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Por: Gia Oliver

No documento VÁRIOS AUTORES 1 (páginas 49-52)

Bio:

Gia Oliver é paulistana, e está presente em dez antologias publicadas em 2018 pelas editoras Sinna, Hope, e Porto de Lenha, e em antologias independentes. É cronista, contista e romancista. A literatura é uma paixão para ela desde a infância por causa dos gibis da turma da mônica.

Contato: E-mail Conto:

A garota corria apressada e sentia seu coração batendo tão forte que não conseguia escutar mais nenhum outro som, ela olhava ao seu redor, mas não via nada e nem ninguém, porém de alguma forma havia uma presença ali, mais densa que a nevoa etérea que a cercava.

Ela continuou correndo sem ver seu caminho até que tropeçou em uma das raízes das arvores que rasgavam o solo seco.

Ao se virar se deparou com enormes olhos vermelhos que a mantinham ali paralisada, sentia seu hálito pútrido enquanto a língua da criatura se estendia e passava em seu rosto, se estendendo ao máximo, ela tinha sensação de que estava gelada onde quer que língua demoníaca a tocasse, a jovem começou a se debater com tamanha força que acordou.

Seu corpo suado tentou se mexer em vão, estava novamente paralisada, olhou como horror a cena da criatura prostrada em cima dela, devia ainda estar dormindo, chorou ao sentir a criatura lhe penetrando, não era como estar com um homem, havia estado com seu namorado algumas vezes, não era nada parecido, sentia pequenas farpas que faziam intimidade coçar e ela continuava ali inerte, sem conseguir se mexer, sem conseguir gritar, somente lágrimas escorriam por sua face, ela só desejava despertar daquele pesadelo, e então fechou os olhos.

O alarme despertou acordando Gisele para seus afazeres, ela notou que a camisola branca seda que utilizara estava encharcada de suor, em seguida passou as mãos pelo corpo, e a princípio não encontrou nenhum resquício de seu pesadelo, embora sentisse suas partes ardendo sem saber o porquê e não podia parar para pensar nisso.

Começou a se trocar, quando, de repente, começou a sentir algo estranho em seu quarto, era uma sensação de medo como se estivesse sendo observada.

Ela estava sozinha, ou pelo menos acreditava que sim, pois não conseguia ver o vulto de ninguém, mas continuava a sentir um frio na espinha, e os pelos de seu corpo permaneciam eriçados como se a avisassem que estava em perigo.

Gisele sentiu que o ar ficou pesado para respirar, e o pavor tomou conta dela. Sua mãe irrompeu no quarto interrompendo seus devaneios, e pela primeira vez ficou feliz pela intrusão. Continuou se arrumando para ir para o trabalho, mas ao se olhar no espelho via seu rosto retorcido como se ainda estivesse agonizando dentro daquele pesadelo.

Ao vestir sua camiseta tomou um susto, a pele clara de sua barriga estava um pouco esticada, como se tivesse engordado do nada, não entendeu ao certo como isso aconteceu, mas sentiu uma pequena pontada, e se assustou caindo no chão do banheiro.

Ela sempre tentou ser uma menina religiosa, mas naquele instante era como se toda a sua fé a tivesse a abandonado, e nada mais restasse para ela se apegar, mesmo assim sentou e rezou enquanto as cenas iam aparecendo em sua cabeça.

A jovem sentiu uma sensação de sufocamento que fez com que ela imediatamente colocasse uma de suas mãos em seu pescoço, como se estivesse tentando se soltar das garras de alguém que a estava estrangulando. Ela abriu os olhos mais uma vez e viu olhos vermelhos e assustadores mirando-a, e de repente, com uma força sobrenatural, algo agarrou as pernas dela, e o medo a invadiu de modo que quis gritar, mas a sua voz não saía, ninguém podia ajudá-la.

— Não adianta tentar falar alguma coisa por que não será ouvida. Gostou da visita? Eu estava esperando pelo momento certo para a minha aparição. Eu a observo desde que você demonstrou algum interesse pelas trevas. Se lembra do dia que pediu para tirarem as cartas, e aceitou a ajuda para amarrar um certo coração? Ou quando você aceitou a sugestão da sua amiga para consultar o tabuleiro de ouija, para saber se aquele garoto realmente gostava de você, já se esqueceu disso? Eu estava lá e naquele momento eu soube que a escolheria.

As lágrimas de pavor escorriam pelo rosto dela, era a visita mais apavorante que recebeu em sua vida, e dessa vez tinha certeza que estava acordada.

O ser das trevas pôs uma das garras no peito dela, e a jovem sentiu uma dor excruciante como se seu coração pudesse ser arrancado a qualquer momento. O sorriso de satisfação da criatura demoníaca era horripilante.

— Não se preocupe, eu não pretendo matá-la, pelo menos não hoje, querida. Mas eu sou real, como pode ver, pena que não acreditarão em você se resolver contar sobre mim. Podem até tratá-la como uma louca e colocá-la em um manicômio. – Ele tocou o a maçã do rosto dela e um frio percorreu a espinha de Gisele. – Ah, seria um desperdício que fosse levada para lá. Eu tenho outros objetivos para você, e um deles é ser a receptora para meu material genético, assim uma criança será gerada para a organização. Imagina meu filho ter que nascer em um lugar como aquele? Seria terrível, não? – disse enquanto apontava para barriga de Gisele.

Gisele arregalou os olhos com o que ouviu por que pensava que isso era apenas mais uma das crendices contadas pelas pessoas, ou coisa apenas das ficções que já tinha lido. Seria possível uma criatura infernal ter relações com humana? Mas, naquele momento, ele não estava brincando, e pelo jeito que sentiu algo pular em seu ventre sabia que ele não estava mentindo.

Quem acreditaria que um ser das trevas abusou dela? Gisele chorou copiosamente pelo destino cruel que a aguardava.

A criatura das trevas deitou sobre o corpo dela, apertou sua jugular até que ela ficasse inconsciente, e teve relações sexuais com ela novamente dessa vez deixando vestígios conforme tinha dito que faria. Ela ficou com diversas marcas roxas no corpo e mordidas. Após terminar o ato ele desapareceu no ar assim como surgiu. Gisele finalmente reagiu e entrou em estado de histeria.

Seus pais a viam dizer palavras desconexas e arremessar diversos objetos de seu quarto no chão. Pensaram que talvez a filha estivesse possessa, e quando ela começou a dar sinais de que não sabia mais o que era realidade ou fantasia, foram dias a fio e sua barriga só crescia, e ficava cheia de feridas como se ela tentasse arrancar seu próprio filho, ainda não entendiam como ela conseguira esconder a gravidez deles já que estava em um grau avançado, pelo bem dela e do bebê decidiram interná-la, mesmo que o coração deles tivesse ficado partido por não terem encontrado outra solução.

— Perdoe-nos por tomarmos essa decisão, mas achamos que é o melhor a se fazer. Você não está no seu juízo perfeito.

Onde já se viu inventar uma história mirabolante dessas que um demônio lhe atacou enquanto dormia e por isso você está grávida? Nós fizemos o nosso melhor para te criar, mas não te ensinamos a mentir, filha. Não sei o que fazer depois de vê-la quebrando tudo no seu quarto, de delirar sobre esse ser de olhos vermelhos, ao invés de assumir seus atos, como tem tentado contra a vida da criança não temos outra escolha. – disse o pai dela com a voz embargada.

— Vocês não podem fazer isso comigo! Ele vai atrás de vocês por causa do que fizeram. – Ela estava transtornada e colocava a mão no ventre para tentar explicar o que queria dizer.

Os enfermeiros do hospital psiquiátrico a seguraram firme e aplicaram um sedativo que fez efeito em alguns minutos, somente assim foi possível retirá-la do quarto e garantir a segurança de seus pais, já que ela estava bastante agressiva e poderia feri-los durante esse ataque de fúria.

— Fiquem tranquilos por que nós cuidaremos bem dela lá na clínica. Tudo ficará bem. – disse um dos enfermeiros, antes de fechar a porta da van e levar Gisele embora.

A jovem não sabia que aquela seria a última vez que veria seus pais, e que a experiência que teve era apenas um prenúncio do que estava por vir quando se tornasse uma das internas da clínica psiquiátrica.

***

Algum tempo se passou e Gisele não sabia mais a diferença entre noite ou dia, por que as medicações fortes a mantinham dormindo por horas a fio. Ela ficara na solitária uma vez para ser castigada por ter tentado ferir uma das internas durante uma discussão que tiveram e que, segundo ela, foi ocasionada por que a mulher a provocou demais e ela só quis se defender.

Gisele tentou furá-la com o garfo no refeitório, e as outras internas incitaram a briga entre as duas. Mariane se fez de vítima, como sempre, e a novata pagou o pato por não saber levar desaforo para casa. Cada dia que se passava era como se a presença maligna continuasse à sua espreita, vigiando-a de longe. Ela até podia sentir o cheiro metálico de sangue misturado com enxofre que ele trouxera consigo como na última vez que ela o encontrou.

— Você realmente cumpriu o que disse. Eu sei que está aí, então apareça logo, criatura dos infernos! – Gritava ela e praguejava pelo seu infortúnio em estar ali.

A criatura das trevas ressurgiu, mas dessa vez viera materializado em um homem com vestes negras, chapéu escuro e os olhos, ainda assustadores.

— Talvez assim você não se assuste tanto comigo agora, e como pode ver posso me tornar o que eu quiser. Eu disse que te tratariam como uma louca, mas você não quis aceitar o meu conselho, fiz uma oferta de bem e como a recusou, então foi obrigada a aceitar de outra forma, que não foi muito agradável, suponho. – Os dedos gélidos, grandes e magros dele tocaram no queixo dela, e ela sentiu repulsa pelo toque.

— Veio me oferecer mais uma oportunidade de pacto? Devo fazer o quê? Dar um pouco do meu sangue, talvez? – disse ela com ironia. – O que mais falta para que destrua a minha vida? É melhor a morte do que continuar vivendo nesse inferno.

— Os enfermeiros gostariam de te deixar em quarto mais agradável do que esse devido a sua gravidez, mas você não tem sido uma boa menina, até tentou atacar uma das suas colegas, quem diria que faria algo assim? – A voz dele em tom de deboche apenas a deixou mais irada.

— Ótimo! Por que eu seria a escolhida para carregar a sua semente? Não vejo razão que me explique isso. Andei pensando bastante enquanto eu fico aqui nesse quarto tão bom quanto uma prisão. Já tomei a minha decisão.

— O que pensa em fazer, minha donzela? – disse ele, e se recostou na parede do quarto.

— O que acha que esperam de uma louca? – Ele arregalou os olhos imaginando que ela poderia fazer. – O que eu já devia ter feito desde que todo esse inferno aconteceu comigo. Viver sem realmente estar se sentindo vivo não vale a pena. Se eu vou para o inferno então apenas apressarei as coisas. É melhor que procure outra pessoa para seus objetivos. – Gisele retirou um canivete que ela tinha roubado de Mariane quando ela o deixou cair quando a perseguia nas primeiras semanas assim que ela havia chegado ali, e, com lágrimas nos olhos, feriu a si mesma no abdômen para matar a criança e a si mesma.

O ferimento próximo ao seu umbigo fez com o sangue manchasse a sua roupa cinza, e ela agonizou por algumas horas até morrer, rindo do íncubos que tentava conter o sangue que fluía de sua cria.

O corpo dela só foi verificado na manhã seguinte pelos enfermeiros da clínica. Eles ficaram estarrecidos ao encontrá-la deitada no chão e com o objeto cortante ao lado de seu corpo. A sua barriga e órgãos internos estavam totalmente devorados, como se algo a rasgasse com urgência para sair presa em sua barriga.

A poça de sangue em volta do seu corpo era enorme, era uma cena impactante e que nem todos os anos de estudo e preparação daqueles profissionais seriam suficientes para que tivessem estômago para ver aquilo. Um caso de suicídio de uma interna era um fato muito ruim para a imagem da clínica, e isso não agradaria em nada o dono do local, mas explicar onde foi parar o bebe seria bem mais complicado, muitas especulações que não deram a lugar nenhum foram criadas.

Os pais dela foram avisados de que ela havia morrido e que o bebe havia sumido misteriosamente. A mãe desmaiou com a notícia e foi amparada pelo marido depois que recobrou os sentidos. Sua filha tinha apenas 25 anos, era linda e tinha um belo futuro pela frente. Havia acabado se formar na faculdade e tinha planos para construir a sua carreira.

O namorado de Gisele ficou arrasado com sua morte por que ele planejara uma vida ao lado da sua amada, e esperava que ela se recuperasse do que ele acreditava ter sido um surto psiquiátrico, e pudessem retomar a história dos dois e seguir em frente.

Ao saber da gravidez já estava até preparando sua casa para recepcioná-la, já que sabia que não seria mais aceita na casa de seus pais, e em sua comunidade religiosa por ter se desvirtuado. Ele sentiu o peso de perder o seu filho, que não imaginava sequer que não era seu, muito menos que a criança não era totalmente humana.

E o dono dos olhos vermelhos apenas lamentava por que mais uma das suas receptoras ter escolhido tirar sua vida ao invés de levar a gestação até o final, e ele ficara com outro feto pela metade, mas ele não desistiria dos seus planos, e por falar neles já tinha em mente qual seria sua próxima vítima, outra mulher a sentir o sabor de uma noite dos horrores para nunca mais se esquecer dela.

No documento VÁRIOS AUTORES 1 (páginas 49-52)

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