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Como já mencionado, a orientação consiste numa forma de representação mental que possibilita ao sujeito planejar, antever, dirigir e controlar suas ações. Ela se refere a compreensão que o indivíduo tem acerca de uma determina ação (NÚÑEZ; BARROS, 2019).

Tratando da relevância da orientação, Galperin (1992, p. 78) afirma que “[...] a função vital da mente consiste em seu comportamento orientador, baseado na reflexão mental de uma situação problemática”. Ela é acionada quando o indivíduo se coloca em uma situação que exige dele uma nova representação e sente necessidade ou desejo de satisfazê-la (NÚÑEZ; RAMALHO; OLIVEIRA, 2018).

Por conta disso e em função de sua influência sobre os demais momentos funcionais da atividade humana (execução e controle), a orientação ocupa um lugar de destaque como objeto da psicologia (GALPERIN, 1979; TALIZINA, 1988, 2000, 2009). Segundo Galperin (1979, p. 81):

A atividade orientadora se dá quando um sujeito realiza um exame da situação nova, confirma ou não o significado racional ou funcional dos objetos, prova e modifica a ação, traça um novo caminho e mais adiante, durante o processo de realização, leva a cabo um controle da ação de acordo com as modificações previamente estabelecidas.

Isso indica que, a orientação do sujeito norteia a execução de sua ação em uma determinada situação e ainda coloca-se como o referencial para o

controle dessa ação. Além disso, a orientação está direcionada para a construção racional e adequada da ação e para a seleção de uma das formas possíveis (TALIZINA, 2009).

Discutindo a relevância da orientação, Lopéz (2002, p. 104) menciona que:

O valor fundamental da etapa de orientação é que ele garante o entendimento da criança sobre o que ele fará, antes de iniciar sua execução. Como o aluno sabe, não apenas o que ele fará, o produto que obterá, mas também como proceder, quais materiais e instrumentos usar e quais ações e operações executar e a ordem de sua execução, maior será a qualidade da execução e o produto obtido.

Esse valor conferido à orientação a coloca como um momento aglutinador dos conteúdos de aprendizagem que, ao serem internalizados, ficam disponíveis para a atividade orientadora do indivíduo.

No que se refere a orientação para a ação de controle, a orientação pressupõe a existência de uma imagem pela qual ela possa ser controlada. Esse controle ocorre por meio do comparativo entre a imagem idealizada e a execução da atividade (GALPERIN, 1989c). Assim, o controle, além de uma função de verificação da execução segundo a orientação dada, também visa o aperfeiçoamento da atividade de aprendizagem.

Segundo a Teoria de Formação Planejada das Ações Mentais e dos Conceitos, a orientação do indivíduo se dá por meio da Base Orientadora da Ação (BOA), que consiste na “[...] representação antecipada da tarefa, assim como o sistema de orientadores, que são necessários para seu cumprimento, formam o plano da futura ação, a base para sua direção” (GALPERIN, 2001a, p. 46). Esse entendimento parte da premissa de que toda a ação humana é precedida por uma base orientadora, determinante para sua qualidade (GALPERIN, 1989a).

Essa imagem antecipada fornece, ainda antes da execução da ação, o conjunto de condições nas quais o indivíduo se apoiará durante sua realização e acompanhamento (TALIZINA, 1988, 2000, 2009).

Para Núñez, Ramalho e Oliveira (2018, p. 41), a BOA se constitui como um esquema conceitual-operativo, que contém:

a) o conteúdo objeto de assimilação;

b) a representação do produto final da ação e sua qualidade;

c) a representação da ordem das ações e das operações que devem ser realizadas; e

d) os modos de controle da ação

Esse conjunto de elementos, fornece os subsídios necessários para que o indivíduo possa executar e controlar sua ação, segundo um objetivo definido previamente.

Além disso, uma Base Orientadora da Ação adequada se constitui, quando internalizada, como uma ação do pensamento; e ainda permite que o sujeito se utilize dela enquanto orientação para outras atividades que estejam dentro dos limites da BOA (GALPERIN; TALIZINA, 1965).

O processo reelaboração e internalização da Base Orientadora da Ação, de forma consciente corresponde, à luz da Teoria de Formação Planejada das Ações Mentais e dos Conceitos, à aprendizagem (NÚÑEZ; RAMALHO; OLIVEIRA, 2018).

No que diz respeito a ação de controle, este é realizado como parte integrante BOA (modelo de controle). Inicialmente, a BOA e o seu modelo de controle assumem uma forma materializada para a posteriori serem internalizados pelo indivíduo.

Conforme Galperin (1989c), o uso de uma imagem antecipada da ação (isto é, da BOA) evidencia duas importantes características da atenção: seu caráter seletivo e benéfico sobre a atividade à qual está associada.

Ao internalizar a BOA, o indivíduo internaliza também seu controle, o que o possibilita a ser capaz de lidar com independência com a execução do seu ato de aprender a partir do sistema de condições pré-estabelecido; e monitorar sua aprendizagem segundo o produto idealizado.

A Base Orientadora da Ação, possui variações em suas propriedades que são classificadas em função: de sua generalidade, podendo ser particular (orienta um único caso) ou geral (orienta uma classe de objetos); de sua completude, divididas em completa (sistema de condições é completamente explicitado) ou incompleta (sistema de condições não é completamente explicitado); e do modo de obtenção, sendo ou preparada (quando é dada pronta ao sujeito) ou independente (quando é elaborada pelo próprio sujeito). A partir

dessas propriedades, as BOA podem ser de oito tipos, sintetizadas no Quadro 1:

Quadro 1 - Tipos de Bases Orientadoras da Ação

TIPO DE BOA PROPRIEDADES

Generalidade Completude Modo de obtenção

I Particular Incompleta Independente

II Particular Completa Preparada

III Geral Completa Independente

IV Geral Completa Preparada

V Geral Incompleta Preparada

VI Geral Incompleta Independente

VII Particular Completa Independente

VIII Particular Incompleta Preparada

Fonte: Adaptado de Talizina (2009, p. 179).

Dada essa variabilidade em suas características (generalidade, modo de obtenção e completude), cada Base Orientadora da Ação determina um tipo de formação e qualidade na ação. Dentre as bases descritas no Quadro 1, Galperin (2001b) aponta os três primeiros tipos de BOA como os principais. Descrevemos em seguida cada um deles.

Na BOA do tipo I, as condições que constituem a orientação não são explicitadas de modo suficiente, o que ocasiona uma execução da ação por meio de tentativa e erro. Apesar de ser obtida pelo próprio sujeito, dada a natureza limitada da orientação da ação sobre um único objeto, torna o processo de assimilação lento, visto que, para cada tipo de objeto de uma mesma classe, será necessária uma nova Base de Orientadora da Ação.

Galperin (1992) apresenta algumas características para um processo de aprendizagem subsidiado pela BOA I, tais como: ausência de uma sequência de ações e operações corretas desde o início, ocasionando uma gradual seleção, no decorrer do processo dos conteúdos apropriados; interconexão gradual entre os conteúdos; generalização dos conteúdos de forma paulatina; avaliação da ação somente a partir de seu produto, pois o aprendiz não tem consciência do próprio processo.

Já na Base Orientadora da Ação II, o sistema de condições é mostrado e dado pronto (na atividade de aprendizagem escolar, normalmente pelo professor), o que contribui para uma execução correta da ação. Contudo,

permanece a limitação da orientação particularizada a cada tipo de objeto de uma mesma classe, como na BOA I, dificultando a transferência de aprendizagem para situações que não tenham sido vivenciadas pelo sujeito.

Dadas as condições completas e prontas desde o início, Galperin (1992) diz que a aprendizagem via tentativa e erro pode se tornar mais escassa, visto que todas as ações e operações corretas estão disponíveis ao aprendiz. Além disso, o processo de aprendizagem passa pelas etapas de formação das ações mentais e dos conceitos de forma mais rápida e reduzida.

Contudo, a cada novo tipo específico de situação, faz-se necessário estruturar uma nova Base Orientadora da Ação, o que dificulta a integração entre diferentes conteúdos e dificulta a assimilação de todas as orientações na memória.

Além disso, o fato de ser entregue de forma pronta pelo professor pode gerar uma incompatibilidade entre os significados apresentados na orientação e os sentidos dos discentes em relação ao conteúdo estudado. Como consequência, em virtude da incompreensão ou mesmo discordância podem surgir dificuldades de aplicação da orientação nas situações.

O tipo III da BOA é obtida pelo sujeito da aprendizagem de forma independente, podendo ter a mediação do professor. Além disso, a orientação se norteia nas características necessárias e suficientes que definem uma classe de objetos, permitindo que a execução de ações de diferentes objetos particulares, que estejam dentro dos limites de generalização dessa classe, seja realizada sobre uma única BOA. Isso permite que a orientação se dê com maior facilidade e a execução gradativamente se torne mais rápida.

Segundo Galperin (1992), a aprendizagem resultante da utilização de uma orientação do tipo III apresenta uma influência no desenvolvimento intelectual dos estudantes, pois é direcionada para apropriação de um método geral do pensamento que possibilita ao aprendiz orientar-se apropriadamente frente a uma situação, mesmo que não disponha de todos os meios.

Comentando sobre um dos benefícios da Base de Orientadora da Ação III em relação aos outros tipos, Galperin (2001b, p. 44) afirma que ela promove uma:

[...] mudança essencial do processo e do produto da aprendizagem. Diferenciando individualmente a base orientadora da ação, o sujeito a segue ativamente e a organização externa da ação se faz desnecessária. Aqui a ação se executa desde o primeiro momento corretamente e sua assimilação posterior transcorre também sem erros.

Ter acesso a orientação completa desde o início da atividade de aprendizagem possibilita que não seja preciso haver uma mudança no conteúdo da orientação durante esse processo, mas apenas em sua forma, inicialmente material/materializada, passando pela linguagem externa e culminando na forma mental.

Ademais, por ser geral, direciona-se à essência invariante de uma diversidade de fenômenos que comungam da mesma orientação. Assim, conforme Talizina (1988), a BOA tipo III possibilita a formação do pensamento teórico, entendido por Davydov (1986, p.127) como “[...] o processo de idealização de um dos aspectos da atividade objetal-prática, a reprodução, nela, das formas universais das coisas”.

Para Fariñas (2019, p. 290-291), a Base Orientadora da Ação do tipo III tem duplo valor:

Primeiro: porque aprofunda o conhecimento da unidade dialética entre aprendizado-desenvolvimento; Segundo: porque, ao mesmo tempo, constitui uma alternativa eficaz para a direção do aprendizado, voltada ao desenvolvimento de pensamentos complexos e ao mesmo tempo de personalidade (parte inteira). O melhor desenvolvimento da personalidade requer uma concepção dialética globalizante do mundo relacionada a esse tipo de orientação, não uma concepção fragmentada, simplista ou maniqueísta.

Essa dupla função coloca em tela uma das finalidades centrais do Enfoque Histórico-Cultural, que consiste no desenvolvimento da personalidade enquanto construto integrador das dimensões cognoscitivas e afetivas do ser humano.

Tendo em vista o papel do professor na organização do processo de ensino, de modo a possibilitar ao estudante uma internalização adequada das ações e dos conceitos presentes no currículo, é fundamental que esse profissional formule e materialize o esquema de uma BOA desejável, que corresponda ao produto da orientação idealizada para o aluno ao final da

aprendizagem. Diante dessa necessidade, Galperin (1989b) apresenta o Esquema da Base Orientadora Completa da Ação (EBOCA).

O EBOCA pode ser entendido como a representação materializada da Base de Orientadora da Ação desejável para uma determinada ação (GALPERIN, 1989b). Segundo o autor, esse esquema:

[...] incorpora tudo o que um aluno deve ‘entender’ na tarefa à sua frente, e esse ‘entendimento’ é expresso pela ação: o aluno sistematicamente (não a esmo!) executa todas as instruções do esquema corretamente nas tarefas, que variam substancialmente. Esse ‘comportamento’ indica que o aluno está sendo guiado pelas relações essenciais nas tarefas e que suas ações são racionais (GALPERIN, 1989b, p. 70).

No contexto da presente tese, esse esquema corresponde a materialização3 de uma BOA III (isto é, completa, generalizada e obtida de forma

independente), elaborada inicialmente pelo professor para que os discentes possam remodelar sua orientação com um conteúdo desejável e internalizá-la como produto da aprendizagem.

Para Núñez e Ramalho (2017, p. 13), o Esquema da Base Orientadora Completa da Ação: “[...] fornece aos estudantes uma ferramenta cultural para a generalização teórica, que permite a compreensão de um conjunto de situações ou de um dado domínio”. Por meio do EBOCA, os discentes terão à sua disposição desde o princípio da atividade de aprendizagem um guia completo para execução e controle das tarefas.

Embora possuam similaridades e se inter-relacionem, a Base Orientadora da Ação (BOA) e o Esquema da Base Orientadora Completa da Ação (EBOCA) não são a mesma coisa. Galperin (1989b) afirma que, enquanto o EBOCA é um esquema representado no plano materializado, a BOA se refere ao seu reflexo mental, após processo de internalização. Ademais, enquanto há uma constância no EBOCA, sua BOA correspondente pode ter variações em seu conteúdo. Também discutindo essa distinção, Núñez, Ramalho e Oliveira (2018, p. 44) afirmam que “[...] enquanto a BOA é a orientação real do estudante, subjetiva, o EBOCA é a base de orientação desejada e estruturada pelo

3 Autores como Núñez (2009) utilizam a denominação cartão de estudo em alusão a representação materializada da BOA desejável. No contexto da presente tese, utilizamos EBOCA e cartão de estudo como termos equivalentes.

professor, a qual contém as condições essências para a adequada execução da ação e do controle”.

Outro aspecto importante discutido por Núñez, Melo e Gonçalves (2019) diz respeito a existência de dois tipos de EBOCA: o do professor e o do aluno4.

Enquanto o primeiro é o produto de um processo de sistematização metódica e planejada pelo professor para constituição de uma orientação ideal, o segundo consiste num esquema construído pelos discentes, com auxílio desse profissional e subsidiado pelo seu EBOCA, durante a etapa da base orientadora da ação da atividade de aprendizagem.

Uma forma de Esquema da Base Orientadora Completa da Ação possível, consiste em evidenciar três aspectos inerentes a ação mental que será objeto da atividade de aprendizagem: a definição da ação mental a ser formada (modelo do objeto); o sistema operacional de execução da ação (modelo da ação) e o sistema de operações para controlar a execução da ação (modelo de controle). A materialização da BOA III de uma determinada habilidade resulta também no processo de assimilação de um controle correspondente, o que implica que os modelos da ação e de controle estão intrinsecamente relacionados.

No âmbito da organização e aplicação da atividade de aprendizagem, o Esquema da Base Orientadora Completa da Ação elaborada pelo professor pode ser utilizado visando:

 Referenciar o processo de caracterização e análise das Bases de Orientadoras da Ação de cada aluno, antes, durante ou depois da atividade de aprendizagem.

 Auxiliar o professor na negociação dos sentidos e significados das BOA dos alunos, visando aproximá-las do produto da aprendizagem desejável e materializado no EBOCA elaborado pelo docente.

No que se refere a relação entre BOA inicial dos alunos e o EBOCA planejado pelo professor, enquanto a primeira corresponde ao nível de

4 Haja vista a existência desses dois tipos EBOCAs, em alguns momentos utilizaremos as expressões EBOCA do professor e EBOCA dos alunos ou da turma para distingui-los.

desenvolvimento real dos estudantes, o EBOCA do professor se refere ao nível de desenvolvimento desejável. Explicando a relação entre BOA e EBOCA durante o processo de formação de uma habilidade, Núñez, Ramalho e Oliveira (2018, p. 49), afirmam que:

No processo de formação da habilidade, a BOA de cada estudante está constantemente se modificando, sendo diferenciada, abreviada e generalizada, o que permite a aproximação ao EBOCA e a formação da ação de orientação qualitativamente diferente em cada etapa. Por sua vez, vão se formando e se consolidando ações de controle e de autorregulação da atividade, típico do aprender a aprender.

Dessa forma, partindo-se da orientação inicial do aluno (BOA) e do esquema ideal planejado pelo professor (EBOCA do professor), após a negociação entre docente e discentes, o aluno ressignifica sua BOA de modo que seu conteúdo se torna similar ao EBOCA do professor e, ao ser materializada, constitui o EBOCA do aluno. A partir do EBOCA elaborado pelos estudantes, a Experiência Formativa segue as etapas de formação das ações mentais e dos conceitos, culminando assim na internalização do conteúdo do EBOCA, do plano externo para o plano mental.

Considerando que a atividade de aprendizagem deve ocorrer no âmbito da Zona de Desenvolvimento Próximo (VYGOTSKY, 1995), para que o conteúdo passe do plano interpsicológico para o plano intrapsicológico é preciso que a Base Orientadora da Ação do aluno seja reconfigurada de forma equivalente ao EBOCA planejado pelo professor desde o início do processo formativo, a fim de orientar o processo de internalização dos conhecimentos e habilidades objetos da Experiência Formativa.

As reelaborações da orientação se dão, segundo a Teoria de P. Ya, Galperin, por etapas. Tendo em vista que uma das finalidades da orientação consiste em nortear a execução e o controle da atividade para que essa ocorra de forma adequada ao plano pré-estabelecido, passamos a discutir o processo de assimilação do controle por meio das etapas de ações mentais e dos conceitos propostas pela Teoria de Formação Planejada das Ações Mentais e dos Conceitos.