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CAPÍTULO 5 – O CURSO DE LICENCIATURA DE MATEMÁTICA – UNEB, SEU PPP, E A

5.6 ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

Durante o processo de investigação sobre a duração e carga horária do curso, foi possível perceber que o mesmo está em conformidade com o que determina a resolução CNE/CP 2/2002. O documento em análise estabelece conforme pode ser visto na Tabela 2, uma carga horária mínima de 3.260 h para o curso de licenciatura em Matemática, com a especificação de 2 070 h para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural, 405 h para o estágio curricular, 405 h de prática como componente curricular, 200 h de atividades acadêmico-científico culturais e 180 h de componentes de livre escolha.

Embora a composição descrita no projeto não possua as especificações explicitadas na legislação, foi possível estabelecer uma relação de equivalência. A exceção ficou por conta das horas de prática como componente curricular, que não estão explicitadas na Organização Curricular, sendo, portanto, necessário recorrer à matriz curricular para efetuar a contagem da carga horária e, assim, assegurar a total concordância tanto da duração do curso, como da carga horária com o que se encontra estabelecido na legislação.

De posse desse indicativo, ou seja, de não se ter explicitado as horas de prática como componente curricular no PPP do curso, é possível reconhecer a dificuldade encontrada pelos cursos em se adequarem à legislação em vigor, principalmente no entendimento das 400 h de “prática como componente curricular”. Do mesmo modo, é imperativo reconhecer que as novas diretrizes do parecer CNE/CP 1302/2001, contribuem para a formação de professores de Matemática ao proporem a ruptura do modelo “3 + 1”, quando definem a licenciatura desvinculada do bacharelado, e a inserção do licenciando na prática pedagógica, desde o início do curso.

Nesse sentido, a investigação sobre a matriz curricular mostra que o PPP do curso de licenciatura em Matemática da UNEB possui como característica de distinção para com o criticado modelo da “racionalidade técnica” uma estrutura curricular organizada em eixos de formação, explicitados na Tabela 2. Os eixos revelam uma composição que possui características que incluem disciplinas de conhecimento matemático, de formação docente para o ensino de Matemática e didático-pedagógicas previstas em todos os anos/semestres letivos; disciplinas que desenvolvem caminhos para a preparação do licenciando para exercer a função de ser professor e disciplinas que articulam os conhecimentos desenvolvidos em cada semestre letivo.

Contudo, observamos que algumas das propostas explicitadas no PPP estão longe de serem efetivadas, como a construção do espaço curricular entendido como eixo articulador e interdisciplinar do currículo. Refletindo sobre os objetivos, a escolha dos componentes, o tempo e o espaço a eles destinados, concluímos que o eixo denominado “Seminários Temáticos” se mostra fragilizado quando confrontado com o discurso presente nas diretrizes a respeito da necessidade de criação de um espaço em que o licenciando coloque em uso os conhecimentos aprendidos em tempo e espaços curriculares específicos com a função de promover a articulação das diferentes práticas numa perspectiva interdisciplinar.

Fundamenta-se essa conclusão utilizando os argumentos tempo e espaço. Para a questão do tempo, e analisando a carga horária de seus componentes (Tabela 2), revela-se um número insuficiente de horas, ou seja, 15 h para cada seminário, o que corresponde a 2% da carga horária total do curso para atender sua natureza articuladora e interdisciplinar. Para a questão do espaço, a função articular deve estar presente durante todo o desenvolvimento do curso, e não apenas ser restrita aos quatro primeiros semestres, conforme explicitado na matriz curricular, o que levanta a possibilidade de considerar a articulação entre conhecimentos matemáticos e conhecimentos pedagógicos fragilizados e com restrições no decorrer do curso.

Se a constituição dos eixos pode ser assumida como um avanço que diferencia o curso do modelo “3 + 1” já citado, por outro lado, existe a evidência de dicotomia entre conteúdo e pedagogia em diversos componentes curriculares. Encontramos nas ementas das disciplinas de conteúdos matemáticos deliberações que encerram cada conhecimento em si mesmos, ou sugerem que sejam necessárias para o aprofundamento de conhecimentos matemáticos mais complexos. Não encontramos nos ementários nenhuma referência ao campo de atuação profissional do licenciando especificado na concepção do curso.

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Para as análises produzidas nas disciplinas associadas à formação do docente, ou seja, às disciplinas de conhecimento pedagógico, a revelação não se mostra coerente com a proposta desses componentes. É possível encontrar descrições totalmente voltadas à construção teórico-pedagógica, além de disciplinas didático-pedagógicas, sem considerar a dimensão matemática da profissão para a qual o licenciando está sendo preparado, ou seja, ser um professor de Matemática. Isto, sem deixar de considerar, também, que foram encontrados poucos espaços para que de fato o licenciando pudesse ser trabalhado no sentido de desenvolver sua capacidade de entendimento dos conhecimentos que vão instrumentalizá-lo para a docência.

O que temos observado é o que se revela na literatura por meio de pesquisas, ou seja, uma supervalorização dos conhecimentos específicos, com base na transmissão de conhecimentos matemáticos independentes ou isolados de outras áreas e sem a participação dos licenciandos. Paralelamente, transitam os conhecimentos pedagógicos, fragilizados em importância, entendimento, valorização e potencial de formação para a prática docente. Alguns argumentos se apresentam para esclarecer e contribuir para a compreensão de procedimentos que persistem com o passar do tempo:

▪ “a universidade ainda incorpora a ideia de que a competência prática torna-se profissional quando seu instrumento de solução de problemas é baseado no conhecimento científico” (SCHÖN, 2000, p. 19)

▪ “a lógica disciplinar dos cursos de formação é regida por questões de conhecimento e não por questões de ação” (TARDIF, 2013, p. 271)

▪ “os cursos de formação possuem um modelo teórico idealizado segundo uma visão aplicacionista dos conteúdos, o que traz sérias implicações na prática pedagógica do professor que se revelam quando ele consegue transpor o conhecimento aprendido na universidade com o saber que deve ser ensinado na escola” (TARDIF, 2013)

▪ “os processos de formação têm apenas instruído o professor, não lhe permitindo articular e traduzir os novos conhecimentos universitários em novas práticas”(DUTRA, 2009, p. 125)

▪ “no currículo normativo, ‘o saber que’ tende assumir prioridade ao ‘saber como’ e o ‘saber como’ quando aparece, toma a forma de técnica baseada na ciência” (SCHÖN, 2000, p. 45)

Assim, considerando as reflexões aqui presentes, o que se apresenta como essencial para nossa reflexão é que não podemos esquecer que o licenciando é o sujeito da formação, é

quem deverá ser conduzido por processos que o aproximem e o instrumentalizem para o ensino por meio de ações que possam compor um repertório de vivências formativas que vão se materializar por meio de atitudes e práticas reflexivas. O que se coloca como ponto de reflexão é a definição desses espaços de prática em um contexto de fragilidades na inter- relação entre conhecimentos específicos, nos conhecimentos pedagógicos e na formação didático-pedagógica.

Em outra perspectiva, teoria e prática devem se consolidar como ferramentas utilizadas na construção do conhecimento matemático e, de forma articulada, assegurar e convalidar os espaços em que sua atuação teria por objetivo subsidiar a construção do conhecimento da prática formativa.

Entendemos também que o isolamento entre teoria e prática provoca um abalo na capacidade do futuro professor de Matemática de refletir sobre o significado da prática e o papel que ela exerce no seu desenvolvimento profissional. Portanto, para manter essa relação se faz necessário assumir como pressupostos que a ação pedagógica é também um processo de mediação de vários saberes e que um saber sem reflexão reforça o entendimento de que teoria e prática são unidades distintas e extremas. A concepção de saber a ser adotada nesse contexto é de um saber associado a atitudes voltadas para o ensino, ou seja, um conjunto de conhecimentos (saber), competências e habilidades (saber fazer e saber ser).

Para nosso entendimento, o curso apresenta a relação entre teoria e prática mais próxima da visão dicotômica definida por Candau e Lelis (1999). Concordamos com os autores quando explicitam que uma das formas de identificar a visão dicotômica nos currículos dos cursos de licenciatura em Matemática “é analisar o grau de desvalorização das disciplinas de natureza pedagógica, onde de fato estaria a parte prática do curso, contrapondo- se à valorização dos conhecimentos específicos da Matemática” (CANDAU; LELIS, 1999, p. 48).

De fato, na composição do currículo, o eixo de FDEM, em que estão distribuídas as disciplinas de natureza pedagógica, possui menor representatividade quando comparado ao eixo dos FTM, o que pode ser comprovado na Figura 3. Suas ementas são descritivas e não refletem o curso do qual tem a função de preparar para a docência. Nas leituras, não conseguimos identificar encaminhamentos de atividades exploratórias e problematizadoras que produzam uma aproximação significativa e enriquecedora com a docência. Nesse momento, além do desenvolvimento da atividade reflexiva, deixa-se em um plano suspenso a possibilidade de exercitar a compreensão de significados do conhecimento matemático teórico

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e prático, não só no licenciando, mas no aprendiz de professor, para que no futuro possa vir a ensiná-los.

A formação matemática do licenciando em disciplinas de conhecimentos pedagógicos vai possibilitar que o licenciando possa transitar entre os campos de conhecimentos teórico e prático, mesmo fazendo uso de um conhecimento hipotético da prática, favorecendo que o conhecimento matemático antes pronto e acabado, possa se revelar em conhecimento dinâmico com possibilidades de ser reelaborado.

Pelas informações coletadas, a prática que se revela no documento analisado está muito próxima de uma “prática altamente valorizada nos momentos em que predomina o domínio do conhecimento matemático formal, assumido como objeto de ensino e de aprendizagem nas escolas” (FIORENTINI, 2005, p. 920). Assim, não se trata apenas de uma distribuição de carga horária contemplando conhecimentos teóricos ou práticos ou a valorização de um segmento frente a outro, mas a necessidade de imprimir ao currículo do curso a relação de unidade entre teoria e prática e, desse modo, contribuir para que a Matemática, em processos formativos, se desenvolva estabelecendo relações com a prática de ensinar e a prática de aprender da escola básica.

CAPÍTULO 6 – O PONTO DE VISTA DO LICENCIANDO –