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4 REFORMA DA ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL NO ESTADO DE MINAS GERAIS

Sem conseguir ser terapêutico, o manicômio afirmou-se como instrumento de exclusão (SOALHEIRO, 1995). Do interior da experiência italiana apreendeu-se que: “o projeto de transformação institucional é essencialmente um projeto de desconstrução/invenção no campo do conhecimento das tecnociências, das ideologias e da função dos técnicos e intelectuais [...] construiu uma das mais radicais transformações no campo da psiquiatria e dos saberes sociais”.

A desinstitucionalização propôs, então, uma saída decisiva: “é preciso inventar um novo modo de organizar aquilo que não pode e não dever ser organizado, que é preciso buscar um método que não deva, necessariamente, institucionalizar-se em regras e ordens codificadas [...] deve-se buscar construir um novo tipo de relação entre doentes, técnicos e sociedade” (AMARANTE, 1994).

Na década de 90, iniciou-se a desativação dos macro hospitais psiquiátricos do país e a diretriz do movimento em Minas, em todo o Brasil, apontava para uma articulação com o SUS, cuja estratégia era a municipalização. Assim, tornou-se imperativo e urgente, que os hospitais fossem totalmente substituídos por “redes de atenção” que respeitassem os direitos de cidadania dos pacientes e que lhes promovessem chances reais de tratamento (CAMPOS, 1997). Atualmente, a marca principal é a busca da ampliação de serviços substitutivos, visando à desinstitucionalização da loucura e à sua reintegração à vida social, familiar e econômica, como cidadão, sujeito de direitos e deveres.

A Câmara dos Deputados, em 1990, aprovou o projeto de lei que se configurou na Lei n◦ 10.216, em 2001, após aprovação; que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e que redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental. No entanto, em maio de 1995, anteriormente à sanção desta lei federal, a Assembléia Legislativa de Minas Gerais, sancionou a Lei n◦ 11.802, que trata do mesmo assunto (BRASIL, 2002).

Porém, em Minas Gerais, a reorientação da Assistência Psiquiátrica seguiu os princípios do SUS, em busca de um processo de descentralização e regionalização, tendo a proposta de reestruturação do serviço partido da crítica ao modelo hospitalocêntrico, propondo um conjunto de serviços integrados que funcionasse como um sistema para o tratamento da clientela em nível local.

A Reforma Psiquiátrica no país, hoje, caminha rumo à extinção progressiva dos manicômios e à reinserção do usuário na sociedade, assunto que sempre mereceu a atenção dos profissionais da área da Saúde Mental, no estado de Minas Gerais, pois sabe-se que, historicamente, este Estado é estigmatizado como um pólo manicomial e que, nos 25 Hospitais Públicos Especializados, as condições de atendimento e tratamento, com raras exceções, ainda são inadequadas e desumanas (FRANCO, 2002).

A necessidade de reverter esta situação passou a ser preocupação também de representantes da sociedade, considerando-se que, na última década, sancionou-se a Lei Estadual n◦ 11.802, a qual determina a implantação de ações e serviços de Saúde Mental substitutivos ao modelo hospitalôcentrico e a extinção progressiva destes, como também regulamenta as internações, e dá outras providências (BRASIL, 2002, p. 28-36).

O quadro a seguir retrata as tendências da atenção hospitalar psiquiátrica especializada na última década, em Minas Gerais e em todo Brasil, apontando a redução do peso dessa

modalidade assistencial no conjunto das ações em saúde mental, mas ainda com absoluto e excessivo volume de gastos na área (mais de 80 % dos mesmos) (BRASIL, 2001).

Leitos Em Hospitais Psiquiátricos

1996 1999 2001*

Minas Gerais 6.832 5.587 4.532

Total no Brasil 72.970 61.393 54.141

Fonte: DATASUS/MS

Assessoria Técnica de Saúde Mental /ASTEC/SAS/MS *Setembro / 2001

O quadro seguinte assinala o número de CAPS/NAPS em funcionamento em Minas Gerais, no ano de 2001, comparado ao restante do Brasil (BRASIL, 2002).

CAPS/NAPS em Funcionamneto

Minas Gerais 36

Total no Brasil 295

Fonte: Área Técnica de Saúde Mental/SAS/MS Novembro de 2001

* Excluídos os Serviços com configuração diversa de CAPS/NAPS.

Os gastos anuais com Psiquiatria e com a Assistência Psicossocial Ambulatorial no estado de Minas Gerais estão retratados nos quadros seguintes, respectivamente.

Gasto Total Anual Com Psiquiatria

1995 2002 Variação

Minas Gerais 35.667.462 41.399.407 16,1% Total no Brasil 422.526.945 480.045.293 13,6%

Fonte: Ministério da Saúde / Secretaria de Assistência à Saúde / Departamento de Controle e Avaliação de Sistemas

Gasto Anual Com Assistência Psicossocial Ambulatorial

1995 2002 Variação

Minas Gerais 2.667.971 7.279.645 173%

Total no Brasil 9.135.323 34.850.213 281%

Fonte: Ministério da Saúde/Secretaria de Assistência à Saúde/Departamento de Controle e Avaliação de Sistemas

O quadro abaixo compara os gastos com internações hospitalares em saúde mental, aos da assistência extra-hospitalar, comparando também o percentual entre eles, em Minas Gerais e no restante do Brasil.

UF Gastos Com Internações Hospitalares

Gastos Com Recursos Extra-Hospitalares % sobre o total de gastos em Saúde Mental MG 38.661.740 7.379. 133 16,03% Total no Brasil 449.083.451 46.724.039 9,42% Fonte: DATASUS/MS

Atualmente, Minas Gerais conta com cerca de 4200 leitos, distribuídos nos 26 hospitais psiquiátricos (4 públicos e 22 privados/conveniados ao SUS) e nos 47 NAPS em funcionamento. A rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos (CAPS, Residências Terapêuticas, Centros de Convivência) vem sendo construída gradativamente, inclusive as 26 Diretorias Regionais de Saúde, embora a concentração destes serviços esteja nas regiões centro, sul e oeste do estado. De acordo com o SIA/SUS, Minas Gerais possui 40 serviços cadastrados e em funcionamento, porém, considerando-se que o Estado possui 853 municípios, sendo 171 deles com população superior a 20 mil habitantes, esse dado ainda não é satisfatório e nem significativo diante das reais necessidades da política de Saúde Mental. Diante da situação apresentada, e partindo da necessidade de operacionalizar uma Política de Saúde Mental no estado de Minas Gerais em consonância com os princípios do Ministério da Saúde, OPAS e OMS, a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais vem desenvolvendo projetos específicos na área da Saúde Mental, com ênfase na “Organização de Redes de Assistência e Desospitalização Progressiva em Saúde Mental”, visando, assim, redirecionar o modelo assistencial, efetivar e consolidar a Reforma Psiquiátrica (FRANCO, 2002).

Em Belo Horizonte, no início dos anos 90, a Secretaria Municipal da Saúde iniciou a Reforma Política de Saúde, dividindo a cidade em distritos sanitários (RIBEIRO, 1995), que constituíam a base organizacional e operativa do SUS para o reordenamento das ações e serviços de saúde, em nível local. Na capital mineira, os serviços de Saúde Mental são organizados em forma de “rede”, possibilitando o tratamento do portador de sofrimento mental, na maior parte das vezes, sem afastá-lo de seu meio social.

Em Belo Horizonte, a organização da “rede de serviços” em Saúde Mental parte das indicações de Trieste e atualmente a rede conta com os seguintes serviços: quatro CERSAMs, que são serviços resolutivos no atendimento às crises e casos graves, articulados a Centros de Saúde que dão acompanhamento e continuidade ao tratamento do usuário, após a estabilização do quadro; quatro Centros de Convivência, que recebem usuários dos Centros de Saúde, dos CERSAMs e de egressos hospitalares e 60 Centros de Saúde, que contam com equipe de Saúde Mental para atender em regime ambulatorial, principalmente os clientes estáveis. O Projeto de Saúde Mental de Belo Horizonte, em 2001, recebeu o prêmio “Gestão Pública e Cidadania”, oferecido pela Fundação Ford e Fundação Getúlio Vargas, pelas inovações na área de saúde.

A justificativa para a criação dos CERSAMs é respaldada em projetos de lei tanto federais como estaduais e atende à proposta da II Conferência Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 1992):

“substituir o modelo hospitalocêntrico por uma rede de serviços, diversificada, qualificada, através de unidades de saúde mental em hospital-geral, emergência psiquiátrica em pronto socorro geral, unidades de atenção intensiva em saúde mental em regime de hospital-dia, CAPS, serviços territoriais que funcionem 24 horas, pensões protegidas, lares abrigados, centros de convivência, cooperativas de trabalho e outros serviços que tenham como princípio a integridade do cidadão”.

Os CERSAMs orientam suas ações a partir de uma dupla exigência: por um lado, eles devem criar as condições para que os pacientes normalmente inseridos no circuito hospitalar possam sair deles na medida em que esta inserção interfira em sua cronificação e exclusão social; por outro lado, eles devem priorizar o atendimento de crise a paciente agudos, a fim de evitar a entrada de novos pacientes nesse circuito.

O CERSAM não se define como espaço de reclusão ou isolamento do portador de transtorno mental, pois durante sua permanência no serviço, além de contar com uma referência terapêutica, a ele poderá freqüentar oficinas e participar de atividades diárias: “aos pacientes oferecemos a possibilidade de fazer seus laços de referência e lá construir uma

trajetória pessoal – contudo que implica o enfrentamento de sua loucura – e participar de um lugar coletivo que estará aberto” (CARVALHO; MILAGRES, 1997, p. 23-26). Nesse sentido, o CERSAM cria várias formas que lhe possibilitam direitos de cidadania (SOALHEIRO, 1995).

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