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VÁRIOS AUTORES 1

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Academic year: 2022

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VÁRIOS AUTORES 1ª EDIÇÃO ISBN: 9780463489215 ELEMENTAL EDITORAÇÃO

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Ficha do Livro

Nightmares 2 – alguns pesadelos para quem dorme acordado, Vários Autores

Organizador: Fernando Lima Capa: Fernando Lima

Imagem da Capa: Gabriel 714976

Diagramação e Edição: Elemental Editoração Revisão de Texto: Feita pelos próprios participantes Copyright desta edição: 2019 © Elemental Editoração ISBN: 9780463489215

1. Coletânea 2. Contos 3. Português 4. Nightmares 1. Título 2. Livro Digital 3. Coleção

Todos os direitos sobre esta obra são de exclusividade do selo independente Elemental Editoração, para qualquer tipo de

informações ou reproduções sobre a mesma, é necessário a autorização antecipada pelo selo assim como pelos autores

participantes deste projeto.

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Sumário

FICHA DO LIVRO APRESENTAÇÃO A CASA NA ÁRVORE A NOITE MAIS ESCURA A PRAÇA

AS TESTEMUNHAS DE DAYANA A TELEVISÃO

DESPEDAÇAR AMOR EM HORÁRIO COMERCIAL FINAL DE EXPEDIENTE HATZEMBERGER O FESTIM O HOMEM OCO

O MESTRE DAS AGULHAS O MUNDANO DEVORADOR OLHOS NO ESPELHO OS OLHOS VERMELHOS PARALISIA NOTURNA PERPÉTUO

PISADEIRA PRAGA

SEM DOR, SEM GANHO SERAFIM

UM ÚLTIMO BEIJO FRIO WISTERIA

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Apresentação

Por:

Fernando Lima

Bio:

Fernando Lima é natural de Santo André – SP. Publica suas obras com os pseudônimos de Donnefar Skedar e Jay Olce, é o criador do projeto A Arte do Terror, administra o selo Elemental Editoração.

Contato: E-mail

Apresentação:

Nightmares 2 — alguns pesadelos para quem dorme acordado, é a segunda edição da coletânea Nightmares lançada em

2018. Com textos de novos participantes, o livro conta com alguns nomes da edição anterior.

Novamente passeando pelo horror e suspense, nesta edição, encontraremos novos e já conhecidos autores independentes que se arremessam nesta coletânea, buscando um conhecimento na escrita e reconhecimento no meio literário.

Aproveite a leitura e se gostar, compartilhe e avalie o livro.

Boa Leitura!

Fernando Lima

Organizador

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A Casa Na Árvore

Por:

Condessa Da Escuridão

Bio:

Tenho 26 anos, resido em São Paulo e sou uma Ghost Writer. Escrevo desde meus 10 anos, comecei pela poesia, eróticos e atualmente escrevo sobre terror e suspense.

Inspiro-me em: Anne Rice, Edgar Allan Poe, H.P Lovecraft, Agatha Christie, Stephen King e em todos os autores nacionais como André Vianco, Marcus Barcellos, Marcos DeBritto, Sergio Mattos, Rafael Santos, Márcio Benjamin entre outros.

Contato: E-mail Conto:

O ano era 1985, a família Benston tinha dois uma linda casa da árvore da qual ficava ao lado da minha.

Tinham dois lindos filhos, Mayra, tinha oito anos, a pequenina, sorriso meigo, olhos azuis celestes e pequenos cachinhos dourados herdados da mãe. E Lorenzo tinha 10 anos, o rapazinho da família, possuía um cabelo preto, bem cortado no estilo

‘’indiozinho’’, olhos também de cor azul, um pouco mais baixo que eu.

E eu, Alexandre, aos 11 anos e filho único da família Riccotto, que por sinal não tinha com quem brincar.

Então Mayra e Lorenzo se tornaram os meus melhores amigos, brincávamos na minha casa, na casa deles, na casa de árvore, na pracinha que tinha ao final da rua e em todos os lugares que podíamos.

Gostávamos de jogar bola, soltar pipa, brincar de casinha, mas claro, eu e Lorenzo éramos sempre os guardas do castelo da Mayra, nada de brincar de bonecas, isso é coisa de menina.

Gostávamos também de joga bolinha de gude, esconde-esconde, pega-pega, mas a nossa brincadeira preferida era a de explorar lugares.

Nossos pais trabalhavam demais, e além de irmos à escola juntos, também passávamos a tarde e algumas noites juntos, pois ambos os pais contratavam uma babá para ficar conosco, chamada Dona Maria, uma senhora muito boazinha que amava nos ver brincar e achava graça quando Mayra largava tudo que estava fazendo para se esconder do senhor Cardoso, o velho esquisito que morava há umas ruas abaixo.

Meus pais sempre me contavam histórias sobre pessoas desaparecidas por serem desobedientes, a famosa era a Kombi dos palhaços que sequestrava as crianças, retiravam os órgãos para vender no mercado negro.

Confesso que quando menor eu ficava muito assustado e nem ousava desobedecer, mas depois que a gente faz 11 anos tudo muda, ao menos em nossa pequena mente chamada de ‘’agora eu já tenho 11 anos!’’.

Lorenzo e Mayra não conheciam essas lendas, então uma vez dona Maria que ouvia nossa conversa, concordou comigo, mas parou de falar quando Mayra disse:– Dona Maria, você não sabe de nada! Nem tem filhos, passa o dia cuidando da gente, como sabe sobre esse tal homem que carrega as crianças desobedientes?

Dona Maria se calou e com os olhos distantes e resquícios de lágrimas que brotariam a qualquer momento, suspirou profundamente e respondeu gentilmente:– Você não sabe minha filha, mas eu sou mãe sim, ou ao menos fui antes de me tomarem meu bebê, meu pequeno Ryan.

Lorenzo perguntou:– Mas dona Maria o que aconteceu com ele?

Dona Maria:– Ah meu filho, ele tinha quase a idade de vocês, sete anos, um dia quando voltava da escola, foi seqüestrado por um maníaco e ninguém nunca mais o encontrou.

E dona Maria começou a chorar. Eu então disse:– Gente vamos deixar dona Maria em paz. Não vamos ferir seus sentimentos.

Meus pais chegaram bem na hora e viram dona Maria chorando, tentamos explicar que só perguntamos apenas. Mas não teve conversa, ficamos os três de castigo por uma semana sem brincar na pracinha e nem na casa da árvore.

Fiquei furioso com um castigo desses, afinal que mal há em fazer perguntas? Bati a porta do meu quarto e gritei:– É tudo

mentira, não existe essa coisa de palhaço, velho do saco, bicho-papão e nem nada disso, vocês são pais mentirosos!

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Por fim passaram-se as semanas, eu e meus amigos saímos do castigo, voltamos as nossas rotinas normais.

Chegou mês de julho, época das tão esperadas férias escolares, Mayra, Lorenzo e eu havíamos combinado de fazermos várias coisas e explorar muitos territórios.

Foi então que em um dia na casa da árvore, Mayra brincava de fazer comidinha pra suas bonecas, enquanto eu e Lorenzo éramos piratas, quando de repente, olhei pela janela da casa da árvore e avistei outra casa da árvore da qual nunca havíamos visto. Parecia ser uma casa da árvore abandonada, os galhos de árvore entraram pela casinha, tínhamos que explorar aquilo.

Chamei Lorenzo para que ele visse, e o mesmo ficou estarrecido, Mayra não quis ir, então combinamos um plano para o dia seguinte, eu e Lorenzo iríamos e ela ficaria nos vigiando.

Saímos escondidos da dona Maria durante uma tarde em que ela estava preparando um bolo de cenoura com cobertura de chocolate na cozinha.

Andamos por volta de três quadras e chegamos a tal casa que tinha uma casa da árvore, empurramos um portão velho de madeira que nem estava trancado. O quintal da casa mais parecia um lixão de tantas coisas acumuladas, sacos e mais sacos pretos de lixo, roupas rasgadas pelo quintal, garrafas de vidro e de plástico entre outras coisas. Lorenzo puxou a cordinha que desci as escadas da casa da árvore, quando eu o puxei e mostrei a casinha de cachorro, Lorenzo então pegou uma garrafa no chão fazendo mínimo de barulho possível e atirou no muro oposto, pois se tivesse cachorro ele iria sair e avançar, porém nada aconteceu então ele subiu e eu fiquei embaixo vigiando.

Olhei para a casa, parecia estar abandonada há anos, mas as roupas no chão pareciam recentes. Será que aquela casa era mesmo depósito de lixo? Pessoas que não queria mais roupas jogavam ali?

Perdido em meus pensamentos, me assustei quando Lorenzo gritou:– Alexandre sobe aqui você tem que ver isso!

Subi apressadamente tropeçando nos degraus. Lá dentro havia prateleiras cheinhas de brinquedos novos, muitos ainda na caixa. Eu não acreditava no que estava vendo.

Ficamos deslumbrados com tantos brinquedos, tinha bola, carrinho, pipa, boneca, casinha, motos e até um vídeo game novinho.

Lorenzo pegou um vídeo-game e eu peguei um caminhão que estava na prateleira de cima, quando puxei o caminhão, um crânio caiu em cima de mim.

Quase gritei, mas notei que Lorenzo tapou minha boca e sussurrou:– Cale a boca! O velho está na casa. Xiu!

Eu:– O quê? Cara, isso é um crânio, será que é de gente?

Lorenzo:– Não, acho que é de brinquedo, olha só ao redor, é tudo de brinquedo aqui.

Eu fiquei cismado, mas mesmo assim, peguei o caminhão e Lorenzo o vídeo-game, peguei a boneca para a Mayra.

Lorenzo desceu as escadas, e passou correndo pelo quintal e ficou me esperando na rua, eu desci as escadas e olhei para o casebre, e o que eu vi me deixou assustado, havia um velho na janela com uma imensa faca na mão que me viu também e começou a esbravejar:– Ah seu moleque, eu vou te pegar e arrancar a tua pele! Magno pega eles!

Ouvi uns latidos e logo imaginei que Magno fosse o cachorro. Corri o mais rápido que pude, passei pela brecha do portão, mas a boneca enganchou no trinco, e eu tive que deixá-la para trás.

Corremos até chegarmos à nossa casa, onde Mayra nos aguardava no quintal perguntando:– O que tem lá? O que é isso nas mãos de vocês? Cadê o meu?

Arfávamos de cansados, até que eu consegui dizer:– Mayra ia trazer uma boneca bem linda pra vocês, mas o velho. Ai estou cansado, espera um pouco.

Lorenzo:– Ele ia mesmo trazer uma boneca, mas o velho que mora na casa, nos ameaçou com uma faca! E a boneca ficou presa no portão.

Mayra se entristeceu, mas logo passou, quando Lorenzo como irmão mais velho, prometeu voltar e pegar a tal boneca no dia seguinte, mas só que dessa vez iríamos à noite para que o velho não nos visse.

Eu disse que seria arriscado, Mayra queria ir conosco e eu insistir que aí sim, seria mais arriscado ainda.

Por fim decidimos que se voltássemos, seríamos eu e Lorenzo apenas.

Fui para a casa, preocupado com o que poderia acontecer. No dia seguinte meus pais saíram cedo e me disseram que voltariam tarde e que era para eu me comportar até que dona Maria chegasse, pois ela iria demorar um pouco e só chegaria por volta das 19h.

O dia passou preguiçoso, brincamos tanto de tudo que cansamos e fomos para minha casa assistir filmes.

Quando dona Maria chegou e nos pegou dormindo no sofá, Mayra e Lorenzo iriam dormir lá, então um a um dona Maria nos levou para o meu quarto, que tinha um beliche e minha cama. Acordei sobressaltado, olhei para o lado e vi Lorenzo sentado na cama sussurrando pra mim:– Achei que não fosse acordar, está pronto? Vamos antes que ela acorde, apontando para Mayra.

Levantei depressa, peguei um casaco e quando íamos descer os primeiros degraus ouvimos um pigarreio:– Ram, Ram, onde pensam que vão sem mim? Não acredito que não iriam me avisa. Se forem sem mim, eu conto tudinho para Dona Maria.

Não teve jeito, tivemos que levá-la conosco. Corremos para chegarmos mais rápido, abri o portão devagar, e antes de

entrar, olhei para o quintal, a procura de Magno, o cachorro e para o casebre, estava todo apagado. Tudo limpo entrei e abri

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espaço para Mayra e Lorenzo.

Baixei a escada e dei preferência para Mayra, afinal eu tinha 11 anos e era um cavalheiro, damas primeiro, depois foi Lorenzo e por último eu.

Mayra ficou encantada com todos os brinquedos, mas pegou três bonecas, Lorenzo pegou um carro dessa vez, eu peguei um avião e decidimos ir embora e voltar no dia seguinte, que por sinal não chegou.

Mayra desceu as escadas, e quando Lorenzo estava descendo ouvi um grito estridente dele dizendo:– Deixe minha irmã em paz seu velho louco! Seu monstro. Mayraaaaaaaaaaaaa!

Eu ainda estava dentro da casa da árvore do velho e olhei pela janela, o velho estava com a faca e arrastando Mayra para dentro do casebre, Lorenzo pulou os degraus restantes e correu para a casa. Eu desci correndo e fui atrás deles, mas ao chegar ao que parecia ser uma sala de estar, tropecei no corpo desfalecido de Lorenzo, e em seguida o velho me acertou com um taco de beisebol e eu também desfaleci.

Acordei amarrado em uma cadeira em um cômodo que parecia ser cozinha, pisquei os olhos tentando me acostumar com a luz que era mais forte do que meus olhos agüentavam. Lorenzo estava ao meu lado, ambos estávamos amordaçados. Na nossa frente havia uma mesa de aço ou sei lá o que, e havia um corpo, o corpo de Mayra. O velho estava de costas, e balbuciava algo como:– Vocês são uns moleques muito enxeridos, devem pagar por invadirem minha residência, crianças malditas, todas essas e todos vocês, disse apontando para os sacos pretos ao lado de onde ele desossava alguma carne.

Eu então me lembrei dos crânios que ficavam atrás dos brinquedos nas prateleiras de cima da casa da árvore, ele era um maníaco que sequestrava as crianças, precisávamos urgente sair dali.

O velho afiou uma faca e com estremo cuidado, arrancou os olhos de Mayra, e os colocou em um pote de vidro dizendo:–

Essa belezinha aqui vai ficar na minha coleção particular. Então pegou o corpo de Mayra e com um facão, golpeou-a diversas vezes, nos braços, pernas e pescoço degolando-a.

Lorenzo não agüentou ver, desmaiou gritando e chorando, o cachorro lambia o sangue que escorria por todos os lados. O velho se aproximou de mim, me deu um tapa na cara e disse:– Viu o que dá desacreditar nos pais garoto? Se eu fosse você nunca teria duvidado que eu existo.

A vez de Lorenzo chegou, e o velho que eu achava que seu nome fosse Senhor Cardoso, na verdade era Monstruoso, pois era cruel e frio, e dali em diante eu saberia que não sairia com vida, e se saísse que sofreria as perdas e a culpa eternamente.

O velho aplicou uma injeção em Lorenzo e o levou para a mesa, com uma makkita cortou-lhes os tornozelos, os joelhos e os braços, Lorenzo acordou, estava anestesiado e não sentiu dor alguma, apenas viu seu sangue se esvair do corpo, até perder completamente a visão e ser brutalmente decepado.

Os restos dos meus amigos foram colocados em um saco bem grande.

E por fim chegou a minha vez, revivi tudo o que meus pais me disseram, e agora o que seria quando chegasse a casa e não nos encontrassem? Será que eles achariam que foi uma brincadeira de mau gosto? E dona Maria, coitada, deve estar apavorada, se subir em meu quarto e não nos achar. Isso tudo foi um erro, nunca deveríamos ter teimado e desobedecido nossos pais, nunca deveríamos ter ido aquela maldita casa na árvore desse verme infame que está agora com uma faca apontada para o meu pescoço.

Ele me jogou na mesa, aplicou a injeção em mim, e eu pude vê-lo cortando meus tornozelos, meus joelhos, minha barriga, meus pulsos e meus braços, a dor que eu sentia não era física, e sim psicológica, eu gritei, gritei até não agüentar mais, porém o velho cortou a minha língua, e eu assim como meus amigos, tive o fim trágico, indo parar dentro do saco.

Na manhã seguinte, estávamos nos noticiários, às três crianças desaparecidas, os três melhores amigos, cuja última vez foi vistos dormindo no sofá de casa.

Dona Maria, precisou ser levada às pressas para o hospital e de lá, para um hospital psiquiátrico, pois não agüentou a pressão e enlouqueceu.

Meus pais, depois de meses me procurando e espalhando cartazes, decidiram que era melhor tentar se conformar e esperar eu voltar.

E eu voltei, passeava pelas ruas, passava todos os dias em frente à minha casa, mas ninguém me via ou me ouvia, pois eu estava dentro do saco, com aquelas muitas crianças desaparecidas dessa e de outras épocas talvez, pelo estado que já se encontravam os cadáveres.

Estava dentro daquele maldito saco do qual tanto duvidei, dentro do saco do velho do saco.

Então, portanto a quem lê, peço-lhe que se virem um velho, maltrapilho, carregando um saco e com um cachorro do lado,

chamem a polícia ou avisem meus pais, pois eu estou aqui.

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A Noite Mais Escura

Por:

Igor Moraes

Bio:

Igor Moraes da Silva é técnico em telecomunicações e apaixonado pela literatura. Foi bolsista do CNPq e desenvolveu projetos para a coleção O que é ser cientista? da Universidade Federal do ABC. Estudante de Direito, é fundador do site literário Golem.

Contato: E-mail Conto:

Minha irmã jogou o livro que estava lendo na minha cabeça. Um calhamaço de quase trezentas páginas, capa preta e folhas avermelhadas – provavelmente autografado – que pertencia ao nosso pai.

— Quanta besteira! – ela disse – Como temos isso na nossa prateleira? Me passa o Tarzan!

Eu fiz aquilo automaticamente, e ao devolver o calhamaço a prateleira, passei os olhos no volume que a desagradou. O livro era “O Escravo de Capela” do Marcos DeBrito.

— Mas isso é uma obra prima!

— Para você, só se for! Prefiro romance, distopias. Não seria má ideia o

Pedro tentar trazer algumas para a Faro. E aliás, é muita mentira! Um escravo morto voltando para assombrar os patrões...

— Todas as lendas têm base nos fatos... – eu ia continuar quando ela me interrompeu.

— Você está dizendo que isso existe, de verdade? – ela levantou a sobrancelha, incrédula.

— Eu não quis dizer isso. – me defendi, já irritado – Quis dizer que todos mitos são construídos em cima de uma base concreta, que foi distorcida e colocada em uma base sobrenatural. É isso que o autor faz.

Ela fez beicinho, enquanto eu a olhei com uma reprovação fraternal.

— Isso parece uma frase daqueles livros de teoria da narrativa do papai.

— Pode ser. – sorri – Quando se passa muito tempo no mar como fuzileiro, ou andando na sociedade como civil, dá para notar os traços e chagas que a escravidão deixou em nossa sociedade. Do mesmo jeito que dá para notar a influência da África em nossos costumes, e principalmente na nossa pele.

— Mas, Tornado, isso foi há muito tempo. – ela disse, mostrando um pouco de interesse – Se um dia existiu essa servidão nada voluntária, não deveríamos conservar essa memória, ou patrimônio?

Eu entendi o que ela quis dizer. Estávamos em um prédio a poucos metros do Sítio da Ressaca, uma rota de passagem que tinha servido para escravos fujões que queriam chegar ao Quilombo do Jabaquara que foi transformada em parque. A Casa do Sítio da Ressaca, que permanecia de pé mesmo com o concreto armado jogado sobre o barro das paredes, serviu de abrigo para muitos escravos que queriam a liberdade. O local estava deteriorado, abandonado, mas suas ruínas pareciam querer trazer de volta vagas memórias raciais, agitando minha imaginação.

— E conservamos. Ou melhor, deixamos o governo conservar por nós. Cedemos esse direito. O Estado é que mantém nossas memórias vivas, por isso pagamos nossos impostos.

Ela fez um som de desdém.

— Deve ser por isso que está tão acabado. Dizem que têm corpos enterrados lá, na casa. Como alguém pode ter dormido lá?

— Acredite em mim. Eu como fuzileiro já dormi em lugares piores que aquele. Além do que – comecei a rir comigo – eu sou capaz de ficar ali de noite. Você não. Do jeito que é covardona, no primeiro som estranho você corre para cá.

Ela desviou o olhar do livro.

— Seu quiser, eu passo uma noite sozinha naquela casa.

— Eu duvido.

Percebi meu erro quando ela ficou de pé imediatamente.

— Não, você não vai – vetei – O que as pessoas iriam dizer?

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— E eu me importo com isso? – ela retorquiu feminista.

— Você não tem nada para fazer no Sítio de noite. Pode não ter corpos ou fantasmas habitando o local, mas com certeza tem certos tipos duvidosos que, se te vissem, não iam hesitar em fazer alguma maldade com você.

— Você quer dizer que sou uma garota bonita e que não posso sair sozinha? – ela perguntou manhosa.

— Estou dizendo que lá fora é perigoso e para você não fazer isso.

Ela fez uma careta e se afastou. Eu me xinguei baixo o suficiente por ter trazido essa ideia aquela cabeça de jerico.

— Eu vou fazer isso...

— Nem pense nisso, Amélia! Eu te proíbo. – eu tinha elevado meu tom de voz o suficiente para ela se encolher de medo, apagando o brilho assanhado de seus olhos.

— Eu também não queria mesmo. – ela retorquiu mostrando a língua. Desconfiei de sua atitude, e minhas suspeitas não acabaram quando ela falou, indo para seu quarto com seu livro embaixo do braço, que queria dormir mais cedo. Ela era orgulhosa demais para se dar por vencida.

Desliguei as luzes da sala e fui para meu quarto. Pela janela, via a lua nascendo, e a terra cintilava sinistra e resoluta sob seus raios de luz gélidos. Era no final do verão e o ar estava quente, mas a paisagem parecia fria. Vi a névoa ocultar totalmente o Sítio, escondendo sua paisagem arruinada. Desolada e terrível, a névoa noturna parecia, talvez fosse minha imaginação, grudar na casa enquanto o tempo passava, trazendo fantasmas silenciosos do passado.

Deitei na cama, mas o sono não veio. Estava pensando sobre a conversa que tive com Amélia. Eu e ela éramos claros, embora de pele morena; tratava-se, evidentemente, de uma das tantas misturas de raças que ocorriam no Brasil. A janela parecia a moldura de um quadro prateado.

Quando caí nos braços de Morfeu, o que veio foram imagens perturbadas, onde sombrias formas fantasmagóricas corriam atrás de mim. Em seus olhos a maldade e ganância se manifestavam como pequenas esferas vermelhas, como as chamas do inferno. Eu estava em um local de mata fechada. O som de água corrente batendo nas pedras denunciava a presença de dois rios.

A escuridão me apavorava, mas não saber para onde estava indo me assustava ainda mais. Algo me fez tropeçar, e me virando para meus perseguidores, uma luz, que vinha atrás de mim os afastou freneticamente. Ela era mais forte do que a luz do Sol, e sua forma de rainha projetada no chão fazia as flores desabrocharem.

Acordei subitamente, após cair da cama. Ainda enrolado nos lençóis, tentei dar um norte aos meus sentidos. Um sentimento de opressão se apoderou de mim, como se o próprio senhor do mal usasse meu quarto de estalagem. Desaparecendo rapidamente enquanto eu chegava a total consciência, espreitava com pavor a recordação do sonho. A névoa branca havia flutuado pela janela e assumido a forma daquela rainha, como se para despertar do meu sono.

Me livrei das cobertas e peguei minhas roupas. Sentia que meus sentidos tinham sido despertos, como se voltasse aos vilarejos da República Centro-Africana. Avancei ao quarto da minha irmã, abrindo a porta com força... e ela não estava lá.

Corri as escadas, sem tempo para pegar o elevador. Abordei o porteiro.

— A garota de cabelo cacheado? Ela desceu, estava vestida para sair já faz meia hora.

— Falou para onde ia?

— Dar uma volta perto daquele parque.

Disparei para fora do prédio, correndo em direção ao Sítio. Meu coração já estava saindo pela boca. Ao longe, vi os ferros das grades que separavam o Sítio da Ressaca da avenida Francisco de Paula. A grama estava tão alta que passava por eles, invadindo a calçada. Ignorei os postes e as grades de lixo e, finalmente depois de correr em minutos que pareciam horas, vi sua figura magra a alguns metros à minha frente. Ela caminhava, e apesar de sua vantagem sobre mim, eu estava chegando perto. Eu arfava devido ao esforço, mas ainda assim, acelerei meu passo. A névoa do Sítio para mim era uma presença tangível, que tencionava ainda mais meus músculos, como se os estivessem preparando para uma briga.

Minha irmã então parou, de modo súbito, muito a minha frente. Parecia estar confusa, amedrontada. A luz do luar só me permitia ver ela, mas não o que causou sua parada. Senti um vento frio bater em meu corpo, que corria desenfreadamente. Gritei desesperado, chamando sua atenção, fazendo um eco que se espalhou por toda aquela área. Amélia, então, se virou e começou a vir correndo em minha direção, como uma corça correndo do predador. Sombras indefinidas tentaram agarrá-la. Vestiam roupas de caçador totalmente fora de época, como viessem do século XIX, e a impediram de chegar até mim. De repente, se soltando instintivamente ela se virou, passando pelo portão aberto e correu para a casa, descendo as escadarias na maior velocidade que conseguia, com aquela horda indo atrás dela, e o jeito que andavam, iam armados.

Lamentei por não ter meu fuzil comigo. Sempre fui atlético e forte, um capoeira habilidoso, com martelos em cada um dos membros. Meus instintos primitivos vieram à tona, me fazendo escalar o gradeado em dois saltos. Eu era o homem disposto a proteger a minha família, sem temer nada a ninguém, mesmo aquela cria do inferno se levantando de suas tumbas do passado para a pegar e devolver ela a escravidão. Sim, eu os reconheci! E todos os tambores de guerra tocaram, e um grito de liberdade rugiu dentro da minha alma.

O ódio se apoderou de mim como nos dias em que os homens do meu sangue vieram acorrentados da África.

Eu estava perto dos perseguidores de minha irmã. Seus corpos estavam atrofiados, como os de zumbis. Com um salto de

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besouro eu estava entre eles, e como um tigre cercado de cascavéis ataquei. Seus membros deformados, pensei, eram cobertos por pele cinza desbotada. Os olhos amarelos pareciam ter chamas infernais, e as roupas vinham de reflexos de séculos de selvageria. O gibão acolchoado, os calções e cinturões de couro lembravam os sertanejos da Bahia. Uns levando arcabuzes, bacamartes, e outros arco e flechas, todos armados com facões, foices e redes. Ao olhar mais de perto, quase podia acreditar que eram humanos, mas sua carne era transparente e seus ossos cintilavam por debaixo, como imagens de raio X.

Seja lá o que fossem, estavam vivos o suficiente para provar minha ira. Avancei lateralmente pela direita como um tornado, diminuindo minha distância com meu adversário. Ele mal teve tempo de se defender, pois eu já tinha arrancado sua cabeça fazendo um arco com parte externa do meu pé, atingindo ele direito bem no queixo. Surpresos no primeiro instante, os esqueletos começaram a se reorganizar. O segundo, o mais próximo de mim, avançou, desembainhando o facão. Esperei ele se aproximar me encolhendo no chão, e quando vi a oportunidade girei meus braços me projetando para o alto. Por um momento, os músculos da minha perna ficaram estáticos e quando voltaram a se mexer já estavam envolvendo o morto-vivo e giravam em sentidos contrários, o partindo em dois. Achando melhor ter uma arma comigo, peguei o facão que o segundo deixou cair no chão.

Foi quando o terceiro atirou.

O tempo passou devagar como em um filme. Posso dizer, concerteza, que não vi a bala, mas senti a trajetória do projétil do mesmo jeito que sentia no navio as ondas do mar. De alguma forma, desviei com o cabo da minha arma e sem aviso continuei atacando. Com dois movimentos da lâmina, decepei seus braços na altura dos cotovelos e atravessei sua cintura, cortando-o ao meio.

As feições cadavéricas eram esmagadas, se não pelos meus punhos e braços, pelos meus pés e pernas. Uma foice acabou cortando de modo profundo a parte posterior da minha coxa. Ignorando o ferimento, posso jurar que derrubei um exército, mesmo sendo pouco mais de cinco ou seis seres. Foi quando percebi que haviam doze deles, e os que os ossos que lutavam comigo e que desmontei estavam quase que imediatamente, começando a se mover, se unindo.

Amélia havia alcançado a casa agora, se apoiando cansada, contra a porta, que estava trancada. Estava obedecendo seus instintos, do mesmo jeito que as mulheres de sua raça fizeram no passado. Os esqueletos que a perseguiam estavam fechando o cerco. No fundo da minha mente, eu via aquelas coisas horríveis como em uma memória reprimida, onde capitães do mato perseguiam mulheres negras por sítios como esse.

Impossibilitada de entrar na casa, ela ficou cercada. No meu íntimo, algo sussurrava em meus ouvidos que eles iriam fazer algo sórdido e repugnante. Outros esqueletos vieram para cima de mim, jogando suas redes. Não podia alcançar ela antes que aqueles esqueletos. Abri a boca e emiti da minha garganta o som mais horrível que eu já ouvi. Era como um trombone ampliado um milhão de vezes – o som de uma prece, o som do puro medo. O tempo retrocedeu. Séculos passados passaram na frente dos meus olhos. Os seres que iam mais à frente estavam quase sobre Amélia, e estavam quase para agarrá-la, quando subitamente ao lado dela uma forma apareceu.

Se materializando gradualmente, a figura surgiu. Vinda na clara a luz do luar, uma mulher, revestida do sol em longos

véus azuis e amarelos, a rainha que eu vi em meu sonho! Uma santa, com uma coroa de doze estrelas em torno de sua cabeça,

respondendo mais uma vez ao pedido desesperado das pessoas de sua raça. Sua fisionomia era distinta e nobre, seus olhos

perspicazes e seu sorriso piedoso. Eu podia ver tudo isso, mesmo enquanto lutava. Seu braço ergueu-se num gesto impetuoso, e

os seres foram retrocedendo para trás, fugindo, desaparecendo subitamente nas sombras. Depois de me libertar da rede, corri

para o local, me atirando de joelhos ao lado de minha irmã como um gesto de agradecimento, e recolhendo Amélia em meus

braços. No instante que eu olhei para ela, a nossa advogada contra as forças da escuridão, sua mão se ergueu sobre nós como

uma benção, então ela também desapareceu subitamente, e o sítio ficou silencioso, escuro... e vazio.

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A Praça

Por:

Rozz Messias

Bio:

Rozz é poeta, participou dos Planos de Aula da Revista Nova Escola e foi premiada no Concurso Colombo contando histórias. Participa das Antologias Atmosfera Fantasma, Prenúncio do Medo, Olimpo, Contos sombrios e trabalha na publicação de “Filha da tempestade”, “Ao seu encontro” e “Entrelaçados”.

Contato: E-mail Conto:

Rute atravessou a Rua 13 de maio, descendo em disparada até a Praça Santos Andrade, onde a Universidade Federal erguia-se majestosa. O silêncio reinava no local, nenhum mendigo se abrigava ali. As luminárias criavam sombras estranhas na calçada de petit pavé fazendo com que o coração da garota batesse ainda mais rápido. O suor escorria por seu belo rosto, seus pés doíam.

Ela parou próximo ao chafariz, escondendo-se por trás da grande escultura. Apoiou as mãos nos joelhos, abaixando-se um pouco, tentando lembrar porque estava ali e de quem fugia. Não houve tempo para encontrar uma resposta. Passos ecoaram pela rua deserta, coturnos com certeza e… armas sendo engatilhadas.

Rute correu, passou em frente da agência dos Correios e do Shopping Itália, ouvindo passos que vinham em sua direção.

O desespero tomou conta dela, o medo congelando tudo. Ouviu gritos e tiros, correu em direção à porta de vidro de entrada do shopping, mas estava fechada. Óbvio, era madrugada, ela não sabia o que fazia na rua àquele horário, porque esses homens e, vestindo roupa preta, perseguiam pessoas pelas ruas. Ficou escondida atrás de um dos pilares de entrada sendo possível observar um deles arrastar o corpo de um garoto pelo asfalto, deixando rastros de sangue e pedaços de pele e carne por onde passavam. Logo uma van escura parou em frente à escadaria, um homem mais alto do que os outros desceu e abriu a porta. Depois acendeu um cigarro e olhou tudo à sua volta, como se pudesse sentir a presença de Rute ali, escondida, as mãos trêmulas, a respiração acelerada. Mais homens surgiram trazendo outros corpos que foram jogados de qualquer maneira dentro da van.

As luzes piscaram uma, duas vezes e permaneceram apagadas. Rute sentiu uma mão segurá-la pelo braço, enquanto outra fechava sua boca, fazendo morrer o grito que surgiu. Ela não conseguia respirar, podia sentir o corpo do homem encostado nas costas dela, a arma na cintura dele. Rute foi arrastada para dentro do shopping, ela manteve os olhos fechados enquanto era puxada e colocada na escada rolante. Quando tomou coragem para abri-los percebeu que ali só havia escuridão, nenhuma luz, ninguém além dela e dos dois estranhos. O coração dela não estava mais no lugar, parecia subir pela garganta. Queria lutar por sua vida, mas não tinha forças, estava paralisada, as lágrimas desciam devagar, enquanto lembrava dos planos que tinha para o futuro. Formar-se na faculdade, ficar noiva, ser contratada na empresa onde estagiava. Tentou gritar, mas a grande mão enluvada ainda estava ali, fechando sua boca, encerrando seus sonhos.

O homem parou, chutando uma porta três vezes. Alguns segundos se passaram e a porta foi aberta por uma jovem armada. O homem empurrou Rute para dentro, ela se desequilibrou quando ele a soltou, sendo amparada pela garota, que não usava preto como todos lá fora, mas vestia uma calça jeans e uma camiseta com o desenho de um personagem que Rute não soube identificar. A luz era fraca ali, apenas uma penumbra.

Rute não quis olhar para trás, mas pôde sentir que o homem retirava a roupa de couro preta e a jogava sobre um

balcão. Eles pareciam estar em uma loja dentro do shopping. A garota continuou apontando a arma para Rute, até que o

homem a segurou novamente pelo braço e seguiu com ela para o fundo do local. Ninguém disse nada. Eles entraram em

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um provador e uma parede falsa foi aberta, dando passagem para outro lugar, uma espécie de túnel, com um cheiro de esgoto.

Caminharam por um longo tempo, até as forças acabarem e ela desfalecer, sendo engolida pela escuridão.

Quando acordou estava sendo carregada pelo mesmo homem, ela sabia que era o mesmo pelo cheiro que ele emanava, Rute deparou-se com olhos avermelhados a observá-la, a pele dele era estranha, parecia a pele de um réptil, como se tivesse passado pelo fogo e se queimado. Mas o corpo era humano, as mãos geladas a seguravam com força, como se tivesse medo de que ela escapasse.

Mas escapar como? Não fazia ideia de onde estava e quando menos esperava foi jogada no que parecia uma lago. A água gelada a envolveu, gerando arrepios, congelando tudo. Ela se desesperou, começou a debater-se, engoliu água, sentiu o pulmão queimar de dor enquanto uma grande camada de gelo a prendia ali, no fundo do lago congelado.

A consciência dela foi sumindo, sumindo….

Rute ouviu os próprios gritos ecoando pelo apartamento, ela se debatia, como se estivesse nadando, tentando empurrar algo que estava acima de sua cabeça. Estava suada, o cabelo grudando, sentada em sua própria cama.

Levantou e foi até a cozinha, pegou um copo de água e parou próxima à janela, observando o movimento lá embaixo na

Praça. Ela podia jurar que as luminárias das ruas piscaram duas vezes antes de tudo virar breu.

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As Testemunhas de Dayana

Por:

Ana Carolina Machado

Bio:

Ana Carolina Nogueira Machado sempre gostou muito de escrever e já participou de algumas antologias: "As flores do meu jardim", " Estelar", "Meus poeminhas infantis vol. 2" entre outras.

Contato: E-mail Conto:

Quando Dayana saiu de casa naquele dia, algo dentro dela dizia que aquela seria a última vez que veria a sua família. A garota não entendeu o por que daquela sensação, mas logo entenderia. A principio achou que podia ser por causa das notícias do jornal, talvez o número crescente de assassinatos no país tivesse feito ela ficar com medo de que algo lhe ocorresse.

Ao longo do dia, a sensação ruim foi desaparecendo, as aulas, as conversas com as amigas, tudo tirava o foco, logo a sensação que no início do dia tinha a força de uma ventania se converteu em uma suave e quase imperceptível brisa.

Esse sentimento só voltou a povoar a mente da menina na hora da saída da escola, mesmo assim de forma bem leve, no momento em que suas amigas pegaram um caminho diferente, lhe deixando sozinha. Enquanto caminhava sozinha pela rua, reparou que as nuvens no céu pareciam anunciar uma chuva ou algo pior.

*

Adolfo saiu da sua casa decidido naquele dia. Tudo havia mudado desde que sua esposa lhe abandonou. Sem sua esposa para satisfazer os seus desejos carnais, os seus instintos estavam a flor da pele. instintos esses que tinham motivaram Camila, sua mulher, a lhe abandonar.Sua ex depois de um tempo passou a achar que ele tinha algum problema, pois qualquer movimento, qualquer roupa que ela usasse já lhe faziam ter desejos cada vez mais pesados, se fosse apenas isso teria aguentado, mas o pior era que Adolfo não sabia ouvir não como resposta, na mente dele Camila existia apenas para lhe satisfazer.Aguentou o máximo que pode, mas no fim foi embora.

Logo nos primeiros dias ele encontrou outras formas de se satisfazer, mas depois isso não bastou. Quando deixou de ser suficiente, ele passou a sair de sua oficina meio dia. Horário de saída na escola próxima. Ele rodava com seu carro nas proximidades da escola a procura de alguma menina solitária que quisesse uma carona. Muitas aceitavam, pois Adolfo sabia ser sorridente e gentil quando isso podia trazer algum beneficio para ele.

*

Uma buzina de carro chamou a atenção de Dayana, ela olhou e viu que era o mecânico do bairro. Ela o conhecia pouco, sabia que ele se chamava Adolfo e que certa vez ele consertou o carro de um parente seu.

Baixando o vidro do carro ele falou sorridente:

— Olá, Dayana! Quer uma carona?

— Não, obrigada.

O homem, sempre sorridente, tanto insistiu que Dayana acabou aceitando. Ela teve um pouco de medo, mas o sorriso dele a tranquilizava. A menina confiou naquele sorriso, sem entender que sorrisos iludem, pois a maldade está no coração, se ela soubesse o que o vizinho tinha no coração nunca teria entrado naquele carro.

*

A sensação ruim voltou a assolar Dayana quando o vizinho pegou um caminho diferente do da casa dela. Nesse

momento, a garota reparou que havia cometido o pior erro da sua vida ao entrar naquele carro.

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Ela começou a entrar em desespero e pediu para ele parar o carro. Quando o vizinho ignorou o pedido, o sentimento ruim se converteu em lágrimas em seu rosto.

Quando Dayana começou a chorar, Adolfo se lembrou de sua ex esposa. Lembrou de como o choro dela lhe irritava. Lembrou principalmente de como ela chorou no dia em que foi embora e tudo isso lhe irritou muito.

— Engole esse choro!– falou Adolfo visivelmente irritado, em seu rosto não havia nem sombra do sorriso que enganou Dayana

— Eu quero descer! Me deixa ir embora.

Quando Dayana falou a palavra embora, ele lembrou de como sua esposa implorava para ir embora, no dia da última discussão do casal. Ele não via mais a menina, em sua mente era a sua ex esposa que estava no carro. O choro, os pedidos para ir embora, era tudo muito parecido. Ele falou a mesma frase que falou para a sua ex:

— Cale a boca! Você me pertence. Não vai a lugar nenhum!

— Você é doente!

Após ouvir Dayana falar isso, Adolfo segurou o volante com uma das mãos e com a outra pegou uma chave de roda em formato de L que estava perto dele, ele geralmente utilizava o objeto para ameaçar as meninas, mas nesse dia, a chave foi usada para bater na cabeça de Dayana. Ele fez com ela o que teve vontade de fazer com a esposa.

A garota sentiu a cabeça doer muito, o golpe a atingiu em um ponto frágil da cabeça. Ela logo desmaiou.

*

Adolfo estacionou o carro em uma área afastada, um local que era tomado por mato, as vezes ele era usado pela população como lixeiro, mas geralmente estava deserto. Ele sempre levava as meninas para lá.

Ele desceu do veiculo carregando Dayana nos braços. Devido ao baque forte, um filete de sangue escorria da cabeça da garota.

Pelo estado em que a garota estava parecia que o desmaio poderia durar muito tempo. Nesse momento, Adolfo se arrependeu de ter batido na menina, fazer as coisas com ela acordada seria mas interessante. Mas, ele não conseguiu se controlar, quando ouviu a menina falar que nem a ex esposa, até a mesma frase que Camila tanto repetia:"Você é doente!", sentiu uma raiva tremenda e só queria que ela calasse a boca. Nenhuma das outras garotas haviam dito isso, algumas imploravam para ir embora, mas nunca falaram que ele era doente. A raiva voltou mais forte.

Adolfo não havia matado as outras garotas. Com elas após consegui o que queria fazia ameaças de morte, usava frases do tipo:"Ninguém vai acreditar em você"e isso era o suficiente para calar suas outras vítimas. Com Dayana seria diferente, ele planejava matar a menina, todavia ele constatou que ela já estava morta devido ao baque. Foi um alivio para ele, pois foi poupado do trabalho de a matar.

Ele largou o corpo da garota no mato e se dirigiu novamente para o carro, quando estava com a mão na porta do veiculo, ouviu um barulho que lhe assustou. Com certo receio, ele se dirigiu para o local do barulho, temia que fosse alguma testemunha, alguém que tivesse visto o que ele fez com Dayana.

Para seu alivio, ao chegar no local, viu que se tratava apenas de ratos, os roedores corriam em meio ao lixo deixado pela população. Ao constatar isso, Adolfo riu aliviado e ainda falou:

— Vejam só quem são as testemunhas? Essas pragas urbanas estão em todos os lugares mesmo – Ele pegou um dos ratos pelo rabo e continuou como se falasse com o roedor– Sorte que vocês não vão falar para ninguém o que houve e nem tentaram vingar a menina, né?Olhem, podem olhar bem. Dayana, veja quem são suas testemunhas!

Ele riu e largou o rato em cima do corpo da garota , voltou satisfeito por ter cometido o crime perfeito,um ato sem testemunhas, ou melhor, um crime em que as únicas testemunhas foram ratos.

*

Foi no velório de Dayana que o tormento de Adolfo começou. Ele não sabia exatamente o que o havia motivado a ir, talvez a motivação tivesse sido a curiosidade de saber o que as pessoas falavam do assassinato, ou talvez, o sadismo o tivesse levado até lá simplesmente para ver a garota morta. Pelos comentários, ele descobriu que o corpo havia sido encontrado por um morador de um bairro pobre que foi deixar lixo no local. A polícia foi logo acionada, mas não tinham pistas do assassino ou assassinos. O caso estava sobre segredo de justiça, a única coisa que sabiam era que a causa da morte foi uma pancada muito forte na cabeça.

Adolfo poderia ter ido embora após se certificar que ninguém o ligava ao assassinato. Todavia, algo dentro dele o

impelia para a direção do caixão da menina. Passando pelo meio de parentes que lamentavam a morte precoce de

Dayana, chegou perto do caixão e constatou que mesmo depois de morta a garota continuava bonita, se não fosse pelo

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machucado na cabeça e pela palidez poderia muito bem se dizer que a menina estava viva. Ela estava usando um vestido branco e em suas narinas tinha bolas de algodão. Mas, não foi a cor do vestido, a beleza conservada mesmo depois de morta que chamaram a atenção de Adolfo, o que lhe chamou a atenção e o fez recuar assustado foi a cauda de rato que saia dos lábios pálidos de Dayana. A cauda de rato que apenas ele via e que após um tempo pareceu se mover, como se a menina estivesse com um rato dentro da boca. Foi a partir da visão dessa calda que o pouco de lucidez que tinha começou a abandona-lo pouco a pouco.

*

Os pesadelos que viraram companhia frequente na vida de Adolfo após aquele velório. Estranhamente, os pesadelos não eram com Dayana, os pesadelos eram com ratos. Centenas e centenas desses roedores o atormentavam em seus sonhos.

Em uma noite, ele teve o pesadelo mais perturbador de todos. No sonho, ele estava em um matagal escuro e Dayana caminhava em sua direção com o mesmo vestido branco do velório. O rabo do rato ainda estava para fora de seus lábios. Ao chegar próximo dele, ela pegava na cauda do rato com a ponta dos dedos e tirava de dentro de sua boca, como se puxasse um fio de macarrão, um roedor muito estranho, o bicho tinha os olhos vermelhos e parecia muito maior que o normal. Dayana colocou o rato no chão e ordenou com uma voz cavernosa:

— Vá chamar minhas testemunhas!

O animal se perdia nas sombras. Adolfo tentava fugir desesperado, mas para onde ele ia, a garota que ele matou estava lá. Ao chegar na beira de um imenso abismo escuro, ouviu um som chiado vim de dentro do abismo e em seguida, desafiando toda lógica, dezenas de ratos, guiados pelo bicho que Dayana tirou da boca o atacaram. Ele sentiu a dor dos dentes dos ratos lhe roendo como se fosse um queijo grande e apetitoso. Com o corpo tomado de ratos,ele viu Dayana rindo , uma risada maligna.

Adolfo acordou assustado e sentindo dor por todo corpo. Mas, seu verdadeiro pesadelo estava só começando.

Logo que desceu da cama, teve a visão mas terrível de sua vida, a casa estava cheia de ratos, parecia até uma das pragas do Egito, se uma das pragas envolvessem ratos.

Ele não conseguia entender como os roedores haviam entrado.

Seu horror aumentou quando abriu a geladeira e viu que até lá dentro os ratos estavam. Eles estavam em todos os lugares, nos armários, no guarda-roupa roendo as roupas dele.

Em pânico, desceu as escadas e foi para a oficina com intenção de pegar seu carro e ir para o mais longe possível.

Porém, ao abrir a porta do carro, a quantidade de ratos que saíram foi muito grande e o fez recuar.

Logo um barulho se fez ouvir , das escadas, os ratos desciam as centenas. Horrorizado, Adolfo correu e se trancou no banheiro da oficina, o único lugar em que não haviam ratos. Jogado no chão do banheiro, Adolfo sentia a morte cada vez mais próxima, ele podia ouvir os ratos rodeando o banheiro, tentando entrar pela janela de vidro, correndo em cima do forro e tentando roer a porta trancada. Quando os roedores entrassem seria o seu fim, eles pareciam estarem decididos a acabar com ele naquele dia. Ele pensava em uma forma de fugir daquele local.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo barulho da maçaneta girando. O homem sentiu arrepios por todo corpo e o medo o invadiu quando viu Dayana entrar pela porta, ela vestia o mesmo vestido do velório. A menina se virou e com um gesto de mão chamou todos os ratos que estavam do lado de fora:

— Entrem, minhas testemunhas. Vocês melhor que ninguém sabem como ele merece esse fim!

Os ratos entraram e para piorar ainda mais a situação o forro se rompeu e de lá caíram mais exemplares da abominável praga. Depois de um tempo, seu corpo não era mais visto devido a quantidade de ratos que tinha sobre ele.

Enquanto tinha seu corpo devorado pelos roedores, Adolfo ouvia Dayana rir cada vez mais alto.

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A Televisão

Por:

Ana Rosenrot

Bio:

Ana Rosenrot, de Jacareí – SP, é escritora e editora. Integrou antologias nacionais e internacionais. É criadora e editora da Revista LiteraLivre e membro do coletivo MALDOHORROR. Lançou o livro: “Cinema e Cult – Vol, 1” (2018) e ocupa a cadeira de nº 51, na A.I.L. Academia Independente de Letras.

Contato: E-mail Conto:

Após um dia estressante no trabalho, Camila chega a sua casa, prepara uma grande quantidade de pipocas e se senta confortavelmente para aproveitar seu passatempo predileto: assistir filmes na televisão.

Ela come as pipocas ruidosamente, sem tirar os olhos da tela para não perder nem um segundo do filme, quando, de repente, sua T.V. para de funcionar.

Camila se levanta, frustrada, esbravejando:

— Porcaria de televisão velha! – fala enquanto vai batendo no aparelho cada vez mais forte, até desistir, aceitando que ele pifou de vez.

Desanimada, ela sai para olhar as lojas, admirando os aparelhos de T.V. nas vitrines: lindos, sofisticados, de alta definição, mas sabe que não pode nem pensar em comprar nenhum deles, pois está com pouquíssimo dinheiro. Depois de andar por algum tempo, ela passa em frente a uma loja de assistência técnica e resolve entrar para procurar um aparelho de T.V. simples e barato – até sobrar uma grana para comprar um novo.

A loja era pequena e sortida, com muitos televisores para vender, de todos os tamanhos, marcas e preços; Camila só não gostou muito do vendedor: um homem estranho, antipático, que fazia questão de ignorá-la completamente; mas mesmo assim ela se aproxima, abre um sorriso e pergunta:

— Boa tarde! Eu queria comprar uma televisão, qual o senhor me indica?

O vendedor, sem responder nem tirar os olhos do jornal que está lendo, indica, com uma batidinha, um aparelho de T.V. cinza, pequeno, exposto sobre o balcão com um anúncio indicando o preço: R$ 200,00.

Animada, Camila decide comprar o aparelho baratinho (para quebrar o galho) mesmo gastando tudo o que tem na carteira, entrega o dinheiro em notas miúdas ao vendedor – que as recolhe impassível −, segura o aparelho leve nos braços, agradece e sai da loja, enquanto o vendedor fica olhando-a sair com um sorriso sinistro.

Camila volta para a casa com a televisão “nova”, conecta os cabos, colocando-a para funcionar sem perda de tempo. Minutos depois, a T.V. já está instalada e ela assiste a um filme, quando, do nada, o aparelho começa a chiar e a imagem é substituída por chuviscos.

Indignada, Camila se levanta gritando:

— Não acredito! Acabei de comprar e já está dando problema, mas que merda! Pensei que essa porcaria tivesse

sido pelo menos revisada antes de ser vendida! – e bate várias vezes no aparelho que volta a funcionar, mas parece ter

mudado de canal. Ela olha fixamente para a tela percebendo que a imagem transmitida é a do corredor de sua casa e vê,

estarrecida, a figura fantasmagórica e horrível de uma moça vestida de branco atravessar lentamente o corredor e entrar

no banheiro, neste momento ela ouve a porta do banheiro se fechar e assustada vai até lá, procura, não acha nada e volta

para o quarto; a televisão está chiando, depois começa a emitir um sussurro sibilante, incompreensível; Camila se

aproxima para tentar ouvir, quando surge na tela a imagem da moça do corredor com o rosto desfigurado e meio

escondido pelos cabelos negros e pegajosos; Camila dá um grito e acorda: havia tido um pesadelo. Ela respira fundo,

fecha os olhos para relaxar e dorme um sono agitado até de manhã, quando sai para o trabalho.

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Mais tarde, ao voltar para casa, Camila, já esquecida do pesadelo da noite anterior, liga a T.V., onde está sendo exibido um antigo filme de suspense e se deita confortavelmente. De repente, a imagem se estica e escurece, o áudio fica incompreensível, balbuciado e ela ouve, do outro lado do quarto, a porta do seu guarda-roupa começar a se mexer, batendo como se algo ou alguém estivesse desesperado para sair; mesmo tremendo de pavor Camila toma coragem, vai até o guarda-roupa, segura firmemente os puxadores e abre a porta esperando pelo pior, mas encontra somente roupas;

ela afasta os cabides, procura por algo que explique as batidas, só que ali não há nada além das suas coisas.

Ela respira profundamente, tenta se acalmar, fecha a porta do guarda-roupa devagar, sente que está sendo vigiada e ao virar-se se vê frente a frente com a figura demoníaca da televisão, tão próxima e real que Camila até pode sentir o cheiro nauseante da ferida pútrida que cobre quase todo o rosto da moça; paralisada de pavor, ela dá um grito desesperado, ensurdecedor…

E acorda, gritando e encharcada de suor, ouvindo os irritantes chiados da televisão, que ela encara, apreensiva, sem ter certeza se a visão que teve foi verdadeira ou só um sonho ruim. Apavorada, ela arranca os cabos do aparelho, joga uma toalha em cima dele para não enxergar mais a tela e fica acordada a noite toda, com medo de dormir e ter outro pesadelo.

Nos dias seguintes, Camila faz de tudo para não dormir: fica até mais tarde no trabalho, toma café, energéticos, sai para caminhar; mas quando o cansaço toma conta, basta ela dormir por um segundo que a garota fantasmagórica da televisão aparece para aterrorizá-la e ela acorda ouvindo os malditos chiados do aparelho de T.V., que ganha vida, apesar de desligado.

Tomada pela confusão e o cansaço extremo, Camila decide levar o aparelho de volta na loja.

Ao chegar, ela coloca a televisão sobre o balcão, onde o mesmo vendedor esquisito de antes está debruçado, consertando um rádio e diz:

— Eu vim devolver essa porcaria de T.V. e quero meu dinheiro de volta! Ela não presta, está amaldiçoada.

O vendedor olha para Camila e nega com a cabeça.

— Como assim? O senhor não vai devolver o meu dinheiro?

Ele balança a cabeça negativamente de novo, voltando a atenção para o aparelho que está consertando. Humilhada e esgotada, Camila pensa um pouco e diz, com raiva:

— Tudo bem… Quer saber… Pode ficar com o aparelho e a garota morta que vive nele – e sai da loja tensa, quase correndo.

O vendedor a observa sair e já coloca o mesmo anúncio anterior na televisão, esperando vender novamente o aparelho.

Pouco tempo depois, um rapaz entra na loja, também quer comprar uma T.V. e o vendedor indica o mesmo televisor, dando uma batidinha e o desavisado rapaz resolve comprá-la.

— Tenha bons sonhos!!– sussurra o vendedor.

Adaptado do roteiro de Vinicius J. Santos

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Despedaçar Amor

Por:

Kadu Hammett

Bio:

Kadu Hammett, é formado em Publicidade e Propaganda e começou a se aventurar como escritor pelo amor a literatura.

Tendo escrito contos de gêneros diversos e várias poesias, participa também da antologia Eu,Monstro! com o conto Gosto de Sangue.

Contato: E-mail Conto:

Andava em uma estrada de terra, longa e seca. A respiração cada vez mais ofegante, entregava o cansaço e o medo, suas únicas duas companhias naquele local solitário. A escuridão comprometia sua visão, não sabia o que poderia encontrar a sua frente e mantinha-se caminhando atordoado e perdido. Passos adiante, ouve o som de alguma coisa se mexendo à espreita. Vira-se rapidamente e é atacado tão rápido, que não conseguiu distinguir o que o atingiu.

Quando suspendeu seu corpo à cama com o impulso do susto, estava suando desenfreadamente. Sentado, buscou o copo de água que estava em seu criado mudo, o bebeu e limpou o rosto com o lençol.

— Outro pesadelo...

Tinha passado por mais dois pesadelos naquela semana, ao menos, o dessa noite não tinha sido o pior deles. Não dormiria mais pelo resto da noite e mesmo que conseguisse, tentaria se manter acordado. Preferia assim.

Dia amanhecia finalmente, levantava-se com calma, um pouco exausto. O banho foi demorado, pensava nos pesadelos que vinha tendo, não era normal a falta de paz durante o sono. De toalha, atravessava o apartamento em direção a cozinha, onde sua filha preparava o café da manhã.

— Bom dia, pai.

— Bom dia, querida.

— Você não dormiu esta noite, não foi?

— Como sabe?

— Sua cara. Você não parece muito bem.

— Tive os pesadelos outra vez. Tenho dormido muito mal por causa deles.

Alice olhava para o pai preocupada, não sabia como ajudar, talvez nem tivesse como fazê-lo. Terminou de pôr a mesa e se sentaram juntos, serviram-se enquanto conversavam sobre as noites em claro.

— Acho que você anda muito preocupado, pode ser isso.

— Talvez. Preciso arrumar um novo emprego, logo vamos ficar sem dinheiro pra nos manter.

— Fique calmo. Caso você não tenha percebido, eu já tenho dezoito anos e posso ajudar nas despesas da casa também.

— Eu sei, querida.

— Aliás, pai. Tenho uma entrevista hoje à tarde.

— Que bom meu amor. Que ótima notícia você me deu.

Levantou-se e abraçou a filha, percebeu que estava crescendo e se tornando independente, de qualquer forma, sempre iria continuar sendo a sua menina.

Durante a tarde, Alice estava em sua entrevista, enquanto seu pai cansado pela noite perdida, acabou adormecendo

no sofá. Tinha voltado a mesma estrada em que foi atacado anteriormente. Reconheceu o local e seguiu exatamente para

onde o que o atacou, estava escondido antes do ato. Dessa vez não havia nada lá, examinou por mais tempo e sentiu seus

pés serem puxados, derrubando-o.

(21)

Acordou com a porta sendo aberta por Alice, que expressava felicidade. Mal viu o pai e foi abraçá-lo correndo, dando-lhe beijos no rosto.

— Eu consegui, pai. O emprego é meu.

— Que maravilha, Alice. Meus parabéns.

— Obrigada. Agora você pode dormir mais tranquilo.

Olhou com devoção, aquele olhar de preocupação e cuidado que sua filha lhe entregava. Não era hora de apenas ele cuidar dela, mas também, de deixá-la cuidar dele um pouco. E assim, o fez. Um cuidava do outro.

Foram dormir depois do jantar. Deitaram-se na cama de casal do pai. Alice tentou ficar acordada ate que ele pegasse no sono, mas não conseguiu, dormindo muito antes dele. Horas depois, seu pai também foi vencido pela sonolência que o consumia.

Encontrou o mesmo local, estava exatamente no ponto em que tinha sido derrubado. Desta vez, estava mais atento, sabia que poderia ser atacado por qualquer direção. Sentiu algo cair de uma árvore e ao olhar para cima, vê uma figura totalmente negra, como uma fumaça em formas humanas. A criatura tinha se jogado em cima dele enquanto parecia distraído, mas dessa vez, conseguiu se defender e travar uma batalha contra aquele ser. Tinha aproveitado o impulso da queda e derrubado a forma estranha, ficando por cima daquele corpo quente sem expressão ou definição de face.

— O que você quer comigo? Me deixe em paz.

Nada respondia, nem emitia som algum. A briga continuava, mas sem respostas a suas perguntas.

— Responda, infeliz. O que você é? Por que me persegue?

Voltou a sua cama, sendo trazido pelo choro de sua filha. Ela pedia em puro desespero, para que ele acordasse. Ao se dar conta do que estava acontecendo, viu suas mãos em torno do pescoço de Alice, já vermelho e machucado.

Lágrimas corriam por seu rosto frágil com olhar de piedade.

A soltou, como tivesse se assustado, mas ela não se afastou. O abraçou forte e disse que iria estar com ele sempre que precisasse. Com medo do que fez a única pessoa que amava, pediu para se afastar, mas ela não o deixou. Retribuiu então o apertado abraço.

Mais um dia se inicia e os dois estão outra vez à mesa, deliciando o café da manhã que sempre ficava a cargo da garota. Despediu-se do pai e saiu para seu primeiro dia de trabalho. Ela não parecia mais tão feliz quanto o dia anterior, mas o carinho era o mesmo.

— Não vou te deixar, pai. Prometo.

— Te amo, minha filha.

— Também te amo.

Novamente sozinho, ligou a televisão e sentou-se na poltrona. Ainda sentia culpa pelo incidente passado, mas tentava não pensar no caso, para não se sentir pior. Assistia um filme antigo que reprisava sempre, mas o tédio o fez cochilar. Como não entrou em sono profundo, dessa vez, não chegou à estrada abandonada de sempre, mas foi acordado com alguém segurando seu braço.

Recobrando a consciência, olha a mão negra que o segurava, logo voltando seu campo de visão ao ser que estava do seu lado. Jogou-se da poltrona depressa caindo ao chão, mas soltando-se daquela mão quente.

— Como isso pode acontecer? Você não pode estar fora dos meus pesadelos.

— Eu posso fazer o que quiser com você.

Aquela voz era aguda e estridente. A cada palavra proferida, a agonia de ouvi-las se fazia presente. A voz parecia ecoar pela sala do apartamento, deixando-a mais alta e insuportável.

— Vá embora. O que você quer?

— Ver você.

— Como assim? Isso não faz o menor sentido.

— Você viverá a dor do inferno daqui pra frente.

— Cala a boca, miserável.

Pegou de uma só vez, o abajur que ficava em uma mesinha próxima e o atacou com um golpe certeiro. O objeto se despedaçou e a névoa negra em formato humano, continuava em pé a sua frente. Correu para a cozinha, ao entrar, a criatura já estava lá o encarando.

- Mas como é possível?

(22)

Voltou as pressas, atravessando a sala até o quarto. Pegou sua arma na gaveta de cima da cômoda e ao se virar, estava cara a cara com aquilo.

— Deus...

Foi jogado a parede, batendo com as costas. Antes mesmo de levantar, dispara dois tiros, mas as balas atravessam o corpo sem causar dano algum. Levanta-se e corre em sua direção, mas não consegue atravessá-lo. O ser indefinido, segura a mão que ele empunhava a arma e aponta o cano da pistola para sua própria cabeça. Com muito esforço, solta- se, saindo da mira do projetil, que é disparado contra a parede.

Não vendo outra saída, ajoelha-se e começa a rezar firmemente de olhos fechados. Nota o silencio ao redor e abre os olhos. Estava novamente só em seu quarto. Deitou na cama, tentando entender o que tinha acabado de acontecer ali, como seu pesadelo pode ter vindo ao mundo real dessa maneira.

Adormece novamente, dessa vez sonhando com sua filha o esperando em um grande jardim. Ela estava feliz, sorridente. Ele vai em seu encontro, mas a menina diz que ainda não é hora e o manda parar aonde está.

— Eu te amo, pai.

— Também te amo, meu amor. Mas porque não posso chegar perto de você?

— Não se preocupe, prometo que nunca vou te deixar. Nunca.

O telefone toca, trazendo-o do sonho a seu quarto outra vez. Levantou ainda zonzo e atende o aparelho sentando ao sofá.

— Alô?

— Boa tarde, é da residência de dona Alice?

— Sim, quem é a senhora?

— Sou da empresa que contratou Alice ontem, combinamos que ela iria começar hoje, mas até agora ela não veio.

Gostaríamos de saber se aconteceu algum contratempo, ou se ela desistiu da vaga.

— Deve haver algum engano. Hoje cedo ela saiu pra começar a trabalhar.

— Desculpe senhor, mas ela não apareceu por aqui.

— Meu Deus. Eu vou procurar minha filha.

Desligou o telefone atordoado com a notícia do desaparecimento da filha. Ia sair de casa, quando olhou de volta a seu quarto e a viu deitada em sua cama. Tinha acabado de sair dali e não havia ninguém com ele, viu Alice saindo, mas não a viu entrar novamente, então não fazia sentido ela estar dormindo ali. Ia se aproximando cautelosamente da cama.

— Alice?

Sentou na beira e a tocou. O corpo morto da menina, se virou intacto, com os olhos arregalados e sem vida mirando o nada. Pulou da cama num susto ao ver a filha nesse estado.

— Meu Deus, quem fez isso? Minha filha.

A segurou nos braços chorando, sem acreditar que tinha ali com ele, seu corpo sem vida. Não fazia muito tempo, que estavam juntos e felizes, sorrindo e comemorando, agora tudo tinha ido por água abaixo.

Batidas fortes na porta do apartamento. Outro susto. Olha para a porta fechada onde as batidas não cessam.

— Abra a porta. É a polícia.

— Polícia? Não faz sentido

— Abra a porta, sabemos que você está ai.

As batidas não tinham fim. O nervosismo e a confusão aumentavam. A dor de perder sua filha amada, ainda o consumia. Não podia ir até lá e deixar a menina só. Em um rompante, ouve a porta vir abaixo. Policiais invadindo o apartamento aos berros.

— Fique onde está. Não se mova e mantenha as mãos aonde podemos ver.

— O que está acontecendo?

— Parece que ele matou a menina. Algeme ele.

— Não. Eu não fiz nada com Alice. Vocês tem de prender quem fez isso com minha filha.

— Segurem ele.

Na tentativa de se levantar, foi jogado ao chão e algemado. A raiva surgia junto as lágrimas. Gritos da dor de uma perda se confundiam aos de revolta. Os policiais confirmaram a morte da garota e o acusaram de homicídio.

— Seus vizinhos ouviram três tiros e abriram uma denúncia. Você tá bem enrolado aqui;

— Mas eu não matei ela. Eu juro.

(23)

— De fato, ela não foi morta a tiros. Podemos ver as perfurações dos projeteis nas paredes do quarto. Então claramente sem balas e errando os tiros, você a estrangulou. Como um pai faz isso a própria filha? Que tipo de monstro é você?

— Você está louco? Eu nunca iria estrangular a minha filha. Eu a amo. Eu...

Os gritos cessaram e veio a lembrança de ter acordado a noite com as mãos no pescoço da garota, olhou novamente para o corpo e percebeu que ela ainda vestia a roupa com a qual foi dormir com ele, então ela nunca chegou a sair da cama. Desviou o olhar e viu no espelho, a figura negra de seus sonhos. Ouviu um recado em sua mente com a voz aguda e angustiante.

— Aqui vai começar a dor de seu inferno.

(24)

Em Horário Comercial

Por:

Czar Milch

Bio:

David Leite, nascido e criado em Jandira, região oeste de São Paulo. Fez cursos de Game Design e Audiovisual. È entusiasta em escrever histórias e narrativas, amor herdado da infância de livros e televisão, e da adolescência com o RPG e games.

Contato: E-mail Conto:

O relógio apitou, como de costume, às seis em ponto. Sua mão, movida pela memória muscular, reivindicou os mesmos 5 minutos a mais batendo no botão dele. O resto do corpo continuou seu descanso, mas com o desassossego de que ali a pouco deveria despertar. Ao findar dos 5 minutos, o relógio torna a estridir com seu alarme, e vibra por todo ele enfim o levantando.

Pés no chão, mãos apoiadas lado a lado, um bocejo de cansaço surgindo. A mesma rotina diuturna se repete.

Arrasta-se do pequeno quarto para o ainda menor lavatório. Olha-se no espelho, cada vez mais impressionado com as cavas embaixo dos olhos. Procura a escova de dente. Um segundo bocejo, esse quase inédito, se apresenta enquanto põe a pasta na escova.

Após o gargarejo segue-se a liturgia. Calça, camisa, gravata, paletó. O café da manhã, do dia anterior requentado no microondas, serviu apenas para forrar o estômago para a próxima hora do almoço. Pega a maleta executiva jogada displicentemente sobre a poltrona e vai à porta. Trancada. Girou a maçaneta novamente, pois não se lembrava de tê-la trancado, mas ainda assim estava. Voltou à sala para pegar o molho de chaves do apartamento e retorna em direção à porta. Detém-se então ao voltar para ela. Em lugar a sua porta de folha de madeira lisa havia uma ameaçadora comporta de ferro, oxidada, como de um claustro antigo. Permanece parado por longos minutos concebendo o que via, e de repente, mais aterrorizante que sua visão, lembra-se da reunião da manhã e que aquilo não poderia o impedir. Chuta a porta, com toda a força de sua perna. O som de gongo ressoa por todo o apartamento, e ela vibra por um momento, mas ainda se firma. Um segundo e um terceiro chute são necessários para finalmente a abrir. Ele atravessa a porta, olha para trás ainda tentando entender, e havia sua porta de madeira, apenas, com um racho dos golpes.

Com receio do atraso, continua pelo corredor em direção ao elevador, ainda

O corredor estava iluminado apenas pela tênue luz que vazava das portas dos outros apartamentos, dando um ar onírico ao ambiente. Apressado, o homem corre em direção ao ponto vermelho, o botão iluminado do elevador. Aperta o passo para não perder um único minuto, mas o momento começa a se estender. Apressava-se, chegando ao limite de começar a correr, ainda assim não parecia ter se movido do lugar. Passava pelas portas de luz entrecortada, mas o botão do elevador parecia distanciar-se ainda mais dentro da escuridão, como se o corredor estivesse se alongando às suas passadas. Para um momento, quase ofegando, e olha para trás. Apenas as portas dos quatro apartamentos do andar, embora tivesse passado por dezenas delas. Chacoalha a cabeça, ainda desnorteado. Imagina que permanecia confuso devido à noite mal dormida. Retoma seu rumo em direção ao elevador e aperta o botão.

O elevador para em seu andar, rangendo como o de um prédio antigo. Abre a porta a sua frente e seu interior

estava como nunca antes, com uma estrutura de ferro exposta e oxidada e telas de arame também enferrujadas. Não

havia tempo para pensar. Se joga para dentro dele e aperta rapidamente o botão do térreo. Não o conhecido botão digital

e sim uma botão mecânico que ameaçou cair após pressionado. O elevador range e treme conforme desce no poço, e o

som que emitia tornava-se mais grave com a descida, como se o poço se abrisse em uma abissal câmara que os fazia

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