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ANÁLISE DE QUESTÕES DE TRADUÇÃO

Esquema 8: Imagem esquemática de termo (Contente 2008:36)

2- ASPETOS SINTÁTICOS

2.2 Ordem de palavras

relacionado com a questão da compatibilidade sintática entre o constituinte partilhado pelos verbos correspondentes em português e as suas propriedades de seleção categorial. Com efeito, os verbos “encontrar” e “desfrutar” não apresentam as mesmas propriedades, uma vez que o primeiro verbo seleciona um constituinte nominal, enquanto o segundo seleciona um constituinte preposicionado introduzido pela preposição “de”. Tendo em conta o facto de as construções que envolvem a partilha de um constituinte apenas serem possíveis quando esse constituinte é compatível com as propriedades de ambos os verbos com o qual está relacionado sintaticamente, a manutenção da construção presente no TP levantaria problemas de gramaticalidade, como se pode ver em (81):

(81)

(…) no qual encontrei e desfrutei com prazer da sua inestimável biblioteca.

Assim, foi, neste caso, necessário proceder a uma reestruturação da frase, que implicou a opção por uma construção sem coordenação de verbos. A presença, neste fragmento de texto, de uma expressão com a função de aposto (“paraíso de qualquer investigador das humanidades”) obrigou a uma alteração na estrutura da frase, destinada a assegurar a sua colocação imediatamente a seguir à expressão seu antecedente (“a sua inestimável biblioteca”).

Concluindo, conhecer uma palavra implica, entre outros aspetos, o conhecimento acerca das estruturas sintáticas em que essa palavra pode participar. No que se refere à tradução, a consciência por parte do tradutor de que os predicados das línguas de partida e de chegada podem possuir propriedades de seleção categorial distintas é fundamental para se obter traduções gramaticais.

2.2 Ordem de palavras

Uma das questões sintáticas verificadas na nossa tradução teve que ver com a ordem de palavras nas línguas de partida e de chegada, mais concretamente, a ordem relativa do sujeito e do verbo e a ordem dos pronomes clíticos relativamente ao verbo.

Relativamente a esta questão, nomeadamente no que respeita a frases declarativas, Duarte (2003a:316) sublinha que, “sendo o português uma língua de proeminência de

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sujeito, a estrutura temática da frase está gramaticalizada através da distinção sujeito- predicado”.

Tendo em consideração que as condições que legitimam a ocorrência do sujeito em posição pós-verbal são distintas em espanhol e em português (cf. Duarte 2003b), procedemos, em alguns casos, a alterações na ordem de palavras. Vejamos, a este respeito, os exemplos (82) e (83):

(82)

a) Hasta el año 834 no autorizará el emperador la apertura de una capilla del budismo shingon en las dependencias imperiales (…).

(Página 39, linha 15)

b) Até 834, o imperador não autorizará a abertura de uma capela do budismo Shingon nas dependências imperiais (…).

(Página 36, linha 21)

(83)

a) Adopta Japón los caracteres chinos, sin embargo no le sirven y los modifica hasta llegar a los silabarios, que son, en resumen, esencia de los primeros.

(Página 137, linha 22)

b) O Japão adota os caracteres chineses, no entanto, estes não são indicados e modifica-os até chegar aos silabários, que são, em suma, a essência dos primeiros.

(Página 123, linha 29)

Os exemplos (82) e (83) ilustram situações em que, no TC, tivemos de intervir na ordem de palavras relativa ao sujeito e ao verbo. Não obstante, na LP, as construções verificadas em (82a) e (83a) serem legítimas – “no autorizará el emperador” e “adopta Japón” –, se, na LC, mantivéssemos esta ordem de palavras, estaríamos a construir frases marginais, pois, em português, a ordem de palavras VSO, apesar de possível, está normalmente associada a contextos marcados em termos discursivos.

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Posto isto, em ambos os casos, alterámos a ordem de palavras relativa ao sujeito e ao verbo, posicionando o primeiro antes do segundo.

Ainda no que refere à questão da ordem de palavras nas línguas de partida e de chegada, procedemos também à alteração da posição de pronomes clíticos, i.e., itens lexicais sem acento prosódico atribuído no léxico (tal como os afixos e contrariamente às palavras), mas com uma certa liberdade posicional (tal como as palavras, mas contrariamente aos afixos) (Martins 2013:2231), uma vez que esta é uma questão que distingue o espanhol do português.

Em ambas as línguas, os pronomes clíticos estão sempre associados a um verbo, o seu hospedeiro, sendo a sua ligação denominada cliticização. No entanto, quanto à sua posição, em português europeu, os clíticos podem ocupar uma posição de adjacência à direita (ênclise), à esquerda (próclise), ou interna (mesóclise) relativamente ao hospedeiro verbal. Já o espanhol conta apenas com o posicionamento enclítico e proclítico dos pronomes clíticos.

Na verdade, o português e o espanhol distinguem-se no que diz respeito aos fatores de que decorrem as diferentes posições dos clíticos relativamente ao verbo. No que se refere ao espanhol, a posição dos clíticos decorre do modo verbal presente na frase. Assim, de acordo com a Gramática da RAE (1999), os clíticos ocorrem em posição enclítica com os modos Infinitivo, Gerúndio e Imperativo (afirmativo), assumindo uma posição proclítica com os restantes modos verbais. Quanto ao português, os pronomes clíticos ocorrem em posição enclítica, exceto quando existem na frase unidades desencadeadoras de próclise como, por exemplo: (i) advérbios de negação frásica; (ii) quantificadores na posição de sujeito; (iii) alguns advérbios; (iv) elementos interrogativos, relativos e exclamativos, (v) conjunções subordinativas; (vi) conjunções coordenativas correlativas.

Tendo em conta estas diferenças entre as línguas, foi necessário, em certos momentos, proceder a alterações na ordem das palavras. Os exemplos (84) – (86) ilustram esta situação.

104 (84)

a) La escritura femenina se desarrolla en torno al silabario hiragana, que alude a una escritura fácil.

(Página 22, linha 15)

b) A escrita feminina desenvolve-se em torno do silabário hiragana, que alude a uma escrita fácil.

(Página 21, linha 32)

Em (84), destaca-se o pronome clítico “se”, que, em espanhol, se encontra posicionado à esquerda do seu hospedeiro verbal, verificando-se, neste caso, a existência de um pronome em posição proclítica, pois, nesta língua, formas verbais simples no modo Indicativo favorecem a próclise.

No entanto, em português, tendo em conta que a posição padrão dos pronomes clíticos corresponde à ênclise, e tendo ainda em conta o contexto presente em (84), onde não se verificam quaisquer desencadeadores de próclise, a posição apropriada do pronome clítico é à direita do verbo – ênclise.

O exemplo (85) ilustra uma outra situação da diferença relativa à posição dos pronomes clíticos em espanhol e em português.

(85)

a) Sin pretenderlo entregan a las mujeres una de las armas más eficaces para que su intimidad no encuentre fronteras, sobre todo temporales (…).

(Página 12, linha 14)

b) Sem o pretender, entregam às mulheres uma das armas mais eficazes para que a sua intimidade não encontre fronteiras, sobretudo temporais (…).

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No presente exemplo, em espanhol, o pronome clítico “lo” ocupa uma posição de adjacência à direita do verbo, pois, nesta língua, como referimos atrás, a presença de verbos no Infinitivo obriga à ênclise.

No entanto, como podemos observar em (85b), o mesmo não se aplica à língua portuguesa, em que, devido ao facto de a frase integrar a preposição “sem”, desencadeadora de próclise, é necessário que o pronome clítico se posicione à esquerda do verbo.

Veja-se, ainda, o exemplo (86), que ilustra uma situação em que, em espanhol, se verifica um pronome proclítico e, em português, um mesoclítico.

(86)

a) Esta ciudad le sucedería como capital en el año 710 y hasta el año 784 con siete emperadores sucesivos.

(Página 27, linha 31)

b) Esta cidade suceder-lhe-ia como capital em 710 e até 784, com sete imperadores sucessivos.

(Página 26, linha 19)

Em (86a), verifica-se a ocorrência do pronome clítico “le”, que ocupa uma posição de adjacência à esquerda do verbo, uma vez que o verbo ocorre no modo Condicional.

No entanto, como podemos observar em (86b), o pronome clítico do português, “lhe”, posiciona-se internamente ao seu hospedeiro verbal. Com efeito, no português atual, a posição mesoclítica está associada à ocorrência do verbo no Futuro do Indicativo ou no Condicional, como neste caso. Na verdade, os contextos de mesóclise correspondem a contextos de ênclise, ou seja, são contextos em que não se verifica a ocorrência de unidades desencadeadoras de próclise. Assim, esta foi mais uma situação em que tivemos de proceder a uma alteração na ordem das palavras.

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Em suma, a ordem de palavras, mais concretamente, no nosso caso, a ordem relativa à posição do sujeito e do verbo e à posição dos pronomes clíticos em relação ao seu hospedeiro verbal, é uma das questões sintáticas a ter em consideração quando se traduz, especialmente quando as línguas de trabalho são tão próximas como o espanhol e o português. É importante que o tradutor esteja consciente de que as condições relativas à ordem de palavras podem ser diferentes entre línguas, de forma a produzir traduções gramaticais e naturais.