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Olhos no Espelho

No documento VÁRIOS AUTORES 1 (páginas 46-49)

Por:

Tauã Lima Verdan Rangel

Bio:

Mestre e Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF. Professor Universitário. Autor dos seguintes livros: "Fome:

Segurança Alimentar & Nutricional em pauta" (Editora Appris, 2018); "Segurança Alimentar & Nutricional na região sudeste"

(Editora Bonecker, 2019), "Versos, Inversos & Outros Escritos" (Editora Porto de Lenha, 2019), "Efemeridade em Versos"

(Darda Editora, 2019) (no prelo) e "Indrisos em Versos" (Editora Porto de Lenha, 2019) (no prelo).

Contato: E-mail Conto:

“Tenho andado tão cansada”, pensou, com um suspiro fatigado, Mariana. Levantando-se da cama, a jovem caminhou até o banheiro e, lavando o rosto, se preparou para mais um dia extenuante. Mariana tinha vinte e cinco anos e acabara de se mudar de sua cidade. Tinha resolvido procurar novos ares, novas perspectivas, novas oportunidades. Contudo, ainda assim, tudo parecia um desafio difícil de ser superado. Sem dúvida, o pior obstáculo seria a superação e aceitação da morte de sua mãe, que tinha se suicidado seis meses antes. Mariana viu, de maneira rápida, a saúde mental da mãe se deteriorar por causa de depressão. Era algo estarrecedor.

Jogando um pouco de água no rosto, Mariana ficou parada se olhando no espelho e a última conversa com sua mãe foi revivida em sua mente.

“Mãe, você parece que está melhorando! Isso é muito bom. Precisamos comemorar. Precisamos sair”, disparou alegremente Mariana.

“Minha filha, eu não quero ver ninguém. Não gosto mais de festas ou de comemorações. Não vejo graça”, falara a mãe de Mariana.

“Mãe, precisamos continuar reagindo. A depressão não pode ganhar da senhora. Eu estou aqui e vou te ajudar. Juntas somos mais fortes”, continuou incentivando Mariana. A jovem, porém, percebeu que o olhar de sua mãe estava um pouco perdido, vazio, distante. Até mesmo o som da voz não era o mesmo. Era o som tristonho e que, nas entrelinhas, buscava desesperadamente para finalizar todo aquele sofrimento. Mariana, ainda que pudesse ler os indícios, não queria acreditar que sua mãe estivesse prestes a se suicidar.

“Minha filha, eu quero te agradecer por tudo. Por sua paciência comigo e com minha doença. Por você não ter desistido de mim. Por você ter ficado, quando todos se foram. Eu te amo muito e sempre vou te amar, independentemente do que aconteça”, dissera sua mãe, com lágrimas nos olhos.

Mariana sentiu que o agradecimento de sua mãe não era apenas gratidão, mas sim uma forma de despedida, um adeus dado com carinho e suavidade. Naquela mesma noite, a mãe de Mariana se envenenou com uma substância potente. A jovem só se deu conta de que sua mãe tinha se suicidado no dia anterior, quando levou uma xícara de café bem forte para ela no quarto.

Voltando a si, Mariana sentiu uma tristeza tomar conta de seu coração e uma lágrima quente rolou por seu rosto.

Levando a mão em direção à lágrima, a jovem chegou a pensar que, se sua mãe estivesse ali, tudo seria tão diferente, tão mais colorido, tão mais caloroso. Infelizmente, porém, ela não estava. A vida continuava. Mariana repetia sem parar as três palavras: “a vida continuava”, buscando se convencer de que não poderia fraquejar nem parar. No seu interior, a jovem tinha medo de que a depressão que sua mãe tivera não estivesse restrita, mas sim também tivesse te alcançado. Evitava ficar parada.

Evitava ficar pensativa. Evitava ficar remoendo lembranças do passado.

Secando o rosto com uma das mãos, a jovem colocou um sorriso no rosto e partiu para seu novo emprego. Agora, morando em outra cidade, trabalhava em um escritório de contabilidade. Números, cálculos e lançamentos... enfim, era de racionalidade fria e previsível que Mariana dizia precisar. Na verdade, retomar sua profissão, depois de algum tempo, era um desafio que ela estava disposta a enfrentar e, mesmo diante das inovações na área, sentia que crescia a cada dia. Mais um dia de expediente encerrado, alguns colegas do escritório convidaram-na para irem a um bar próximo, aproveitar um pouco e se

descontraírem.

Mariana prontamente aceitou o convite dos colegas, não gostava da ideia de que passaria mais uma noite em seu apartamento, sozinha e pensativa. Ao chegaram ao bar, Mariana pode perceber que o ambiente estava cheio com pessoas que buscavam aproveitar um pouco a noite, depois de um longo dia de expediente. Parecia ser um programa usual na cidade.

Identificando uma mesa vazia, no fundo do bar, Mariana e os colegas foram em sua direção e logo pediram uma rodada de chope bem gelado. Mariana, como estava de carro, porém, pediu algo mais suave, apenas um suco.

“Um suco Mariana!”, exclamou um dos colegas.

“Sim, Otávio. Estou dirigindo e prefiro não arriscar. O meu apartamento ficava cerca de vinte minutos daqui. É muito tempo dirigindo. Não posso nem devo beber”, respondeu Mariana com um sorriso no rosto. Depois de umas três horas no bar e muita conversa boba jogada fora, Mariana olhou para o celular e já marcava quase dez e meia da noite. Despedindo-se de todos, resolveu ir para seu apartamento descansar, pois tinha uma pilha de documentos para analisar e lançamentos para rever.

Dirigindo por cerca de vinte minutos, Mariana chegou até seu apartamento. O percurso estava bem tranquilo. Quase não havia movimento no trajeto. Estacionando o carro, a jovem entrou no elevado e apertou o botão do nono andar. Sentiu um arrepio tomar seu corpo. Uma sensação estranha a invadiu inteiramente, mas, apesar disso, não conseguia identificar do que se tratava e o motivo daquilo. À medida que o elevador se aproximava do andar onde ficava seu apartamento, a boca foi ficando seca e um suor frio escorreu por sua testa. “Mariana seja racional!”, pensou a jovem, ao tentar se convencer de que aquilo tudo era apenas o cansaço de uma nova rotina.

Chegando até o nono andar, abriu a porta do elevador e viu um corredor escuro, trevoso e que parecia não ter fim.

Mariana, ainda com a sensação do suor frio escorrendo pelo rosto, avançou com passos sutis em direção ao seu apartamento. De repente, tomou um susto que quase paralisou seu coração. Era o celular que estava tocando. O som do toque do celular com aquele longo corredor em escuridão reforçou ainda mais a sensação ruim que estava inundando Mariana.

“Alô, Patrícia?”, questionou Mariana.

“Ei Ma. E aí chegou bem?”, perguntou Patrícia, uma colega muito generosa do trabalho.

“Sim. Cheguei. Estou entrando no meu apartamento”, respondeu Mariana, com a respiração um pouco ofegante.

“Ótimo querida. Descanse, pois amanhã será um longo dia. Boa noite e fique bem”, finalizou Patrícia.

Chegando até a porta do apartamento, a sensação que estava tomando do seu corpo tornou-se ainda mais forte. A respiração ficou ofegante e as pernas relutavam em cruzar o batente da porta. Mariana ficou pensativa no corredor, tendo diante de si a porta do apartamento aberta. O suor frio que escorria por sua testa havia aumentar e sentia um leve tremor em suas mãos.

Tudo aquilo era irracional e injustificado. Não havia motivo para aquele ataque inesperado de pânico. Com um pouco de dificuldade, a jovem cruzou a porta e entrou em seu apartamento. Acendendo a luz da sala, recostou um pouco no sofá e ficou controlando sua respiração em uma tentativa de se acalmar daquilo tudo em que se encontrava.

Devido ao cansaço, acabou adormecendo ali mesmo. Por volta das três da madrugada, Mariana acordou sobressaltada.

Havia uma sensação ruim que preenchia todo o ambiente. Novamente, tentou ser racional, mas algo maior impedia que seus pensamentos fossem capazes de estabelecer uma linha racional sobre tudo aquilo. Dirigindo-se até o banheiro, fitou o espelho diante de si. Por um segundo, pensou que tinha visto olhos naquele espelho. Contudo, não eram os seus olhos. Eram olhos vermelhos. Infernalmente vermelhos. Algo demoníaco. Algo ruim estava ali com ela.

Salpicando algumas gotas de água sobre o rosto, fechou e abriu os seus olhos. A imagem havia desaparecido. A sensação, porém, estava vívida ali. Naquela noite, Mariana teve dificuldades em dormir e ficou rolando na cama, de um lado para o outro, até conseguir pegar no sono, já quando o sol raiava. Quando levantou, Mariana estava cansada física e mentalmente. Não era capaz de se concentrar. Durante todo o dia, teve dificuldades de desempenhar suas tarefas no escritório e, vez por outra, se pegava pensando e revendo aqueles olhos vermelhos no espelho. Uma sensação ruim percorria o seu corpo e os instintos mais primitivos davam conta de um perigo que se aproximava, algo iminente e que ela não poderia conter.

Por volta das três da madrugada, novamente, acordou sobressaltada. O quarto estava estranhamente frio e sentiu como algo sussurrasse em seu ouvido. Havia alguém no quarto com ela. Havia alguém no quarto falando com ela! Os pelos dos seus braços se arrepiaram e sentiu o toque de uma mão sobre a sua. Os dedos ásperos e as unhas compridas eram sentidas tocando a sua mão. Era uma mão estranha e que não tinha qualquer similaridade com o toque humano. O corpo de Mariana chegou a contrair e o instinto fez com que ela tirasse sua mão daquele toque sombrio.

Acendeu rapidamente a luz da luminária que ficava no criado-mudo. Luz clareou todo o espaço do quarto. Não havia ninguém. Como não havia ninguém? A sensação da presença era muito vívida, muito sólida. Mariana sentiu o toque da mão da criatura sobre a sua mão. Levantando as costas da mão, uma sensação de pânico percorreu todo o corpo da jovem, na mão havia uma marca, algo similar a uma queimadura. A marca parecia uma cruz invertida.

“O que é isso?”, questionou-se, mentalmente, Mariana. A jovem, porém, aterrorizada não conseguia encontrar uma explicação lógica naquilo. Na verdade, ela não podia encontrar o que não existia. Primeiro, os olhos vermelhos no espelho.

Depois, a marca nas costas de sua mão. Haveria algum propósito naquilo tudo? Será que Mariana estava apenas imaginando coisas ou será que tudo aquilo era verdade. A jovem começou a desconfiar de sua saúde mental e temia que estivesse

acontecendo com ela o mesmo que ocorreu com sua mãe.

Com o sono se aproximando, a jovem virou-se na cama em direção à porta do banheiro. Pode ver, ainda que na penumbra, o contorno nítido de uma criatura. O cheiro similar a algo que apodrecia inundou o quarto. O coração acelerou e a marca nas costas da sua mão começou a doer intensamente. Parecia que havia fogo sobre sua mão. Piscou duas vezes em direção à porta, mas a figura não se foi. Ela estava lá. Parada. Imóvel. Parecia ser bem mais alta que Mariana, algo em torno de dois metros. A jovem conseguiu identificar um objeto similar a uma coroa em sua cabeça e dois chifres curvos brotando de sua testa. No negrume do cômodo, apenas duas coisas eram ofuscantemente claras aos olhos de Mariana, um sorriso branco e demoníaco e os olhos vermelho.

“Não adianta piscar nem acender a luz! Eu não vou desaparecer”, sussurrou a voz tenebrosa em seu ouvido.

“Quem é você?”, falou Mariana, cuja voz transparecia o medo que brotava dentro de si.

“Eu? Quem sou eu? Você sabe que eu sou! Não faça uma pergunta da qual você já tem o conhecimento da resposta”, esbravejou a voz tenebrosa em sua mente.

“O que você quer? Deixe-me em paz!”, exclamou Mariana, cujas lágrimas quentes já escorriam por sua face.

“Eu quero você. Na verdade, você já me pertence e nem sabe”, gargalhou infernalmente a criatura.

Aquilo tudo era irracional. Como poderia ser possível que uma criatura estivesse sussurrando em sua mente? Não havia lógica. Não haveria explicação racional, exceto se sua saúde mental estivesse fortemente deteriorada. Será que estava ficando como sua mãe? Temia que a convivência com sua mãe e a grave depressão dela tivessem afetado sua própria saúde e que os sintomas só estavam se manifestando agora, em razão do estresse e das cobranças que vivenciava no trabalho.

“Você vai ter o mesmo fim de sua mãe!”, disse a criatura monstruosa que se mantinha inerte na penumbra. O cheiro de podridão só aumentava à medida que o tempo avançava. Era algo nauseante. Capaz de causar asco e repulsa no estômago de Mariana. A jovem tentava acreditar que aquilo era apenas um sonho extremamente realístico, mas tudo em vão. Estava acordada, muito bem acordada e sentia a marca em sua mão queimar intensamente.

Sentou-se na cama e estava decidida ir em direção à criatura. Olhá-la nos olhos e enfrentar seus medos. Contudo, quando deu o primeiro passo, sentiu que suas pernas não respondiam ao seu comando e caiu perto da cama. Ainda assim, continuou se arrastando. O suor se misturava com o desespero que tomava conta da jovem. A pequena distância que separava a cama da porta do banheiro parecia que se multiplicava imensamente. Quando a jovem chegou até o batente da porta do banheiro, viu a figura na penumbra desaparecer.

Encostando no lavatório, a jovem se apoiou e levantou. Havia feito um esforço descomunal para ficar de pé sobre suas pernas. Tinha a sensação vívida de ter carregado milhares de quilos em suas costas e todo o seu corpo estava dolorido, extenuado e incapaz de oferecer qualquer resistência. Ao se deparar com o espelho que estava à sua frente, havia apenas aqueles olhos vermelhos demoníacos. Ainda que não pudesse ver, a jovem conseguia imaginar o sorriso branco e tenebroso na face da criatura. Isso tudo causava pavor em sua alma.

Jogou, então, alguns salpicos de água no rosto. Mariana acordou um pouco sufocada, com o rosto molhado de suor e deitada em sua cama. Foi tudo um sonho! Foi tudo um sonho? Olhando para as costas de sua mão, a marca ainda estava lá. Uma feição de medo e pavor encheu o rosto da jovem... foi mesmo tudo um sonho?

No documento VÁRIOS AUTORES 1 (páginas 46-49)

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