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Origens e trajetórias dos projetos de PSA-Água em estudo

4 ANÁLISE DO CONTEÚDO LEGAL DOS PROJETOS DE PSA-ÁGUA: AS

5.1 Origens e trajetórias dos projetos de PSA-Água em estudo

Os primeiros impulsos para se pensar a formulação de um projeto que assumisse o mecanismo de PSA começam em 2005 no âmbito do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), órgão vinculado à Secretária de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (SEAMA). O interesse para formular um projeto deste tipo partiu de funcionários do IEMA/SEAMA sob forte estímulo de um profissional ligado à ONG chamada Instituto BioAtlântica (Ibio), tendo também, recebido apoio inicial de experts da TNC. Estas duas ONGs iriam posteriormente ser parceiras na execução do projeto ProdutorES de Água.

Em 2006, teve início a elaboração da proposta do projeto Florestas para a Vida, que abrigava o mecanismo de PSA-Água. Essa proposta foi submetida para conseguir o financiamento do Fundo Global de Meio Ambiente (GEF) por meio do Banco Mundial

(Entrevista n°3). Mas, segundo um dos formuladores do Florestas para a Vida, devido à morosidade do processo de aprovação da proposta junto ao Banco Mundial e à existência de crescente interesse e pressão direta do governador para implementar o mecanismo de PSA no Espírito Santo, uma frente de trabalho começou a elaborar o desenho do ProdutorES de Água. Assim, dentro do IEMA/SEAMA foram desenvolvidas duas linhas distintas do mecanismo de PSA-Água: uma linha sob as orientações do Banco Mundial, baseada explicitamente na teoria econômica, com vistas a identificar os consumidores potenciais para se criar um futuro mercado de serviços ambientais, cuja condução foi mais paulatina e outra linha direcionada a implementar rapidamente o mecanismo de PSA no estado, no qual o pagamento assumiria mais um caráter de subsídio aos proprietários rurais, o que acabou sendo viabilizada em primeiro lugar no ProdutorES de Água (Entrevista n°3).

No decorrer do trabalho para a formulação do ProdutorES de Água, o corpo técnico do IEMA/SEAMA se dedicou a conhecer experiências de referência na implementação do mecanismo de PSA-Água, tais como a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais na Costa Rica e o projeto Conservador das Águas em Extrema/MG (Entrevista n°4). Também, esta equipe se dedicou ao estudo aprofundado de aspectos econômicos, ambientais, técnicos e jurídicos em torno do mecanismo de PSA-Água. A Agência Nacional das Águas disponibilizou uma base de conhecimento consolidado através do “Programa Produtor de Água”. O modo de cálculo para determinar o valor do PSA deriva deste programa (Entrevista n°4). Em contraposição, nenhum estudo prévio foi realizado na área da Bacia do Rio Benevente, primeira localidade onde se implementou o projeto. Os proprietários rurais foram procurados após a elaboração do projeto. Conforme um dos gestores entrevistados: “O proprietário era só beneficiário. Ele não participava em nenhuma cadeia anterior de tomada de decisão.” (Entrevista n°5).

Independentemente de dimensões de importância (econômicas, sociais, ambientais e culturais) em torno do público alvo e do interesse dos mesmos em participar de um projeto de PSA, havia dentro do primeiro escalão do governo grande interesse no mecanismo de PSA. Tal fato explica a inscrição do ProdutorES de Água na carteira de projetos estruturantes para o estado do Espírito Santo (Entrevista n°2). Este arranjo levou, em 2008, à homologação e regulamentação de leis que criaram o Programa de PSA (chamado de ProdutorES de Água) e o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDÁGUA). Desse modo, surge a primeira iniciativa estadual de PSA-Água com fundo de financiamento próprio no Brasil (SOSSAI et al., 2012). O FUNDÁGUA é abastecido por 3% dos royalties do petróleo e pelos royalties da água (compensações pagas pelo uso da água pelas grandes hidrelétricas). Destes recursos,

60% são destinados ao Programa de PSA e 40% para atender outras demandas da Política Estadual de Recursos Hídricos (Entrevista n°3).

De fato, o projeto ProdutorES de Água surge a partir da iniciativa de funcionários do IEMA/SEAMA que se comprometeram a formular, gerir e executar o projeto, mas sob influência de atores institucionais externos à esfera governamental. Porém em última análise, foi o forte interesse político que viabilizou a sua existência como política pública, garantindo a sua base legal e o aporte financeiro necessário à sua implementação.

Em 2012, as leis do Programa de PSA e do FUNDÁGUA foram reformuladas sob assessoria direta de técnicos do Banco Mundial. O ProdutorES de Água foi extinto e criou-se o Programa Reflorestar, que foi agregado a outros programas e projetos em andamento com temáticas afins, mas tendo como base principal de sustentação o desenho do projeto Florestas para a Vida (SOSSAI et al., 2012). O Programa Reflorestar visa investir em sistemas de produção e conservação que possam obter retorno ambiental e econômico. Tal modelo pode ser encontrado em projetos financiados pelo Banco Mundial em muitos países da América Latina (PAGIOLA; ARCENAS; PLATAIS, 2005). Desse modo, a linha de subsídio aos proprietários rurais deu lugar a linha que entende que o mecanismo de PSA-Água deve criar mercados de serviços ambientais.

Conservador das Águas

Para o idealizador do Conservador das Águas “o projeto foi uma evolução”. Em 1996, o interesse político de representantes de municípios da região sul de Minas Gerais mobilizou esforços para a construção e execução do projeto chamado Recuperar e Preservar as Águas dos Mananciais de Consumo e Desenvolvimento do Médio Sapucaí. Esta proposta comum tinha três frentes de ação, a saber: restauração florestal, conservação de solos e saneamento básico no meio rural. Estas ações no futuro seriam as práticas conservacionistas básicas do projeto Conservador das Águas.

Tal mobilização é fruto de um estímulo externo, vinculado à política ambiental nacional. Os recursos eram disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente, pela linha Projetos de Execução Descentralizados (PED), que distribuía recursos do Programa Nacional de Meio Ambiente. Este programa fomentou parcerias entre atores regionais para recuperar áreas de preservação permanente em propriedades rurais e evidenciou o direcionamento da política ambiental a uma postura mais de incentivo do que de imposição via mecanismos de comando e controle.

A linha do PED fomentou a cooperação entre órgãos de diferentes níveis de governo: seis prefeituras municipais (gestoras do projeto), a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais – EMATER (executora) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (apoio). Neste período, Extrema não tinha escritório da EMATER, mas destinou um funcionário da prefeitura para acompanhar o projeto, que acabou assumindo a coordenação regional dos trabalhos e tornou-se o idealizador e realizador do Conservador das Águas.

Contudo, em 1998, as ações deste projeto comum não alcançaram os resultados esperados devido à falta de adesão dos proprietários. Em razão deste problema, os gestores do projeto decidiram usar as regras definidas no Código Florestal para exigir adesões e garantir os resultados esperados. Com a atuação do IBAMA e do poder judiciário para “fazer-se cumprir a lei”, as metas de reflorestamento e conservação de solos foram alcançadas. No entanto, é claro que o mecanismo de incentivo também não mostrou resultados satisfatórios e que a lei imposta no nível nacional, não incorporada pelos proprietários rurais, funcionou como um “poder de pressão para incentivar” alterações no modo de uso do solo nas propriedades (CHIODI; PUGA; SARCINELLI, 2013).

Em 2001, já havia uma conjuntura política municipal estável16 e conhecimento técnico acumulado para criar um projeto semelhante e exclusivo em Extrema/MG. A limitação estava na disponibilidade de informações detalhadas do seu cenário socioambiental, além do desafio de pensar “modos mais amigáveis” de dialogar com os proprietários rurais. A execução de outro projeto denominado Água é Vida – Manejo e Monitoramento em Sub-bacias Hidrográficas, financiado pelo Ministério do Meio Ambiente, permitiu a contratação de assessoria técnica, a aquisição de imagens de satélite, o cadastramento e georreferenciamento de propriedades e a subdivisão do município em sub-bacias hidrográficas.

A ANA se aproximaria em 2002 com intuito difundir o Programa Produtor de Água que apoiava iniciativas de financiar proprietários rurais que adotassem medidas de conservação do solo. Além disso, há a aproximação da TNC com o intuito de difundir e apoiar a elaboração e implementação de projetos que assumissem o mecanismo de PSA-Água. Estes atores institucionais se tornaram parceiros permanentes no decorrer do desenvolvimento do Conservador das Águas.

16 O grupo político atualmente a frente da prefeitura municipal já está há oito mandatos na administração pública. Esta constância vem possibilitando a continuidade de certas políticas municipais (CHIODI; PUGA; SARCINELLI, 2013).

Ainda, o projeto “Água é Vida” viabilizou as negociações com os proprietários vinculados à Associação do Bairro das Posses (primeira sub-bacia trabalhada), anteriormente à criação do projeto. Houve uma abertura de diálogo entre formuladores e um grupo de proprietários rurais antes de se estabelecer o projeto na prática. Segundo o coordenador do projeto, buscou-se saber a opinião do grupo sobre o interesse em aderir um projeto que iria remunerá-los em contrapartida da proteção de parcelas de suas propriedades e sob quais condições a proteção ambiental poderia ocorrer.

Assim, a partir da convergência entre a experiência e as informações técnicas acumuladas pelos projetos anteriores e a adesão e a adaptação deste novo mecanismo de incentivo (PSA) foi proposto o desenho técnico operacional do projeto Conservador das Águas. Com o respaldo político, a lei que criou o projeto foi aprovada em 2005, viabilizando o seu aporte financeiro e alocando-o dentro do Departamento de Serviços Urbanos e Meio Ambiente (DSUMA). Em 2015, o projeto completa nove anos de execução prática e continua o desenvolvimento de suas atividades em três sub-bacias hidrográficas das sete previstas para serem beneficiadas em todo o município.

Projeto Piloto

O Projeto Piloto Produtor de Água no PCJ surge efetivamente dentro da Câmara Técnica de Uso e Conservação da Água no Meio Rural (CT Rural) do Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitê PCJ)17. Ele implementa pioneiramente o desenho do Programa Produtor de Água da ANA, com certa flexibilidade, mas seguindo os conceitos, o modelo de operação, a estrutura, o arranjo organizacional e a forma de pagamento propostos pelo programa (ANA, 2013).

A existência do Projeto Piloto pode ser creditada à confluência de interesses institucionais mobilizados por funcionários da TNC, da ANA e da SMA/SP (Entrevista n°19). Posteriormente, tais instituições assumiriam conjuntamente o compromisso de sua gestão e execução, sendo a TNC a tomadora do recurso financeiro junto ao Comitê PCJ. Soma-se a estes atores institucionais, o envolvimento de representantes do próprio Comitê PCJ, da CATI/SP e das Prefeituras Municipais de Joanópolis, de Nazaré Paulista e de Extrema.

No campo da política interna do Comitê PCJ, os funcionários destas instituições foram capazes de abrir espaço para a existência do projeto, quando em 2006, uma deliberação

17 Existem três Comitês para a gestão das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí: o Comitê PCJ Federal, o Comitê PCJ paulista e o Comitê PJ mineiro. No entanto, aqui será usado o termo Comitê PCJ para nomear todos os três Comitês, pois eles possuem uma estrutura integrada, com reuniões conjuntas, deliberações conjuntas, mesmas Câmaras Técnicas e diretoria colegiada.

conjunta foi aprovada para permitir criar o Projeto Piloto como uma ação de curto prazo dentro do Plano das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (COMITES PCJ, 2006). Com isso, o pagamento por serviços ambientais prestados foi financiado com recursos da cobrança pelo uso da água captados nas Bacias PCJ. O Projeto Piloto foi assumido como um projeto de interesse geral do Comitê PCJ pelo seu enfoque na gestão dos recursos hídricos.

Em 2009, foi lançado o edital de abertura para a adesão de proprietários rurais nas sub- bacias hidrográficas do Cancã e do Moinho. Nessas sub-bacias já vinha sendo desenvolvido o Programa de Recuperação de Matas Ciliares (PRMC) da SMA/SP, financiado pelo GEF, que visou especificamente recuperar APP hídricas. Segundo um dos formuladores do Projeto Piloto (Entrevista n°19), um dos objetivos iniciais do projeto seria o de integrar ações públicas: o Projeto Piloto iria ampliar o impacto do PRMC e pagar os proprietários. O PRMC iria financiar e executar as práticas de restauração florestal. O Projeto Piloto ainda se integraria ao Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas (Microbacias I) da SAA- CATI/SP, também financiado pelo GEF, que iria executar as práticas de conservação de solos.

Desse modo, já existiam algumas informações geradas pelo PRMC do contexto ambiental e social nos bairros do Cancã e do Moinho. Complementarmente foi realizado um diagnóstico socioeconômico e da percepção dos proprietários rurais sobre o mecanismo de PSA-Água, buscando despertar seu interesse pelo projeto.

Tal empenho não impediu o surgimento de dificuldades para a operacionalizar o Projeto Piloto. Devido a diversos obstáculos, o seu cronograma inicial teve atrasos e, quando foi possível colocá-lo em prática, em 2011, os programas PRMC e Microbacias I estavam sendo finalizados, o que impediu a efetivação da integração das ações inicialmente planejada (Entrevista n°19). Notadamente, houve pouca procura por parte dos proprietários rurais, além da grande dificuldade em organizar uma agenda de trabalho comum entre os técnicos das diferentes instituições que realizavam inicialmente a mobilização dos proprietários em campo e elaboravam os projetos executivos das propriedades (Entrevista n°20). Com isso, a adesão de proprietários, prevista inicialmente até novembro de 2010, se estendeu até novembro de 2012.

Este período, segundo o atual coordenador do projeto (Entrevista n°18), foi determinante para pensar e operar novas estratégias com vistas a superar tais dificuldades. A principal transformação ocorreu na estrutura de funcionamento do projeto, após a inserção de novas parcerias. Os novos parceiros entraram com um aporte financeiro que supriu as metas de restauração florestal, de conservação do solo e permitiu ampliar a mobilização em campo

junto aos proprietários. A transformação escolhida foi a terceirização dessas ações. Uma empresa de assessoria técnica foi contrata para cuidar da mobilização, negociação e elaboração de projetos executivos e outra tornou-se responsável pelas práticas de restauração florestal (implementação e manutenção das áreas de plantio de mudas).

Assim, o Projeto Piloto é o resultado da convergência de atores institucionais interessados na difusão do mecanismo de PSA-Água. Estes atores colocaram o mecanismo na estrutura da política de gestão dos recursos hídricos, o que viabilizou o seu aporte técnico pelo programa da ANA e o seu aporte financeiro via Comitê PCJ. Ao final de 2015, todos os contratos se encerram. Os primeiros contratos assinados começaram a ser renovados em 2014 (MARÇAL, 2014), o que permite considerar a continuidade do Projeto Piloto. As transformações na estrutura do projeto apresentaram resultados satisfatórios segundo o funcionário da TNC (Entrevista n°18), o que indica que a terceirização da execução pode servir de bom exemplo para outros projetos de PSA-Água no Brasil.