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CAPÍTULO 3 – O CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DA UNEB

3.1 PERCURSO HISTÓRICO

A criação de cursos superiores com o objetivo de formar professores para atuar na educação básica é uma realidade recente no Brasil. A formação desses profissionais tem início apenas na década de 1930, a partir do decreto-lei 1.190, de 4 de abril de 1939, que deu organização definitiva à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, passando assim a ser considerada referência para as demais escolas de nível superior.

O paradigma resultante deste decreto se estendeu para todo país compondo o modelo que ficou conhecido como “esquema 3+1”, adotado na organização dos cursos de licenciatura: em que os cursos eram integralizados em três anos, quando o estudante recebia o grau de bacharel e, para ministrar as disciplinas que compunham os currículos das escolas secundárias, era necessário realizar o curso de Didática, com duração de um ano. Portanto, o bacharelado tinha uma formação de três anos; entretanto, para a licenciatura, a exigência era de quatro anos, submetida num primeiro momento aos condicionantes curriculares do curso de bacharelado.

A implementação desse modelo revela a licenciatura em uma posição secundária quando confrontada a outras graduações, além de contribuir para que a formação de professores seja considerada uma atividade de categoria inferior, sem prestígio e com caráter de terminalidade, uma vez que sua efetivação só aconteceria na etapa final do curso. Pereira (1999) critica esse modelo de formação do professor considerando as dualidades que

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ocasiona, como “a separação entre teoria e prática na preparação profissional; a prioridade dada a formação teórica em detrimento da formação prática; a concepção de prática como mera aplicação da teoria” (p. 112).

Segundo Marcatto (2012), a concepção corrente era a de que os professores nasciam prontos para ensinar, bastando apenas conhecer bem o conteúdo a ser ensinado, e que “ensinar a ensinar” constituía-se como algo desnecessário, uma vez que o entendimento corrente era de que se aprende a ensinar com a prática. A ausência de programas pré-definidos e de uma literatura específica para as disciplinas de Didática são entendidas pelo autor como uma provável justificativa para essa concepção.

Ferreira (2011) analisou um programa de ensino da disciplina Didática Especial da Matemática, no curso de licenciatura em Matemática da USP, para o ano de 1954, no qual havia o registro de dois momentos: no primeiro versavam as questões de cunho teórico, enfatizando a natureza da matemática como domínio de conhecimento e, no segundo, questões práticas da disciplina e orientações para a realização dos estágios de observação e regência pelos licenciandos nas escolas. Desse modo, o currículo formativo posto em posição dominante para os professores da escola secundária é aquele centrado nos conteúdos culturais-cognitivos6, dispensada qualquer preocupação com o preparo pedagógico-didático7.

Entre as décadas de 60 e 70, novos desdobramentos marcaram a formação dos professores em cursos de licenciatura como o parecer 292/62, do Conselho Federal de Educação (CFE) que estabeleceu o currículo mínimo dos cursos de licenciatura, mas ainda com base nas disciplinas básicas dos cursos de bacharelado. O parecer determina que a formação do licenciando deve incluir estudos que promovam a aproximação com a formação docente, com o aluno e o método de ensino, e para tanto especifica as disciplinas que vão compor o grupo das disciplinas pedagógicas obrigatórias. O decreto-lei 5692/71, prevê a formação de professores em nível superior, em cursos de licenciatura curta, com três anos de duração, ou plena, com quatro anos cursados, dando início ao dualismo professor e especialista.

Submetida a inúmeras críticas, cada vez mais o curso de licenciatura era confrontado com solicitações de extinção das licenciaturas curtas, polivalentes e parceladas e a não autorização da criação de novos cursos. Pires (2002b, p. 15) destaca que o principal problema da licenciatura discutido nesse período era:

6 O modelo dos conteúdos culturais-cognitivos considera que a formação do professor se esgota na cultura

geral e no domínio específico da área de conhecimento correspondente à disciplina que vai lecionar.

7 O modelo pedagógico-didático considera que a formação do professor propriamente dita só se completa com

A dicotomia “teoria e prática” que tinha como reflexo a separação entre alunos do bacharelado e da licenciatura, a separação entre disciplinas de conteúdo específico e pedagógico e o distanciamento entre a prática acadêmica e as questões colocadas pela prática docente nas escolas.

Paralelamente a esse ordenamento legal, nos anos de 1980, desencadeia-se um amplo movimento pela reformulação dos cursos de licenciatura, com a criação do Grupo de Trabalho 8 – Formação de Professores – da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) com o intuito de ser um espaço de debate e discussão sobre a organização e o desenvolvimento dos cursos de licenciatura em nível nacional (BRZEZINSKI; GARRIDO, 2001).

A década de 90 se caracteriza pela valorização do professor reflexivo que investiga e reflete sobre sua própria prática docente. Trata-se de uma preocupação que decorre dos estudos realizados por Schön junto a diferentes profissionais, revelando que a formação mediante um currículo apenas prescritivo não oferecia uma formação suficiente para resolverem situações cotidianas inesperadas (DUTRA, 2010).

Assim, em 1996, mais uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96 vem propor uma reforma na formação de professores, ao atribuir autonomia aos cursos de licenciatura para a organização de suas configurações curriculares, de acordo com a especificidade de instituição de ensino superior. As novas propostas curriculares elaboradas devem romper com o modelo da racionalidade técnica, prevendo para tanto, uma prática entendida como eixo dessa formação.

Ao mesmo tempo, “esse novo modelo de formação prevê que do envolvimento com a realidade prática deverão originar-se problemas e questões que serão levados para discussão nas disciplinas teóricas” (DUTRA, 2010, p. 58). Outro ponto que merece destaque diz respeito à organização dos blocos de conhecimentos específicos e pedagógicos, que não mais serão apresentados separadamente ou acoplados e sim concomitantes e articulados. Espera-se que “o profissional competente atue refletindo na ação, criando uma nova realidade, experimentando, corrigindo e inventando através do diálogo que estabelece com essa mesma realidade” (PÉREZ-GÓMEZ, 1992, p. 110).

Na confluência das necessidades de implementação e regulamentação da legislação, tendo em vista a organização dos cursos para a formação de professores da educação básica e em atendimento a essas exigências, em 2002, o Conselho Nacional de Educação publica a resolução CP 1/2002, que institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica. Em seu art. 5º, a resolução faz referência ao projeto pedagógico dos cursos de formação de professores, afirmando:

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Art. 5º: O projeto pedagógico de cada curso, considerando o artigo anterior, levará em conta que:

I. A formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas na educação básica;

II. O desenvolvimento das competências exige que a formação contemple diferentes âmbitos do conhecimento profissional do professor;

III. A seleção de conteúdos das áreas de ensino da educação básica deve orientar- se por ir além daquilo que os professores irão ensinar em diferentes etapas da escolaridade;

IV. Os conteúdos a serem ensinados na escolaridade básica devem ser tratados de modo articulado com suas didáticas específicas. (BRASIL, 2002a, p. 2)

Uma consequência das novas diretrizes foi que os cursos de licenciatura tiveram que promover a reformulação dos seus projetos pedagógicos de modo a voltar-se às características particulares da própria licenciatura. No caso do curso de licenciatura em Matemática não é diferente. As deliberações produzidas pela legislação exigem que os cursos promovam a reformulação de seus currículos, tendo por base a diferenciação que deve existir entre os programas de curso de bacharelado e licenciatura, já que seus objetivos diferem.

Essa incursão histórica traz algumas revelações. Uma delas é a luta entre dois modelos diferentes de formação dos professores: de um lado, desenvolve-se um modelo para o qual a formação dos professores tem por fundamento o domínio específico dos conteúdos referentes à sua área de atuação; do outro, o entendimento e aceitação de que a formação de professores necessita assegurar, além da formação específica na área em que vai atuar, uma preparação didático-pedagógica, sem a qual não “estará em sentido próprio, formando professores” (SAVIANI, 2009, p. 149).

Outra revelação importante é a dualidade entre teoria e prática que, além de histórica, se materializa nos conflitos entre conhecimentos específicos e conhecimentos pedagógicos, entre especialistas e professores, entre conteúdo e método, e parece confirmar, quando confrontado ao que se vivencia neste novo século, a força de uma tradição:

[...] e de uma visão sobre um modelo formativo de professores que se petrificou no início do século XX e que mostra dificuldades de inovar-se. O esquema de formação híbrido que se consolidou historicamente no país, desde a origem das licenciaturas, postas como adendo dos bacharelados, mostra-se quase impermeável à construção de concepções específicas para a formação de professores tendo a educação e seus aspectos fundamentais como eixo curricular básico. (GATTI, 2013, p. 39)

Portanto, esse resgate histórico da formação de professores em curso de licenciatura, esclareceu a questão da persistência do conflito “teoria versus prática”, contribuindo para o entendimento das dificuldades a ser enfrentadas quando da possibilidade de vislumbrar esse envolvimento na construção da proposta curricular de curso de licenciatura em Matemática.