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Propriedades de seleção categorial dos predicados verbais

ANÁLISE DE QUESTÕES DE TRADUÇÃO

Esquema 8: Imagem esquemática de termo (Contente 2008:36)

2- ASPETOS SINTÁTICOS

2.1 Propriedades de seleção categorial dos predicados verbais

Conhecer uma palavra não implica apenas o conhecimento da sua forma fonética e dos seus possíveis significados. Pelo contrário, envolve um conhecimento complexo das diferentes propriedades que lhe estão associadas.

De acordo com Duarte (2000), conhecer uma palavra envolve o conhecimento dos seguintes aspetos: (i) a sua forma fónica; (ii) o(s) seu(s) significado(s); (iii) a categoria sintática a que a palavra pertence (que determina as posições que ela pode ocupar); (iv) as suas propriedades de subcategorização (as categorias dos argumentos que seleciona); (v) as suas propriedades de seleção semântica (as funções semânticas desses argumentos); (vi) as restrições de seleção semântica que a palavra impõe aos seus argumentos (os traços semânticos que lhes estão associados). Este conjunto de conhecimentos é representado através das chamadas entradas lexicais.

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Assim, conhecer uma palavra implica, entre outros aspetos, conhecer as suas propriedades sintáticas quanto aos argumentos que seleciona. Desta forma, apesar de as informações referidas constarem do léxico da língua, são determinantes para a construção sintática, razão que nos levou a inclui-las nesta secção do trabalho.

Com efeito, os itens lexicais condicionam a categoria sintática ou gramatical dos constituintes que funcionam como seus complementos. No caso dos verbos, por exemplo, cada um determina a categoria gramatical dos constituintes com os quais pode, não pode, ou deve ocorrer no interior do sintagma verbal (Raposo 1992). Este fenómeno conhece- se por subcategorização, seleção categorial ou seleção estrutural.

É de salientar que uma tradução adequada implica o conhecimento, por parte do tradutor, do léxico das línguas de trabalho, pois só o conhecimento das propriedades associadas a cada palavra permite construir um texto formalmente correto.

Quando se traduz, há que ter em conta que verbos equivalentes nas línguas de partida e chegada podem ter propriedades de seleção categorial distintas, implicando, por isso, a construção de estruturas sintáticas distintas. Com efeito, acontece, por vezes, que um verbo em espanhol, embora seja equivalente em significado e, eventualmente, semelhante em forma gráfica a um verbo em português, não partilha com ele, no entanto, as mesmas propriedades de seleção categorial. Neste caso, o tradutor deverá proceder às alterações estruturais necessárias para respeitar essas propriedades.

Vejamos, a este respeito, os exemplos (77) – (80): (77)

a) Estudios recientes atribuyen el poema a la época de los emperadores retirados, quienes contribuyeron enormemente al desarrollo las artes y de las letras.

(Página 24, linha 21)

b) Estudos recentes atribuem o poema à época dos imperadores retirados, que contribuíram enormemente para o desenvolvimento das artes e das letras.

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Em (77a), o verbo “contribuir”, do espanhol, seleciona um sintagma preposicional iniciado pela preposição “al”, habitualmente traduzida para português para “a”. No entanto, como se pode observar em (77b), o verbo “contribuir”, do português, embora equivalente em significado ao primeiro e semelhante em forma, não partilha as mesmas propriedades de seleção categorial, pois seleciona a preposição “para”. Com efeito, a preposição que introduz os complementos preposicionados depende das propriedades idiossincráticas dos verbos, que podem ser distintas nas duas línguas (cf. Gonçalves 2013).

Vejamos, agora, o exemplo (78), ilustrativo de uma situação em que um verbo do espanhol seleciona um sintagma preposicional, facto que não se verifica em português, dado que o verbo equivalente nesta língua seleciona um sintagma nominal.

(78)

a) Para dicha labor escogió a otros dos calígrafos que completarían el trío al que se le atribuiría la función de renovar los citados cuadros.

(Página 36, linha 21)

b) Para tal trabalho, escolheu outros dois calígrafos, que completariam o trio ao qual se atribuiria a função de renovar os citados quadros. (Página 34, linha 5)

Em (78a), o verbo do espanhol “escoger” seleciona um sintagma preposicional iniciado pela preposição “a”. No entanto, como se observa em (78b), o verbo do português equivalente, “escolher”, seleciona um sintagma nominal. Assim, neste caso, a tradução implicou uma reestruturação da frase, de forma a respeitar as propriedades o verbo em questão.

O exemplo (79) ilustra uma outra situação semelhante: (79)

a) Kukai se convirtió en el primer monje japonés versado en la escritura en sánscrito, pues precisó de dicha lengua a la hora de profundizar en el estudio de los sutras.

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b) Kukai converteu-se no primeiro monge japonês versado na escrita em sânscrito, pois precisou desta língua na altura de aprofundar o estudo dos sutras.

(Página 33, linha 17)

No presente exemplo, podemos verificar que os verbos do espanhol e do português, “profundizar” e “aprofundar”, respetivamente, não possuem as mesmas propriedades de seleção categorial. Assim, enquanto o verbo “profundizar”, do espanhol, seleciona um complemento preposicionado iniciado pela preposição “en”, o mesmo não acontece com o verbo do português “aprofundar”, que seleciona um complemento nominal.

Atente-se, por último, no exemplo (80), que ilustra uma construção com dois verbos coordenados em espanhol, num contexto em que, em português, essa coordenação não é possível.

(80)

a) Asimismo al «International Research Center for Japanese Studies» (Nichibunken) de Kyoto, al que tuve acceso gracias a la comprensión y apoyo de Ms. Yukiko Okuno y en el que encontré y disfruté con placer de su inestimable biblioteca, paraíso de cualquier investigador en humanidades.

(Página 9, linha 5)

b) Gostaria também de agradecer ao «International Research Center for Japanese Studies» (Nichibunken) de Quioto, ao qual tive acesso graças à compreensão e ao apoio da Sra. Yukiko Okuno, e no qual encontrei a sua inestimável biblioteca, paraíso de qualquer investigador das humanidades, da qual desfrutei com prazer.

(Página 9, linha 5)

Em (80a), ocorre uma construção, em espanhol, que envolve a coordenação de dois verbos, “encontrar” e “disfrutar”, com a partilha de um complemento – “de su inestimable biblioteca”. A tradução deste excerto levantou-nos, no entanto, um problema

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relacionado com a questão da compatibilidade sintática entre o constituinte partilhado pelos verbos correspondentes em português e as suas propriedades de seleção categorial. Com efeito, os verbos “encontrar” e “desfrutar” não apresentam as mesmas propriedades, uma vez que o primeiro verbo seleciona um constituinte nominal, enquanto o segundo seleciona um constituinte preposicionado introduzido pela preposição “de”. Tendo em conta o facto de as construções que envolvem a partilha de um constituinte apenas serem possíveis quando esse constituinte é compatível com as propriedades de ambos os verbos com o qual está relacionado sintaticamente, a manutenção da construção presente no TP levantaria problemas de gramaticalidade, como se pode ver em (81):

(81)

(…) no qual encontrei e desfrutei com prazer da sua inestimável biblioteca.

Assim, foi, neste caso, necessário proceder a uma reestruturação da frase, que implicou a opção por uma construção sem coordenação de verbos. A presença, neste fragmento de texto, de uma expressão com a função de aposto (“paraíso de qualquer investigador das humanidades”) obrigou a uma alteração na estrutura da frase, destinada a assegurar a sua colocação imediatamente a seguir à expressão seu antecedente (“a sua inestimável biblioteca”).

Concluindo, conhecer uma palavra implica, entre outros aspetos, o conhecimento acerca das estruturas sintáticas em que essa palavra pode participar. No que se refere à tradução, a consciência por parte do tradutor de que os predicados das línguas de partida e de chegada podem possuir propriedades de seleção categorial distintas é fundamental para se obter traduções gramaticais.

2.2 Ordem de palavras

Uma das questões sintáticas verificadas na nossa tradução teve que ver com a ordem de palavras nas línguas de partida e de chegada, mais concretamente, a ordem relativa do sujeito e do verbo e a ordem dos pronomes clíticos relativamente ao verbo.

Relativamente a esta questão, nomeadamente no que respeita a frases declarativas, Duarte (2003a:316) sublinha que, “sendo o português uma língua de proeminência de