem dentro delas, que ela tem um lugar nesse mundo, e eu acho que a oficina é um lugar ideal pra isso.

Bom, eu já venho de oficinas, eu já coordeno oficinas lá no Barreiro, então eu acho que a questão do trabalho é muito importante. É diferente o trabalho, eles têm domínio da produção. Por exemplo, a bolsa, eles bordam, costuram, tem uma

construção inteira dessa elaboração, não é por parte, não é aquela coisa alienada. (DSC - P13)

Assim, as oficinas não funcionam, na maioria dos Serviços, como algo isolado ou diretivo para ocupar os usuários, mas como um agente catalisador de conteúdos, de trabalho psíquico. A oficina não existe por si só, estando inserida no contexto geral do tratamento, que é direcionado pelo técnico de referência. Dessa forma, as oficinas só têm sentido a partir de um desejo e escolha, tanto do profissional que as propõe e coordena, como do paciente que delas participa.

Como justificativa oficial dos Serviços de Saúde Mental à existência da atividade das oficinas estão as práticas condizentes com o Projeto Terapêutico:

Compreende a nova lógica de atendimento em saúde mental por outra ótica que a da exclusão social, com o intuito de se produzir um ambiente de interação, instigação intelectual e criatividade que as oficinas oferecidas fazem sentido. São, portanto, um suporte à proposta terapêutica e fundamental à manutenção dessa complicada e necessária rotina que se engendra com a opção pelo paciente- cidadão.

Enfim, é uma modalidade de atividade que atende aos objetivos do serviço como desenvolver o autocuidado, educação para a saúde, higiene pessoal e atividade da vida diária, desenvolver a expressão artística, movimento corporal, habilidades laborativas e artesanais, inserir socialmente o portador de sofrimento mental e sensibilizar o usuário para o direito, liberdade e cidadania. (DSC - D6) Nesse sentido, os profissionais que coordenam as oficinas em Saúde Mental indicam que o motivo de sua prática se dá em resposta à demanda do Serviço de Saúde Mental:

Muito uma demanda da instituição, porque se você fica só no trabalho individualizado, não atende à demanda, então você tem que ter uma coisa maior que abrangesse mais, e como aqui sou só eu de terapeuta ocupacional.

Quando eu cheguei ao SERSAM - até que enfim chegou a T.O. - porque só tinha em meio horário, porque os pacientes estavam à toa no corredor. Então era para ocupar o vazio da instituição e a ociosidade dos pacientes incomodava os profissionais. (DSC - P11)

A Oficina se constitui num “setting” terapêutico ocupacional por excelência, como espaço psicoterapêutico propício à socialização ou como via de reingresso no social, sendo impossível não se considerar o sujeito em questão e o produto concreto, ao final de um trabalho (como excelente documento do inconsciente, estando também em jogo o trabalho da transferência) (RIBEIRO, 1993, p. 36).

Algumas participações dos usuários nas oficinas ocorreram em função de encaminhamento de profissionais de Saúde ou Serviços de Saúde Mental:

É porque o doutor fez eu vir para a oficina, me pediu e disse que seria bom pra mim, porque em casa eu ficava só na cama e não dava conta de fazer as coisas. A psicóloga, ela pediu para mim, mas eu não sei porque ela achou que eu precisava de oficina, eu acho que isso aí ajuda a gente, ela me chamou e eu vim pra cá.

Eu vim através do Centro de Convivência, aí falamos que queríamos continuar, que não queríamos parar de fazer bolsa, e daí elas conseguiram esse local aqui pra gente formar o nosso grupo e trabalhar.

O incentivo da irmã (monitora), ela sempre me incentivando a fazer alguma coisa e eu pensando que nunca ia dar conta, então ela me pedindo para fazer.

Por meio de conversa, a coordenadora me chamou para participar me explicando como é, então eu entendi e falei “eu vou experimentar fazer” e gostei, lógico, era pra conhecer a mata, eu adoro natureza, não é? Então fui, e até hoje estou indo.. (DSC - U13)

Musso Greco (1994, p. 42) define as Oficinas como “um recurso dentro do tratamento, razão pela qual é recomendável que o paciente esteja em acompanhamento psicoterápico e que a Oficina seja uma indicação do terapeuta, que se possível, possa acompanhar a evolução de seu paciente”.

Os usuários participam das oficinas visando, também, distraírem-se, passarem o tempo e aprenderem:

Muita preocupação, então me levou pra distrair a cabeça, para trabalhar e passar o tempo com trabalhos manuais. Fazendo crochê o tempo passa mais depressa, senão ele demora a passar. É para ocupar a mente mesmo, ocupar a cabeça, as mãos, não é?E também tem uma coisa dentro de mim desde criança que é o futebol, assim, é a vontade de esporte, eu gosto de praticar esporte.

No primeiro dia eu não quis ir, mas depois eu tive vontade, para ver como é que era, e também aprender coisas que eu não sabia como fazer, como bonequinho de fuxico e cesta de palito. (DSC - U12)

Há de se ressaltar que no modo psicossocial, o relacionamento com a clientela ocorre por meio de um grupo misto e heterogêneo, pois na maioria das oficinas os grupos continham usuários, homens e mulheres, e profissionais da saúde mental. Somente numa oficina percebeu-se a participação de familiares.

Encontrou-se um DSC que revelou como indicativo de melhora, na atividade da oficina, a proposição de um grupo homogêneo e contínuo:

O que eu recomendaria para melhorar é uma coisa que não tem condição, eu gostaria que o público fosse mais homogêneo e que fosse uma coisa continuada, mas o público da instituição que eu trabalho não permite. Às vezes, eu vejo o paciente duas vezes e ele já foi embora, se pudesse ser uma coisa mais continuada, que eles viessem 2 vezes por semana, sempre, eu acho que a produção em nível motivacional ia ser maior. (DSC - P18)

Sabe-se que, historicamente, o isolamento nos manicômios foi um dos principais instrumentos para a exclusão dos loucos da sociedade, em determinado ponto porque a sociedade suportava mal as minorias, as diferenças e a heterogeneidade. Assim, é de suma importância que os profissionais de Saúde Mental, coordenadores das oficinas, sintam-se como parte estratégica dessa transformação, para que as relações entre eles e os usuários deixem de ter características manicomiais, tuteladoras e infantilizadoras. Para exemplificar:

A oficina da ala teve como atividade a pintura em papel, com desenho a

lápis. A profissional, coordenadora da oficina, era uma psicóloga, a qual deu inicio às atividades apresentando assim a pesquisadora: “esta é a tia que veio nos visitar”. O trabalho foi iniciado com três pacientes internas, e a coordenadora informou que “participam da oficina da ala os pacientes que não aderem a nenhuma atividade”, eram os pacientes “embotados”.

Disponibilizaram às pacientes uma caixa de papelão com diversas folhas desenhadas a lápis, tinta colorida e pincéis, havendo ali modelos de boneca, flor, peixe, maçã, sol, lua e estrela. Cada paciente era orientada a escolher um desenho e uma cor de tinta para pintar.

A coordenadora da oficina estimulava a realização da atividade de pintura de forma ingênua, através de falas como “vamos pintar uma florzinha pra você distrair”. A primeira paciente terminou a atividade de pintura em dez minutos e a segunda em quinze, tendo uma pintado uma flor em amarelo, a outra uma boneca na cor laranja. Esta, após finalizar a pintura da boneca abordou a pesquisadora, dizendo “olha aqui tia”. (OBS 2)

O paradigma do modo psicossocial propõe a organização programática em forma de equipamentos integrais, onde se considera a integralidade tanto em relação ao território, quanto ao ato propriamente terapêutico. “Não é mais caracterizada pela interioridade em relação ao território exterior, como ocorre no modo asilar”. (COSTA-ROSA, 2000, p. 162).

Revelador para o relacionamento com a clientela é o fato de as oficinas em Saúde Mental acontecerem em espaços diversos, mostrando bem a diferença na abordagem do problema entre os modos asilar e psicossocial; no primeiro, as atividades das oficinas ocorriam somente no espaço institucional, ao passo que, atualmente, ocorrem em parques, quadras esportivas, Organização Não-Governamental, promovidas também na cidade.

4 OFICINAS EM SAÚDE MENTAL: A CONCEPÇÃO DOS EFEITOS TÍPICOS EM

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