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2 REFERENCIAL METODOLÓGICO

O pesquisador organizou e tabulou os dados de acordo com a proposta metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), abordagem metodológica nova utilizada em pesquisa qualitativa de representação social proposta por Lefèvre e Lefèvre (2000). Segundo os

autores, o significado e a intencionalidade, pontos centrais da pesquisa social qualitativa, aparecem com maior clareza e naturalidade "nos discursos, sejam eles frutos de depoimentos coletados em entrevistas ou estejam eles presentes em artigos de jornais, revistas etc”63. Outro ponto frisado pelos autores é que as pesquisas qualitativas apoiadas em pressupostos sociológicos trabalham num espaço denominado “campo"64.

Fica fácil concluir que, pelo espaço proeminente que conferem aos discursos, as abordagens de corte qualitativo permitem a compreensão mais aprofundada dos campos sociais e dos sentidos neles presentes na medida em que remetem a uma teia de significado, de difícil recuperação através de estudos de corte quantitativo, em que o discurso, quando está presente, é sempre reduzido a uma expressão numérica65.

A construção do DSC, segundo Lefèvre e Lefèvre66, requer a utilização de figuras metodológicas elaboradas para organizar e tabular os discursos. Afirmam que o DSC é uma modalidade de apresentação de resultados de pesquisa de corte qualitativo que tem como objetivo expressar o pensamento de uma coletividade, como se esta fosse exatamente o emissor de um discurso único. Assim, o sujeito coletivo expressa-se através de um discurso emitido, denominado primeira pessoa (coletiva) do singular. O DSC é, em suma, uma forma ou um expediente destinado a fazer a coletividade falar diretamente67.

A proposta tem como finalidade analisar o material discursivo coletado, a fim de se extrair de cada um dos depoimentos orais as quatro figuras metodológicas: a Idéia Central (IC), as Expressões Chave (ECH), as Ancoragens (AC) e o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).

A Idéia Central para os autores68 é entendida como “a (s) afirmação (ões) que permite (m) traduzir o essencial do conteúdo discursivo explicitado pelo sujeitos em seus

63

Ibid., p. 15.

64

“entende as pessoas, objetos dessas pesquisas, como um conjunto de indivíduos que, situados numa dada posição no campo, são identificáveis como uma categoria, na medida em que, segundo Bourdieu, detém habitus e representações semelhantes, que se traduzem em determinadas práticas sociais e modalidades de discursos que as expressam” (Ibid., p. 15). 65 Ibid, p. 15-16. 66 Ibid, p. 17. 67 Id., 2003, p. 16. 68 Id., 2000, p. 18.

depoimentos”; para efeito de análise dos depoimentos, constitui-se na “síntese do conteúdo discursivo verbalizado pelo sujeitos”.

As Expressões-Chave são fundamentais para a construção do DSC, por serem “transcrições literais de partes dos depoimentos que permitem o resgate do essencial do conteúdo discursivo dos segmentos em que se divide o depoimento (o que, em geral, correspondem às questões da pesquisa)”69.

Para os autores, as Expressões-Chave são “espécies de provas discursivo-empíricas” da “verdade” das Idéias Centrais e das Ancoragens70 e vice-versa71 representando a veracidade do depoimento oral, pois permite ao leitor não só realizar uma comparação entre um trecho selecionado e as afirmativas reconstruídas, como também julgar pertinente ou não a forma de traduzir discursivamente a Ancoragem ou a Idéia Central. Esta última figura tem a função identificadora, particularizadora, especificadora, enquanto a Expressão-Chave, tem a função de corporificadora, de substantivação, de “recheio” do sentido nomeado72.

O Discurso do Sujeito Coletivo é a principal figura metodológica, pois busca “resgatar o discurso como signo de conhecimento dos próprios discursos”73. Com efeito, estes autores assim se referem ao DSC:

Os discursos não se anulam ou se reduzem a uma categoria comum unificadora, já que o que se busca fazer é precisamente o inverso, ou seja, reconstruir, com pedaços de discursos individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos-síntese quantos se julgue necessário para expressar uma dada “figura”, ou seja, um dado pensar ou representações sociais sobre um fenômeno 74.

Lefèvre e Lefèvre75 consideram que a representação social é melhor visualizada neste modo discursivo, na medida em que ela aparece sob uma forma mais viva e direta em um

69

Id., 2000, p. 18.

70

Ancoragem (AC) são traços lingüísticos explícitos de teorias, hipóteses, conceitos e ideologias existentes na sociedade na cultura, internalizados no indivíduo (Ibid., p. 17).

71 Ibid., p. 18. 72 Id., 2003, p. 26. 73 Id., 2000, p. 19. 74 Ibid, p. 19. 75 Ibid., p. 19-20.

discurso, pois esta é a forma como os indivíduos reais, concretos, pensam, e não como uma forma artificial de quadros, tabelas ou categorias.

Observa-se que apesar do DSC envolver várias pessoas falando não se trata de um nós mas de um eu coletivizado [...] a tarefa organizadora do pesquisador é produzir o sujeito social ou coletivo do discurso e o discurso coletivo correspondente, fazendo o social falar como se fosse um indivíduo [...] construindo-se a fala do social com o material empírico proveniente de falas dos indivíduos, buscando, nas idéias centrais e nas expressões-chave, coincidentes ou semelhantes de discursos efetivamente existentes, um discurso compartilhado76.

A elaboração do DSC parte de uma lapidação analítica, de uma decomposição que consiste na seleção das principais Ancoragens e/ou Idéias Centrais presentes em cada um dos discursos individuais, e termina sob uma forma sintética da reconstituição discursiva da representação social. Em síntese, o Discurso do Sujeito Coletivo é “como se o discurso de todos fosse o discurso de um”77.

Os depoimentos obtidos após a transcrição literal das entrevistas gravadas foram submetidos aos seguintes procedimentos:

1. Analisou-se cada depoimento individual, extraindo as Idéias Centrais e suas respectivas Expressões Chaves;

2. Identificou-se as Idéias Centrais iguais equivalentes ou complementares e suas respectivas Expressões Chaves;

3. Agregou-se discursivamente essas Expressões Chaves das Idéias Centrais iguais ou equivalentes construindo-se os Discursos dos Sujeitos Coletivos. Segundo os autores78 para juntar as “peças” e construir o Discurso do Sujeito Coletivo é preciso considerar os seguintes princípios:

1. Coerência - o DSC é uma reunião, agregação ou soma não-matemática de pedaços isolados, de modo a formar um todo discursivo coerente, em que cada uma das partes se reconheça quanto constituinte deste todo constituído por essas partes;

76 Id., 2003, p. 28-29. 77 Id., 2000. 78 Ibid., 2000, p. 28-29.

2. Posicionamento próprio - o discurso deve expressar sempre um posicionamento próprio, distinto, original, específico frente ao tema pesquisado;

3. Distinção entre os DSCs - quando se trata de discursos diferentes, a apresentação deve ser obrigatoriamente separada, quando se trata de discursos complementares, a apresentação depende do pesquisador querer resultados mais detalhados o mais genéricos;

4. Produzindo uma “artificialidade natural”- o DSC é como se uma pessoa só falasse por um conjunto de pessoas obviamente trata-se de uma construção artificial.

O DSC ainda deve seguir alguns cuidados na sua construção pelo pesquisador, deve-se atentar aos passos propostos por LEFÈVRE & LEFÈVRE (2000), quanto às operações retóricas, que possibilitam construir um discurso homogêneo, compreensível e atraente para leitura. Segundo os autores, as operações retóricas, sem se preocupar com a ordem de importância, permitem uma melhor compreensão do DSC e são assim discutidas:

1. Temporalização - consiste em dispor os segmentos discursivos numa determinada ordem temporal, como se uma história estivesse sendo contada;

2. Ir do mais geral para o particular, consiste em colocar no início do discurso afirmações que comportam enunciados mais gerais sobre o assunto e ir detalhando o tema ao longo do discurso;

3. Inserir cognitivos - para ligar as fases no interior do parágrafo entre si;

4. Inserir signos de pontuação - pontos, dois pontos, vírgulas, pontos de exclamação, etc; 5. Suprimir repetições de termos e expressões substituindo-os por sinônimos ou

equivalentes;

6. Separar o “lixo discursivo” (repetições literais da mesma idéia, interjeições involuntárias, “cacoetes”, digressões irrelevantes, desvios de rota, etc) (LEFÈVRE & LEFÈVRE, 2003:27-28).

V RESULTADOS

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